segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Até quando essas tragédias irão se repetir?!



Pela segunda vez, nesta mesma década (pouco mais de três anos do episódio de Mariana), o país se vê novamente consternado por causa de uma tragédia de grandes proporções provocada pelo rompimento da barragem de uma mineradora ocorrida também em Minas Gerais.

Na tarde de 05/11/2015, havia se rompido uma barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo: a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton. O fato causou a destruição do povoado de Bento Rodrigues, situado a 35 km do centro do município mineiro de Mariana. Tratou-se, pois, do maior impacto ambiental da história brasileira, com um número de 18 mortos e uma pessoa desaparecida, além de um volume total despejado de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos, contendo metais pesados, em que a lama chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange 230 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, muitos dos quais abastecem sua população com a água fluvial. E, na época, até o ecossistema marinho foi afetado!

Na última sexta-feira (25/01/2019), porém, outra barragem da mineradora Vale rompeu-se em Brumadinho (MG), em que um mar de lama destruiu casas e vegetação da região, ceifando um número ainda maior de vidas humanas. Conforme informações obtidas no portal de notícias do G1, tem-se até o momento a confirmação dos seguintes números: 60 mortos dos quais 19 foram identificados; 292 desaparecidos; 192 resgatados; 382 localizados; e 135 desabrigados. E, com a retomada das buscas na manhã deste quarto dia da tragédia, mais corpos deverão ser localizados até o final de hoje:

"As buscas por vítimas e sobreviventes do rompimento de uma barragem da mineradora Vale foram retomadas na manhã desta segunda-feira (28) em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Até as 10h30, 60 mortes e 292 desaparecidos foram confirmados pelas autoridades. Neste quarto dia de buscas, 136 militares de Israel vão reforçar os trabalhos de resgate. Eles se juntam a cerca de 270 brasileiros de vários órgãos que atuam na região da tragédia. A barragem de rejeitos se rompeu na sexta-feira (25) e ficava na mina de Córrego do Fundão. A lama varreu a comunidade local e parte do centro administrativo da empresa. Entre as vítimas estão moradores locais e funcionários da Vale." (extraído de https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/01/28/buscas-por-sobreviventes-seguem-pelo-4o-dia-em-brumadinho-mg.ghtml)

Ora, sabe-se que cerca de 300 funcionários da Vale estavam trabalhando no momento em que houve o rompimento. E, segundo a reportagem citada, o tenente Pedro Aihara, porta-voz dos bombeiros de Minas Gerais, afirmou que o refeitório onde estavam os trabalhadores, no momento da queda da barragem, teria sido arrastado pela lama e pode ter ido parar a "até quilômetros à frente". E esse restaurante coletivo, assim como o centro administrativo da empresa, não estavam situados à montante do empreendimento, mas, sim, à jusante!

O pior de tudo é saber que não estamos livres de outro desastre semelhante. Lendo uma matéria no portal do Jornal Estado de Minas, datada de 07/01/2018, há um total de 50 (cinquenta) barragens de rejeitos sem garantia de estabilidade. Aliás, ao todo, de acordo com o Ministério Público mineiro, citado na matéria, seriam mais de 400 e quase 10% delas apresentam riscos, sendo que a ameaça recai sobre comunidades e fontes de abastecimento de água:

"O medo de ser varrido sem qualquer chance de escapatória por uma onda de rejeitos de minério ficou mais evidente em Minas após o emblemático rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro de 2015. E voltou a se tornar pesadelo de gente que vive aos pés desses grandes maciços destinados a represas de resíduos depois que a Barragem de Casa de Pedra, em Congonhas, apresentou infiltrações graves. A estrutura precisou passar por intervenções urgentes e implantar um sistema de evacuação de emergência para que as cerca de 4.800 pessoas que residem a apenas 250 metros do complexo treinassem procedimentos de salvamento. A exemplo dessas comunidades, muitas convivem com o medo de ser dizimadas como em Mariana, onde houve 19 mortes – uma das vítimas nem sequer teve o corpo localizado. Esse tipo de receio persegue diariamente quem mora, por exemplo, abaixo da Barragem de Capão da Serra, em Nova Lima, e vê obras sendo feitas no alto do represamento sem saber a que se destinam. Da mesma forma, habitantes de alguns bairros de Rio Acima, na Grande BH, ameaçados pelos rejeitos tóxicos da barragem abandonada da Mundo Mineração, um perigo que pode contaminar até mesmo o Rio das Velhas e comprometer o abastecimento da Grande BH. De acordo com a procuradora de Justiça e membro da força-tarefa Rio Doce – que acompanha e cobra pelo Ministério Público de Minas Gerais ações após a tragédia do rompimento da Barragem do Fundão –, Andressa Lanchotti, há pelo menos 400 barragens de rejeitos no estado, sendo que quase 10% precisam ser monitoradas de perto devido aos perigos de ruptura, com efeitos graves para o meio ambiente e núcleos humanos. (...) A Feam aponta a existência de 50 barragens sem garantia de estabilidade, nem todas de rejeitos. A falta de informações tem assustado pessoas de comunidades que ficam abaixo da área do represamento de 47 metros de altura da Barragem de Capão da Serra, também conhecida como Barragem de Pasárgada, em Nova Lima, na Grande BH. Há pelo menos 50 residências no traçado considerado de risco. O temor aumentou principalmente quando os operários que faziam as intervenções pintaram grandes seções com tinta branca, marcando locais bem no meio da estrutura de alvenaria que segura 2,23 milhões de metros cúbicos de rejeitos e água sobre suas casas. " ( clique AQUI para ler na íntegra) 

