sábado, 29 de setembro de 2018

As eleições presidenciais de outubro e o risco de uma nova ruptura no país



Há quase 89 anos atrás, em 01/03/1930, ocorria a décima-primeira eleição presidencial direta da ainda jovem República brasileira, quando os cidadãos dos vinte estados da época e do Distrito Federal (com sede no Rio de Janeiro) tiveram que escolher entre o candidato do governo, o paulista Julio Prestes (PRP), e o maior nome da oposição, Getúlio Vargas (AL).

Para quem não sabe, a chamada "República Velha" vigorou entre os anos de 1889 a 1930 sendo que, conforme a Constituição de 1891, o pleito presidencial ocorria em data distinta do que vem sendo atualmente. E, por um longo período, o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM) acordavam entre si para se revezarem na Presidência da República, de modo que os seus interesses se preservassem. Tais entendimentos fizeram com que o regime fosse apelidado do "república do café com leite", numa referência aos principais produtos da economia de cada um dos dois estados brasileiros, tratando-se de algo que vinha funcionando harmonicamente até que houve uma quebra de alianças em 1930.

Assim, com a decisão do então presidente paulista Washington Luís em apoiar um sucessor do PRP, ao invés de um mineiro, eis que o governador de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, resolveu ceder a sua candidatura a presidente em favor do gaúcho Getúlio Vargas. Formou-se então com os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba a Aliança Liberal (AL), em que Vargas e o paraibano João Pessoa foram, respectivamente, indicados como candidatos a presidente e vice-presidente.

Importante esclarecer que, na época, o voto não era secreto e existia uma grande influência dos "coronéis" (pessoas influentes das oligarquias que detinham o Poder Executivo municipal, e principalmente, o poder militar da região). Com isso, costumava ser muito comum a fraude eleitoral e, não raramente, os eleitores eram obrigados a votar num determinado candidato apoiado pelo coronel local, de modo que os resultados corretos da disputa tornavam-se, com frequência, indeterminados.

Não custa lembrar que o Brasil de 1930 era uma nação de ainda 37.400.000 habitantes dos quais apenas 2.525.000 eram eleitores, tendo comparecido às urnas 1.900.256 cidadãos (1.838.335 votos nominais), o que representou 5% da população. Julio Prestes obteve 1.091.709 (59,39%) dos sufrágios enquanto Vargas alcançou 742.794 (40,41%), tendo os restantes se distribuído entre nulos, brancos e o terceiro colocado, que foi o comunista Minervino de Oliveira pela legenda do Bloco Operário e Camponês (BOC).

Entretanto, não houve uma aceitação do resultado! Pois surgiu um movimento armado, liderado pelos estados de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul, culminando com o golpe de Estado que depôs o presidente da república Washington Luís, em 24 de outubro de 1930, e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes. Foi o fim da República Velha.

Pois bem. Feito esse breve resumo da História brasileira, assunto que muitos depois poderão se aprofundar pesquisando em livros e na internet, passo então a refletir sobre o problema atual das eleições presidenciais de 2018, as quais muito me preocupam.

De acordo com os números da pesquisa Datafolha de 29/09 sobre as intensões de votos para presidente, com base em levantamentos feitos entre os dias 26 a 28/09 pelo instituto, Jair Bolsonaro (PSL) ainda se manteve na liderança com os mesmos 28% do resultado anterior, sendo seguido por Fernando Haddad (PT) que já alcançou surpreendentes 22%, isolando-se na segunda colocação. E, em terceiro, temos Ciro Gomes (PDT) com 11% que está empatado tecnicamente com o candidato Geraldo Alckmin (PSDB), o qual tem 10%. Já os demais números seriam estes: Marina Silva (Rede) 5%; João Amoêdo (Novo) 3%; Henrique Meirelles (MDB) 2%; Alvaro Dias (Podemos) 2%; Cabo Daciolo (Patriota) 1%; Vera Lúcia (PSTU) 1%; Guilherme Boulos (PSOL) 1%; João Goulart Filho (PPL) 0%; Eymael (DC) 0%; Branco/nulos 10%; não sabe/não respondeu 5%.


