domingo, 26 de janeiro de 2025

Deportados e Algemados

 


Não há negar que os EUA e alguns países europeus vivem uma crise migratória. Acolher todo mundo, dar banho, roupa lavada, emprego e moradia seria ótimo. Ideologicamente, por muito tempo, os americanos fizeram isso com os cubanos. Conseguiu fugir de Fidel e veio parar em Miami? Seja bem-vindo, vai ganhar  faculdade gratuita, treinamento vocacional ou auxílio para colocação no mercado de trabalho. Toma, Fidel...!! Mas nem todo refugiado tem o peso político-ideológico de um imigrante cubano...

Qualquer país tem o direito de deportar imigrantes ilegais que vivam em suas fronteiras. Ficamos todos indignados com a imagem de deportados brasileiros que saíram dos EUA algemados. Acontece que lá não é ilegal algemar deportados mas o mínimo de humanidade precisa ser respeitado.

Fica o aviso: brasileiros, deixem de tentar entrar ilegalmente no país do Alaranjado, ele não te quer lá. Tenta ganhar a vida por aqui mesmo. 

Luís Inácio deveria pagar na mesma moeda e deportar americanos ilegais que estejam por aqui...


segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Liberalismo e Iliberalismo

   


Fernando Schüler


Haveria mesmo um “iliberalismo” de esquerda? Ou “progressista”? É a pergunta que a revista The Economist fez dias atrás, com direito a chamada de capa. Por óbvio, a discussão não dizia respeito à esquerda hardcore, que gosta do modelo cubano. A questão é mais sofisticada. Ela diz respeito à corrosão de certos valores liberais que nos acostumamos a ver andando junto com as democracias e que historicamente foram defendidos pelo progressismo democrático. A liberdade de expressão era um deles. Outro era a recusa dos rituais de “purificação” da cultura. Coisas como a imensa fogueira com livros do Asterix e da Pocahontas, no Canadá, de que tivemos notícia por estes dias. O tema é interessante por muitas razões. Nos acostumamos, nos últimos anos, a associar o iliberalismo à “nova direita”, ligada a tipos como Trump e o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. Eram eles que andavam “corroendo a democracia por dentro”. Impondo “valores cristãos”, combatendo a “sexualização das crianças”, exalando um nacionalismo cafona, desafiando ritos institucionais e regras eleitorais. 

O conceito do iliberalismo apareceu em grande estilo nos anos 90. Fareed Zakaria sintetizou o tema em um artigo na revista Foreign Affairs, em 1997, dizendo que “a democracia está florescendo, o liberalismo constitucional não”. Estaríamos diante de um divórcio: fazem-se eleições, há partidos funcionando, mas um pouco abaixo da superfície vão se relativizando pilares essenciais das democracias liberais modernas: os freios e contrapesos, as garantias constitucionais, liberdade de pensamento, de reunião e de propriedade. 

Vale aqui uma distinção. A democracia diz respeito basicamente a “quem governa” e às relações de poder na sociedade. A estrutura política, partidos e a alternância dos governos. O liberalismo supõe um programa muito mais amplo. Tem a ver com a limitação do poder, indo mesmo muito além das garantias constitucionais. Ele supõe uma agenda não escrita de valores envolvendo o respeito à pluralidade de visões de mundo, a tolerância cultural e uma interferência apenas muito moderada do Estado na liberdade das pessoas, inclusive no terreno econômico.

É precisamente nessas regras não escritas, da “civilidade liberal”, na boa definição que li, que estaria o calcanhar de Aquiles do iliberalismo progressista. Seus pecados são conhecidos. Aceita-se prender um jornalista “do outro lado”, sem perguntar muito o porquê; topa-se queimar livros e vetar trabalhos acadêmicos “incorretos”, banir divergentes da internet, desmonetizar canais que não dizem a “verdade”, trocar o nome de escolas e derrubar monumentos de quem não atende aos (atuais) padrões morais. A lista é longa; promover “cancelamentos”, humilhando pessoas das quais se discorda, impor padrões de fala, exigir reservas de mercado para certos grupos, alegar um direito vago a não sofrer “microagressões” em universidade e ambientes de trabalho. Há quem diga que tudo isso é positivo e anuncia uma nova sociedade livre de preconceitos que o excesso de liberdade só tende a favorecer. Cada um pode julgar. Há muito adquiri o gosto por explicitar um problema e deixar que as pessoas cheguem a suas próprias conclusões.

Há quem argumente que o recuo iliberal do progressismo atual surgiu exatamente como reação à onda conservadora que tem marcado as democracias. Michael Powell escreveu um longo artigo no The New York Times mostrando como mesmo a icônica American Civil Liberties Union, que defendeu desde o direito à expressão dos comunistas, na era do macarthismo, até a Ku Klux Klan, nos últimos tempos recuou. O divisor de águas foi a eleição de Donald Trump e a ascensão da “nova direita”. Seus relatórios “falam na resistência ao trumpismo”, diz Powell, e não da Primeira Emenda e dos valores liberais que sempre defendeu.

O traço mais característico do novo iliberalismo é sua aversão ao pluralismo de ideias, na política e na cultura. A própria dificuldade de aceitar a legitimidade dos novos conservadores tem muito disso. Ou a tendência a reduzir a complexidade social a algumas categorias simples associadas a grupos de identidade, seja de gênero, raça ou orientação sexual. Tempos atrás participei de um debate sobre “diversidade”. Achei bacana o sentido de inclusão que todos queriam fazer avançar. Lá pelas tantas perguntei se a diversidade de ideias também estava incluída, e na hora senti o mal-estar. O que significaria “gente que pensa diferente”? “O que estaria incluído aí?”. A conversa terminou por ali mesmo.