Segundo o ambientalista Nilo D’Avila, coordenador de campanhas da ONG Greenpeace, há semelhanças da tragédia de Brumadinho com a de Mariana, inclusive pelo envolvimento de uma mesma empresa, a Vale. No próprio dia do evento, ele assim afirmou ao jornal Estadão: "Está muito claro que não ficou lição alguma da tragédia de Mariana. É a mesma companhia, o mesmo tipo de acidente".

Em três decisões proferidas recentemente, a Justiça mineira já determinou o bloqueio de mais de R$ 11 bilhões de reais da Vale a fim de reparar os danos à população atingida pelo rompimento da barragem em Brumadinho. A medida foi concedida em sede de ação cautelar antecedente proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais e o dinheiro terá que ser usado exclusivamente na reparação dos danos causados às pessoas atingidas pelo rompimento, cabendo à empresa o dever de fornecer acolhimento em hotéis, pousadas, imóveis locados, arcando com os custos e translado, transporte de bens móveis, pessoas e animais, além do custeio da alimentação e do fornecimento de água potável.



Considerando que o rompimento de barragens de rejeitos acontecem no Brasil desde o início do século XIX, eis que, certa vez, bem escreveu o nosso saudoso poeta mineiro, filho da cidade de Itabira, Carlos Drummond de Andrade (1902 — 1987), acerca da Vale, quando esta ainda era uma companhia estatal. E, embora jamais publicado num livro, o seu poema Lira Itabirana chegou a sair numa edição de 1984 do jornal Cometa Itabirano sendo que, há três anos, o texto circula espontaneamente pelas redes sociais da internet:

"O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?"


Inegavelmente, as palavras de Drummond nos pareceram até proféticas quando houve o desastre de Mariana, sendo que hoje tal lembrança pode e deve contribuir para aumentar o nosso estado de alerta quanto à situação das demais barragens da Vale, bem como de outras mineradoras.



Como ser humano, não posso deixar de me solidarizar com as vítimas de Brumadinho, desejando que as coisas possam ser reparadas (ou compensadas) da maneira mais ampla possível. Porém, como cidadão, irei cobrar dos empreendedores e das autoridades desse país de injustiças que tomem as providências adequadas para tais fatos não mais se repetirem.




Boa semana a todos!




OBS: A primeira ilustração acima trata-se de uma imagem do desastre divulgada pela Presidência da República. Já a segunda foto refere-se ao poeta Carlos Drummond de Andrade já nos anos de sua velhice, na cidade do Rio de Janeiro.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

A discriminação dos afrodescentes continua



Por Leonardo Boff*

Uma consequência da campanha eleitoral de 2018, anti-democrática e marcada por um sem número de fake news (falsas notícias), foi o fortalecimento do já existente racismo contra indígenas, quilombolas e particularmente contra negros e negras. Segundo o ultimo censo, 55,4% se declaram pardos ou negros. Quer dizer, depois de Kênia somos a maior nação negra do mundo. A maioria tem em seu sangue a herança africana. Aliás todos, brancos, negros e amarelos e outros somos africanos. Pois foi em África que irrompeu o processo da antropogênese há milhões de anos.