Entretanto, embora figurando em primeiro lugar nas pesquisas, as simulações sobre o segundo turno mostram que Bolsonaro perde de qualquer um dos principais concorrentes, quer seja Haddad, Ciro Gomes ou Alckmin. O motivo da derrota seria a alta rejeição angariada pelo presidenciável em suas repudiáveis falas contra mulheres, negros, indígenas, homossexuais e minorias em geral. Tanto é que já surgiu um forte movimento entre o eleitorado feminino chamado "#ELENÃO" e que tem crescido surpreendentemente. Aliás, hoje mesmo estão acontecendo diversas manifestações pelo país contra o político, sendo uma delas na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro.

Ocorre que, em entrevista concedida a José Luiz Datena, da Band, o candidato do PSL afirmou que não vai aceitar o resultado da eleição se ele não for o vencedor, dizendo que: "Pelo que eu vejo nas ruas, não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição". Em réplica, o jornalista ainda indagou se esse posicionamento não seria antidemocrático, pelo que recebeu a seguinte resposta:

"Não. É um sistema eleitoral que não existe em nenhum lugar do mundo. Eu apresentei um antídoto para isso. A senhora Raquel Dodge [procuradora-geral da República] questionou. O argumento dela, Datena, é que a impressão dos votos comprometeria a segurança das eleições. Pelo amor de Deus. Inclusive estava acertado que em 5% das seções teríamos impressão do voto"

Em outras palavras, Bolsonaro já está criando um clima de desconfiança quanto ao processo eleitoral estando já ciente de que não sairá vencedor, havendo antecipado o seu discurso a respeito de uma eventual "fraude", caso o PT ganhe mais uma vez as eleições presidenciais:

"Só na fraude. Lamentavelmente não temos como auditar as eleições. Não existe outra maneira que não seja na fraude. Quando Lula ia para a rua era hostilizado. Não existe essa história. Será que o Lula preso vai transferir a mesma quantidade de votos para Haddad que transferiu para Dilma?"

Além do mais, Bolsonaro também argumentou que não aceita as pesquisas eleitorais: 

"Não acredito em pesquisas. O que vejo nas ruas e como me tratam em aeroporto e como me tratam os outros não pode estar acontecendo. Não vejo eleitor de Marina, de outros candidatos. Lançaram uma campanha #ELENAO. Vocês vão votar em quem?"

Analisando os fatos, vejo um enorme risco para a democracia brasileira esse inconformismo de Bolsonaro e de seus apoiadores os quais, como sabemos, são muitos, mesmo não representando a maioria da possa população e nem os mais pobres. Pois, verdade seja dita, ele tem a seu favor um apoio que é de fato consolidado, tratando-se de uma massa formada por pessoas que acreditam piamente numa vitória já em primeiro turno, ignorando as pesquisas de opinião e as matérias divulgadas pelos jornais sérios desse país.

Ora, esse sentimento enganoso de que Bolsonaro irá vencer no primeiro turno decorre das percepções equivocadas que as redes sociais causam. Isto, aliás, virou hoje um grande mal para a democracia no mundo todo depois que muitos trocaram a TV e os jornais pela internet, tornando-se pessoas desinformadas, totalmente vulneráveis aos boatos espalhados pelos aplicativos de aparelhos celulares e ainda adeptas de teorias conspiratórias.

É fato que a rede social mais acessada do mundo, o Facebook, significou uma mudança drástica no modo de viver da segunda década do século XXI. E aí um dos efeitos que se tem na atualidade seria a intensificação do pensamento coletivo devido à facilidade de encontrarmos pessoas nos sites de relacionamento que pensam iguais a nós em determinados assuntos divulgados nos meios virtuais, o que acaba encorajando certas atitudes e intensificando a manifestação de opiniões.

