Por Eduardo Medeiros
Comecei a ler os clássicos da literatura brasileira no
primeiro ano do antigo “segundo grau” por causa de um professor de português.
Foi ele que me apresentou Machado de Assis e José de Alencar, meus dois
clássicos preferidos. Ele era um ótimo professor. Procurava criar nos alunos o gosto
pela leitura enfatizando a importância do ato de ler para a nossa formação
pessoal e intelectual e nos dava boas dicas
de como ler os clássicos, como por exemplo, sempre fazer uso de dicionários. Acabei
tomando tanto gosto pelos dicionários que fiz planos para ler um de capa a capa. Ia lendo e aprendendo novas palavras e anotava
em um caderno aquelas que eu achava interessante. Era o meu dicionário particular.
Evidentemente, nunca consegui ler um dicionário do princípio ao fim!
Pois bem. Este ano voltei com tudo a ler literatura e
resolvi ler “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Já conhecia o conteúdo da obra,
a história de Canudos e do seu herói, Antônio Conselheiro. Já tinha lido muitas matérias sobre o livro,
mas nunca tinha lido o livro. Puxei uma edição na estante e comecei a ler. cheguei à página 29 exausto! O que era
aquilo, meu bom padroeiro dos leitores aflitos! Na primeira parte do livro,
Euclides descreve a geografia do Planalto Central de tal forma tão detalhada
e numa
linguagem tão rebuscada que eu cansei por não ter entendido muita coisa (cadê
o dicionário!!?). Larguei o livro e fui
ler outras coisas até que me deparo no livro “Guia Politicamente Incorreto da
História do Brasil” de Leandro Narloch, algumas
considerações sobre Os Sertões.
O autor informa que Euclides morria de medo de que a obra
fosse execrada pelos críticos mas aconteceu o contrário: o livro foi bem aceito e ainda
hoje é considerado um dos mais importantes do pensamento brasileiro. E por
incrível que pareça, o motivo do sucesso foi exatamente por que o livro era difícil
de ler. Assim escreve Narloch:
Escrevendo em tempos
parnasianos, quando ainda não era ridículo esbanjar eruditismo, o autor abusou
de termos científicos, palavras complicadas e construções labirínticas. Tudo isso dentro de um estilo poético,
epopeico. Para reproduzir teorias pseudocientíficas da época, como a inferioridade
de raças que resultava na miscigenação dos brasileiros, criava rodeios
incompreensíveis como este:
Abstraiamos de
inúmeras causas perturbadoras, e consideremos os três elementos constituintes
de nossa raça em si mesmos, intactas as capacidades que lhe são próprias.
Vamos, de pronto, que, mesmo nesta hipótese favorável, deles não resulta o
produto único imanente às combinações binárias, num fusão imediata em que se justaponham ou se
resumam os seus caracteres, unificados e convergentes num tipo intermediário.
Ao contrário a combinação ternária inevitável determina, no caso mais simples,
três outras, binárias. Os elementos iniciais não se resumem, não se unificam:
desdobram-se; originam número igual de subformações – substituindo-se pelos
derivados, sem redução alguma...
E por aí vai. Até mesmo intelectuais da época consideravam o
livro sonolento, ainda que relevante. Um crítico da época, José Veríssimo,
assim resenhou Os Sertões:
Pena que conhecendo a
língua, como a conhece, esforçando-se evidentemente por escrevê-la bem,
possuindo raras qualidades de escritor, força, energia, eloquência, nervo,
colorido, elegância, tem o Sr Euclides da Cunha viciado o seu estilo, já
pessoal e próprio, não obstante de um primeiro livro, sobrecarregando a sua
linguagem de termos técnicos, de um boleio de frases como quer que seja
arrevesado, de arcaísmos e sobretudo de neologismos, de expressões obsoletas e
raras, abusando frequentemente contra a índole da língua e contra a gramática.
Tendo lido apenas 29 páginas eu devo dizer que concordo
plenamente com o crítico! Não sei se vou voltar às páginas densas do livro de
Euclides da Cunha; fico folheando e lendo aleatoriamente as páginas , capítulos, para ver se a linguagem refresca um pouco lá
pra frente , mas parece que não! Creio
que nesta minha nova aventura pelos clássicos, Euclides vai ficar de fora. Pelo menos por
enquanto.
Comentários
Enquanto você lê os Sertões, eu estou lendo a Biografia de Padim Ciço do Juazeiro do Norte ( de Lira Neto).
Haja coincidências! Tanto Euclides da Cunha quanto o padre Cícero Romão Batista nasceram na mesma época ― um no Rio de Janeiro e outro nos sertões do Ceará. (rsrs)