Como nossa história foi escrita pela mão branca, muitos historiadores tentaram suavizar a escravidão. O fato é que a escravidão desumanizou a todos, senhores e escravos. Ambos viveram a escravidão numa permanente síndrome de medo, de revoltas, de envenenamentos, de assassinatos de patrões, de filhos, de assaltos a suas mulheres. Os senhores para contê-los e aplicar a violência contra os negros, tiveram de reprimir seu sentido de humanidade e de compaixão. Por isso, até hoje as classes dominantes, herdeiras da ordem escravagista, são habitadas por preconceitos de que os negros, os mulatos devem ser tratados com violência e dureza. São consideramos preguiçosos quando, na verdade, foram eles que construíram nossas igrejas e edifícios coloniais.

Os escravos eram quase sempre muito mais numerosos que os brancos. Em Salvador e na capitania de Sergipe, por volta de 1824, eram 666 mil escravos e 192 mil brancos livres (Clovis Moura, Sociologia do negro 1988, p. 232). Em 1818, no Brasil todo, 50,6% da população era de negros escravos (Beozzo, Igreja e escravidão, 1980, p. 259). E atualmente como referimos acima, são 55,4% da população.

A escravidão desumanizou muito mais os negros. Darcy Ribeiro, em seu extraordinário O povo brasileiro (1995) resume bem a condição escrava:

Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém – seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos -, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente, vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo dos seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinqüenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha, ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso” (p. 119-120).

Por causa desse tipo de violência, os escravos internalizaram dentro de si o opressor. Para sobreviver, tiveram de assumir a religião, os costumes e a língua de seus opressores. Desenvolveram a estratégia do jeitinho” para nunca dizerem não e ao mesmo tempo poderem alcançar um objetivo que de outra forma jamais alcançariam.

Mas já há muito tempo surgiu forte a consciência da negritude com a determinação de resgatar a sua identidade, suas religiões e sua forma de estar no mundo. Trata-se da constituição do sujeito da libertação dos negros e negras contra sua inserção forçada na iníqua história da barbárie branca.

A história contada pela mão negra não é apenas uma história contra o branco; é uma história própria, que não se confunde com a história de seus opressores e escravocratas, embora esteja ligada dialeticamente a ela. Ela está fazendo seu curso livre.

A abolição dos escravos em 1888 não significou a abolição da mentalidade escravocrata, presente na cultura dominante que continua mantendo centenas de trabalhadores com uma relação análoga ao dos escravos. Em janeiro de 2019, havia 204 empreendedores cometendo esse crime. Basta ler a recente obra distribuída em 2019 “Estudos sobre as formas contemporâneas de trabalho escravo” (Maud) com a colaboração de quarenta e quatro pesquisadores, cobrindo grande parte da área nacional, organizada pelo conhecido especialista junto com outras, Ricardo Rezende Figueira. A impressão final é estarrecedora. Como ainda hoje persiste a pérfida desumanidade de seres humanos escravizando outros seres humanos?

(*) Leonardo Boff é pesquisador e escreveu Consciência negra e processo de libertação, em “A voz do arco-iris, Sextante, Rio 2004 pp. 88-106.

OBS: Texto e ilustração originalmente publicados no blogue do autor, dia 22/01/2019, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2019/01/22/a-discriminacao-dos-afrodescentes-continua/

domingo, 20 de janeiro de 2019

Mulher: O que a fez esquecer do prazer?



Por Antar Vartan

A herança da criação patriarcal repressora e religiosa faz muitas mulheres não se importarem com o prazer obtido através de seus corpos.

A sensibilidade feminina tende a ficar em segundo plano até mesmo nos relacionamentos duradouros. Talvez por acumular afazeres domésticos, maternidade e todas os cuidados exigidos pelo estereótipo de vaidade aos quais a mulher passou a acreditar, o tempo tenha ficado curto no que diz respeito ao prazer feminino.

O corpo da mulher pode ser mutilado sem culpa e nem cerimônia, como nas intervenções cirúrgicas durante o parto, onde a fisiologia do corpo possui todos os recursos necessários para cumprir o objetivo de parir - na grande maioria dos casos.

Na antiguidade muitas mulheres foram obrigadas a utilizar o cinto de castidade. Um aparelho que envolvia a cintura pélvica feminina e possuía um cadeado que o marido trancava em sua ausência, para garantir que sua propriedade não fosse violada. Durante a ausência do marido a mulher não podia fazer a higiene de seu genital.

Tais abusos criaram o registro cultural da submissão criando o histórico da dependência masculina. O homem tinha o direito instituído de exercer a violência sobre o corpo feminino implementando sobre ele o registro da dor.

O corpo feminino serviu aos interesses masculinos e poucas mulheres foram além do que a selvageria masculina permitiu. Exceto as transgressoras que ousaram se tocar, viajar, estudar, trabalhar, não aceitar o casamento arranjado, dirigir, votar, ou seja, romper as correntes e superar as barreiras que limitavam o acesso ao prazer de viver.