Ora, a maneira como o referido site filtra o conteúdo que chega até os usuários faz com que estes acabem vivendo dentro de uma espécie de "bolha". Senão vejamos o que explica Lincoln Mirabelli Gomes em seu excelente artigo que versa sobre o assunto:

"Assim como o Google, Youtube e quase todas as outras redes sociais da atualidade, no Facebook o conteúdo que chega até o usuário passa por um algoritmo, que filtra o conteúdo bruto de acordo com certas preferências do usuário.
O algoritmo é extremamente complexo, contando com mais de 100.000 variáveis e fatores, entre eles proximidade do usuário com a fonte da publicação, número de curtidas, tipo de conteúdo e até horário de postagem.
Com isso, das cerca de 1500 publicações que um usuário teria acesso normalmente, apenas 20% desse montante chega ao destino. Apesar do motivo ser o de evitar uma enxurrada de conteúdo chegando ao usuário, esse “filtro” acaba gerando algumas consequências muito ruins, pois muitos usuários não sabem ou não percebem que essa “filtragem” acontece.
Como temos a tendência de se engajar mais em publicações que concordam com o que pensamos, o Facebook vai passar a mostrar mais daquilo que você gosta e menos daquilo que você não gosta — e não concorda também, passando uma sensação equivocada da realidade.
Um dos problemas observados desse efeito, que interfere diretamente no trabalho de um jornalista, é que dentro dessas bolhas sociais é muito mais fácil se espalhar as chamadas “Fake News”. Num ambiente em que predomina aqueles conteúdos e posições em que você acredita, a “guarda” fica mais baixa e acabamos acreditando mais facilmente nas coisas. Mesmo as vezes sendo uma notícia claramente falsa." - Extraído de https://medium.com/observat%C3%B3rio-de-m%C3%ADdia/uma-nova-fronteira-o-facebook-e-a-bolha-social-5986ff5bd89e

Será que, após a inevitável derrota do candidato do PSL, não será fácil para os seus seguidores espalharem boatos acerca de uma suposta fraude na votação eletrônica e as pessoas tomarem isso como sendo verdade absoluta?

Assim sendo, no caso do PT ganhar as eleições, não descarto a hipótese de que Bolsonaro poderá prosseguir com o seu intencional inconformismo, contribuindo para desencadear um movimento revolucionário no país que, semelhantemente com o que houve em 1930, causou a queda da primeira República. Ou seja, seria o prato cheio para termos um verdadeiro golpe de Estado, assassinando a Constituição Federal de 1988, cujas consequências seriam imprevisíveis para as conquistas alcançadas na área social e para as liberdades individuais.

Certamente que o ambiente de polarização na política brasileira é o que muito contribui para o aumento na divisão da nossa sociedade com sérios riscos para o regime democrático atual. Pois o fato do PT estar em segundo lugar nas pesquisas e com chances reais de ganhar as eleições instiga ainda mais os grupos de direita popular que surgiram nos últimos anos em apoio a Bolsonaro, acreditando tais militantes que o candidato irá por fim à corrupção e mudar o Brasil.

Todavia, se tivermos um presidenciável moderado disputando o segundo turno da eleição contra Bolsonaro, a exemplo de Geraldo Alckmin, poderemos evitar o aumento das tensões políticas no país. Isto porque um presidente de centro teria as chances de conciliar melhor os interesses do que um radical de direita ou um líder de esquerda cuja vice, Manuela d'Ávila, foi indicada pelo PCdoB para compor a chapa com o PT.

Felizmente, ainda nos restam oito dias pela frente e parte das horas de um final de semana como este, o qual considero decisivo para, quem sabe, ocorrer uma virada heroica até 07/10. Pois, segundo a otimista explicação do sociólogo Antonio Lavareda, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), "se Alckmin crescer 3% ou 4% até segunda-feira, ele pega impulso e consegue chegar ao segundo turno. O final de semana é fundamental. É quando há troca de informação nos grupos sociais".