O iliberalismo é ecumênico.  “ambos os extremos colocam o poder à frente do processo, os fins à frente dos meios e os interesses do grupo antes da liberdade dos indivíduos”. A tônica é a instrumentalização de valores fundamentais  em nome da afirmação de um mundo perfeito, que por algum acaso “nós” representamos. Uma questão de poder, de um lado, e de medo e exclusão, do outro. À direita ou à esquerda, uma boa síntese dos novos iliberalismos poderia dizer: nós somos o lado certo da história, logo não precisamos de vocês.

Talvez a culpa disso tudo seja da própria cultura liberal e sua complexidade, que no fundo exige um pouco mais das pessoas. Um saudável ceticismo em relação às próprias ideias; a aceitação de que as pessoas são falíveis, e quem sabe o mais dolorido: defender o direito dos outros de dizerem o que pensam, mesmo quando se tem certeza de que aquilo tudo é uma bobagem altamente prejudicial à humanidade. 

Isaiah Berlin costumava dizer que se você está convencido de que conhece o encaixe verdadeiro para todos os problemas humanos, então “nenhum preço a pagar é alto demais para abrir as portas desse paraíso”. A partir daí, censurar, humilhar ou banir os outros será apenas um detalhe. Sua tese vai na direção oposta: vivemos em um mundo sem encaixe possível, marcado por uma pluralidade de visões éticas a um só tempo verdadeiras e incompatíveis entre si. E que no meio dessa confusão só nos resta alguma humildade.

Não vejo melhor antídoto do que esse para os iliberalismos que rondam nossas democracias. Eles não serão combatidos com novas leis. O problema está na cabeça de quem faz e de que julga as leis. Eles habitam o mundo das ideias e da cultura, e é nesse terreno, feito de areia movediça, que devem ser enfrentados. 


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Artigo publicado na Revista Veja

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Permitir a defesa da ditadura jamais!

 

Sebastião Melo na Câmara de Porto Alegre - 📷: Reprodução/RBS TV


"Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura" (Mário Sérgio Cortella)


Em seu discurso de posse, na última quarta-feira, o prefeito reeleito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), disse que defensores da ditadura não devem ser processados porque isso, a seu ver, representaria "liberdade de expressão". 


"Eu quero que nesta tribuna e nas 6 mil casas legislativas municipais e no Congresso Nacional que um parlamentar ou qualquer um do povo que diga 'eu defendo a ditadura', ele não pode ser processado por isso, porque isso é liberdade de expressão".


A leviana fala foi recebida sob aplausos e vaias, logo após o chefe do Executivo ser empossado. E, na sequência, Melo argumentou que defensores do comunismo e do socialismo não merecem ser punidos.


Ao ler a notícia sobre esse fato no portal do G1, fiquei impressionado sobre a que ponto chegaram os atuais quadros do MDB, partido que, no passado, representou a resistência democrática ao regime militar. Aliás, a fala do prefeito de PoA vai totalmente contra o discurso histórico do saudoso Ulysses Guimarães quando a Assembleia promulgou a Constituição de 1988:


"Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina."


Sinceramente, desde que o MDB embarcou no golpe parlamentar contra a Presidenta Dilma Rousseff, desrespeitando a vontade popular do povo brasileiro expressa nas urnas, parece que o partido se degenerou de vez, ainda que isso não atinja a totalidade de seus quadros. Inclusive, o próprio Michel Temer, maior beneficiário do impeachment em 2016, certamente não seria capaz de tratar uma traição à pátria como um mero exercício da liberdade de expressão.


Assim como o racismo é considerado crime inafiançável e imprescritível, por força da Constituição, não seria forçado afirmar que o mesmo se aplica à defesa da ditadura assim como ao nazifascismo.


Sabemos que, inicialmente, não havia menção ao nazismo na nossa legislação, que era destinada principalmente ao combate do racismo sofrido pela população negra. Apenas em 1994 e 1997 é que foram incluídas as referências explícitas ao nazismo, por projetos de lei apresentados por Alberto Goldman e Paulo Paim.


Fato é que o direito à liberdade de expressão não engloba a apologia da ditadura e nem do nazismo. Lembremos, pois, da ocasião em que o Supremo Tribunal Federal, em 2003, julgou o caso do escritor gaúcho Siegfried Ellwanger Castan, quando este publicara uma série de obras que negavam o Holocausto judeu, sendo que uma delas foi intitulada 'Holocausto Judeu ou Alemão?'. Tratou-se, portanto, do primeiro condenado definitivo por antissemitismo na América Latina.


Desse modo, o STF, ao negar habeas corpus mantendo a pena do escritor, decidiu que "escrever, editar, divulgar e comerciar livros fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito à inafiançabilidade e imprescritibilidade". Além disso, a Corte concluiu que "o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra":


"No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável"


Portanto, diferente do que defendeu de maneira superficial o prefeito da capital gaúcha, qualquer um que ouse fazer apologia à ditadura merece ser tratado como um criminoso e traidor da pátria. Afinal, tal indivíduo está afrontando o Estado democrático e precisa ser punido sob os rigores do nosso ordenamento jurídico.


Que o MDB não fique inerte diante do que o prefeito de Porto Alegre falou de maneira bem explícita em seu discurso de posse e não permita que os ideais de Ulysses Guimarães sejam esquecidos por novas gerações de políticos sem consciência histórica que muitas das vezes fazem da agremiação uma legenda de aluguel.


Ulysses Guimarães com a Constituição de 1988


Ditadura nunca mais!

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...