Por causa da posse masculina sobre o corpo feminino, a genitália da mulher era conhecida apenas por sua função reprodutiva. Até pouco tempo não se conhecia as estruturas do genital feminino e seu potencial imenso de fornecer o prazer a mulher.

O sexo penetrativo condiciona as mulheres aos limites orgásmicos do homem. Já que a maioria dos homens se limitam a ter uma relação sexual com o objetivo da ejaculação e esta acontece com bastante rapidez, muitas mulheres não chegam ao orgasmo e acreditam ser normal. Aquelas que chegam ao orgasmo, não conhecem mais que um ou dois, por conta da impotência de alguns parceiros.

Sendo assim, poucas mulheres conhecem o potencial multi-orgástico do seu corpo, já que a cultura repressora limitou os estudos da anatomia do corpo feminino a função reprodutiva e a religião castrou a chance de homens e mulheres de se conhecerem, fazendo entender as manobras sexuais além do coito penetrativo como pecado.

Em tempos de internet wifi com acesso pelo celular, a limitação do acesso  a informação já não pode ser desculpa para perpetuar situações desconfortáveis. O prazer da mulher é pessoal e intransferível, podendo apenas ser compartilhado.

(*) Antar Vartan é terapeuta tântrico, renascedor e instrutor de cursos individuais e em grupo de Massagem Tântrica.

OBS: Artigo divulgado via e-mail pela Rede Metamorfose sendo que a imagem acima trata-se de uma reprodução do quadro Moments of Pleasure, do artista israelense de origem bielorrussa Leonid Afremov.

domingo, 6 de janeiro de 2019

Despedindo-me do Natal



Talvez muitos não saibam disso, mas hoje, dia 06/01/2019, ainda é Natal. Aliás, o seu último dia...

Recentemente, eu estava lendo na Wikipédia que, no Brasil das antigas, os nossos festejos natalícios chegavam a ser comemorados por grupos que visitavam as casas, tocando músicas alegres em louvor aos denominados "Santos Reis" e ao nascimento de Cristo. E, segundo o texto, tais manifestações culturais prolongavam-se até à data consagrada aos "Três Reis Magos", dia 06 de janeiro: 

"Trata-se de uma tradição vinda da Espanha que ganhou força especialmente no século XIX e que mantém-se viva em muitas regiões do País, sobretudo nas pequenas cidades dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, dentre outros" extraído de https://pt.wikipedia.org/wiki/Folia_de_Reis

Apesar dos muitos questionamentos teológicos que existem sobre a figura desses misteriosos personagens do Evangelho de Mateus (o único dos livros canônicos que fala sobre o episódio), fato é que esses "reis" magos integram há muitos séculos o Natal das famílias ocidentais. E aí, quando falamos em se manter uma cultura tradicional, penso que não importa tanto qual o seu o embasamento teológico ou historicidade. Até porque, do contrário, nem comemoraríamos o aniversário de Jesus em alguma época do ano.

Fato é que a preservação e o resgate da tradição festiva sobre os ilustres visitantes do menino Jesus, os quais vieram de tão longe a fim de lhe ofertar caros presentes, continua tendo grande utilidade na nossa atualidade. Pois um dos maiores benefícios, no meu ponto de vista, seria fazer com que a sociedade prolongue o seu Natal conforme escrevi no artigo Bem que poderíamos celebrar a Kwanzaa no Brasil!, postado em meu blogue pessoal no dia 29/12/2018.

No meu ponto entender, hoje o Natal da maioria dos brasileiros tem se encerrado antes mesmo do sol se pôr em 25/12. Pois, na data seguinte, já começamos a entrar em clima de Réveillon e confesso não gostar muito dos ambientes públicos de convívio no final do ano. Ou seja, vive-se uma segunda grande festa, que não é nada familiar, a qual nos faz esquecer totalmente dos bons momentos natalícios.

Ora, aqui mesmo onde moro, apesar da Prefeitura ter deixado nas praças os enfeites de Natal decorando as árvores, sofremos muito na virada do ano com o turismo predatório. Para um balneário de poucos habitantes como é Muriqui, a vida das pessoas se transtorna com os estacionamentos irregulares dos carros (alguns chegam a ficar em fila dupla), a obstrução de calçadas por mercadorias, placas, mesas, cadeiras e churrasqueiras, veículos andando na contramão, barulho excessivo nas casas e nos carros, lixo nas praias, filas longas nos mercados, transportes super lotados, rodovia engarrafada, aumento da violência, assaltos, brigas, acidentes, desrespeito aos costumes locais dos moradores, etc.