Nunca é demais lembrar que, na reta final de outras eleições, houve movimentos importantes nesta etapa. Em 2014, Aécio Neves (PSDB) teve variação positiva de 10 pontos. Já em 2010, Marina Silva (então no PV) cresceu 6 pontos. E, em 2006, o próprio Alckmin disputando contra Lula, cresceu 8%. Logo, ainda tenho minhas esperanças de que o PSDB consiga chegar lá para evitarmos uma tragédia histórica na política brasileira, sendo que considero o candidato tucano uma opção muito melhor para estabilizar o Brasil do que Ciro Gomes.


Coragem, meus amigos, e vamos todos vestir a camisa do 45 no dia 07 de outubro. E para quem está indeciso ainda há tempo para se definir, sendo que os eleitores de Fernando Haddad podem muito bem refletir sobre a importância de mudarem para uma opção mais light, trocando o PT pelo PSDB. O Brasil é Geraldo!

OBS: A primeira foto ilustrativa do artigo retrata Getúlio Vargas, com outros líderes da Revolução de 1930, no município paulista de Itararé, logo após a derrubada de Washington Luís.

domingo, 23 de setembro de 2018

"Pela democracia, pelo Brasil"




Um grupo de brasileiros esclarecidos, que inclui artistas, advogados, ativistas e empresários, está promovendo um manifesto contra a candidatura de Jair Bolsonaro. Trata-se do documento intitulado "Pela democracia, pelo Brasil", sem vinculação a qualquer um dos adversários do deputado, mas tão somente propondo um movimento contra o projeto antidemocrático do presidenciável. 

Conforme apurado pela Exame, cerca de 150 nomes já teriam assinado o manifesto, dentre eles os de Maria Alice Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco; do economista Bernard Appy; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura; de Caetano Veloso e Paula Lavigne; do advogado e professor da FGV Carlos Vilhena; e do médico Drauzio Varella.

Aplaudindo de pé a iniciativa, eis que compartilho a seguir o texto para que todos possam conhecer, comentar e divulgar:


Pela democracia, pelo Brasil


"Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas. Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.

Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico, dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.

Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.

Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à desconstrução da nossa herança humanista primordial.

Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no debate público.

Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade, refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso democrático.

Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade. Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.

Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.

Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.

É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós.

Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.

Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos ser."

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Carta aos eleitores e eleitoras



Na noite desta quinta-feira (20/09), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) divulgou uma carta direcionada aos eleitores, na qual ele pede serenidade e união entre partidos contra candidatos radicais a fim de que o futuro presidente promova os ajustes necessários, evitando uma "crise econômica ainda mais profunda". Vale a pena refletirmos sobre o que nos diz esse experiente estadista em sua lúcida missiva:

Carta aos eleitores e eleitoras


Por Fernando Henrique Cardoso*

Em poucas semanas escolheremos os candidatos que passarão ao segundo turno. Em minha já longa vida recordo-me de poucos momentos tão decisivos para o futuro do Brasil em que as soluções dos grandes desafios dependeram do povo. Que hoje dependam, é mérito do próprio povo e de dirigentes políticos que lutaram contra o autoritarismo nas ruas e no Congresso e criaram as condições para a promulgação, há trinta anos, da Constituição que nos rege.

Em plena vigência do estado de direito nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia. Ganhe quem ganhar, o povo terá decidido soberanamente o vencedor e ponto final.

A democracia para mim é um valor pétreo. Mas ela não opera no vazio. Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais. Fui ministro de um governo fruto de outro impeachment, processo sempre traumático. Na época, a inflação beirava 1000 por cento ao ano. O presidente Itamar Franco percebeu que a coesão política era essencial para enfrentar os problemas. Formou um ministério com políticos de vários partidos, incluída a oposição ao seu governo, tal era sua angústia com o possível despedaçamento do país. Com meu apoio e de muitas outras pessoas, lançou-se a estabilizar a economia. Criara as bases políticas para tanto.

Agora, a fragmentação social e política é maior ainda. Tanto porque as economias contemporâneas criam novas ocupações, mas destroem muitas outras, gerando angústia e medo do futuro, como porque as conexões entre as pessoas se multiplicaram. Ao lado das mídias tradicionais, as “mídias sociais” permitem a cada pessoa participar diretamente da rede de informações (verdadeiras e falsas) que formam a opinião pública. Sem mídia livre não há democracia.

Mudanças bruscas de escolhas eleitorais são possíveis, para o bem ou para o mal, a depender da ação de cada um de nós.

Nas escolhas que faremos o pano de fundo é sombrio. Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de treze milhões de desempregados e um déficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de déficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários Estados, dramática.

Como o novo governo terá gastos obrigatórios (principalmente salários do funcionalismo e benefícios da previdência) que já consomem cerca de 80% das receitas da União, além de uma conta de juros estimada em R$ 380 bilhões em 2019, o quadro fiscal da União tende a se agravar. O agravamento colocará em perigo o controle da inflação e forçará a elevação da taxa de juros. Sem a reversão desse círculo vicioso o país, mais cedo que tarde, mergulhará em uma crise econômica ainda mais profunda.

Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas. São medidas que exigem explicação ao povo e tempo para que seus benefícios sejam sentidos. A primeira dessas medidas é uma lei da Previdência que elimine privilégios e assegure o equilíbrio do sistema em face do envelhecimento da população brasileira. A fixação de idades mínimas para a aposentadoria é inadiável. Ou os homens públicos em geral e os candidatos em particular dizem a verdade e mostram a insensatez das promessas enganadoras ou, ganhe quem ganhar, o pião continuará a girar sem sair do lugar, sobre um terreno que está afundando.

Ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política.

Os partidos têm responsabilidade nessa crise. Nos últimos anos, lançaram-se com voracidade crescente ao butim do Estado, enredando-se na corrupção, não apenas individual, mas institucional: nomeando agentes políticos para, em conivência com chefes de empresas, privadas e públicas, desviarem recursos para os cofres partidários e suas campanhas. É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos. A proliferação dos partidos (mais de 20 na Câmara Federal e muitos outros na fila para serem registrados) acelerou o “dá-cá, toma-lá” e levou de roldão o sistema eleitoral-partidário que montamos na Constituição de 1988. Ou se restabelece a confiança nos partidos e na política ou nada de duradouro será feito.

É neste quadro preocupante que se vê a radicalização dos sentimentos políticos. A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado. O fato de ser este o candidato à frente das pesquisas e ter ele como principal opositor quem representa um líder preso por acusações de corrupção mostra o ponto a que chegamos.

Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez. Como nas Diretas-já, não é o partidarismo, nem muito menos o personalismo, que devolverá rumo ao desenvolvimento social e econômico. É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise. As promessas que têm sido feitas são irrealizáveis. As demandas do povo se transformarão em insatisfação ainda maior, num quadro de violência crescente e expansão do crime organizado.

Sem que haja escolha de uma liderança serena que saiba ouvir, que seja honesto, que tenha experiência e capacidade política para pacificar e governar o país; sem que a sociedade civil volte a atuar como tal e não como massa de manobra de partidos; sem que os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver, a crise tenderá certamente a se agravar. Os maiores interessados nesse encontro e nessa convergência devem ser os próprios candidatos que não se aliam às visões radicais que opõem “eles” contra ”nós”.

Não é de estagnação econômica, regressão política e social que o Brasil precisa. Somos todos responsáveis para evitar esse descaminho. É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo. É isto o que está em jogo: o povo e o país. A Nação é o que importa neste momento decisivo.


(*) Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e foi presidente da República.

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...