Entretanto, há outras cidades no Brasil em que a atmosfera natalina é cultivada por mais tempo a exemplo do badalado Natal de Gramado, no Rio Grande do Sul. Por exemplo, lá eles organizam programações festivas que ocupam todo o mês de dezembro e só terminam em meados de janeiro do ano seguinte, além de manter a decoração nas ruas, praças e prédios públicos juntamente com as lojas e as casas dos moradores.


Aqui no meu Município, eis que, para a manhã de hoje, a Fundação Mário Peixoto iniciou um evento na região rural do Rubião sobre a Folia de Reis na Serra do Piloto, 5º Distrito de Mangaratiba. Segundo a postagem publicada na página da instituição no Facebook, podemos dizer que isso já seria um bom começo:


"A Fundação Mário Peixoto congratula a Folia Três Reis do Oriente pela sua relevância como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro e também de Mangaratiba, pela sua importância ancestral e atual na preservação da nossa identidade cultural e das tradições populares do nosso município. Parabéns! Hoje estaremos todos na Festa dos Santos Reis, às 10 horas, no Galpão do ITERJ, no Rubião, na Serra do Piloto, prestigiando e apoiando a nossa tradicional folia!"


Certo é que para aqueles que buscam um significado mais profundo nas coisas, o Natal não deve ser experimentado numa data só, mas, sim, nos 365 dias do ano. Porém, penso que os períodos de festas construtivas na nossa sociedade e que incentivam uma convivência sadia entre as pessoas, estimulando um aprendizado filosófico-existencial, precisam ser melhor aproveitadas para a promoção do bem comum.

Ótima semana a todos!
  
OBS: A ilustração acima trata-se de uma imagem da obra Adoração dos Magos, do artista espanhol Bartolomé Esteban Murillo (1617 – 1682), o qual viveu na época do Barroco.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Corrupção está enraizada no Brasil desde o período colonial, revela historiadora



Entrevista com Adriana Romeiro: prática é fruto de uma elite que se perpetua no poder para se enriquecer sem escrúpulos

A corrupção que assola a política nacional e indigna os brasileiros está atracada no país desde os tempos do Brasil colônia. E os mesmos estratagemas usados pela elite colonial persistem até hoje nas práticas ilícitas daqueles que se dizem representantes do povo. As constatações integram um trabalho inédito no país, em que a historiadora Adriana Romeiro vasculhou documentos em arquivos e bibliotecas do Brasil, Portugal e Espanha para investigar a corrupção praticada por aqui, entre os séculos 16 e 18. O resultado é o livro Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI a XVIII, que será lançado no próximo dia 26, em Belo Horizonte.

“Dizia-se que era preferível ser roubado por um pirata em alto-mar do que aportar no Brasil. A elite colonial é a mesma que está hoje no poder, com a mesma mentalidade, de estar numa terra em que pode enriquecer sem qualquer escrúpulo”, afirma a historiadora, que concedeu entrevista exclusiva ao Estado de Minas. Adriana Romeiro é doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Numa pesquisa minuciosa iniciada em 2013, quando se dedicava a um pós-doutorado na Espanha, a autora levantou toda a documentação datada entre os séculos 16 e 18 em que os governadores no Brasil são acusados de alguma prática ilícita. São textos que vão desde sátiras, sermões, poemas e ofícios com acusações aos governantes da época. “Descobri coisas assustadoras, desde o envolvimento dos governadores em escândalos sexuais até casos mais escabrosos de enriquecimento ilícito”, conta.


De que forma a corrupção se manifestava no Brasil colonial?

O conceito de corrupção era muito mais abrangente e também incluía questões morais e religiosas. Mas, ao levantar toda a documentação em que os governadores são acusados de alguma prática ilícita, entre os séculos 16 e 18, descobri que não só já havia o conceito de corrupção como também englobava práticas que hoje associamos a isso, como tráfico de influência, nepotismo, favorecimento e abuso de autoridade. As práticas que vemos hoje na política brasileira já remontam ao século 16.

E o que essa documentação aponta?

Descobri o enriquecimento ilícito de governadores, autoridades e políticos. Mem de Sá (governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572), por exemplo, já era acusado de enriquecimento ilícito. No Rio de Janeiro, dizia-se que os mercadores de escravos que saíam da África e seguiam para o Rio da Prata e tinham que parar no Rio para abastecer já sabiam que tinham que pagar propina ao governador da capitania. Para que essas embarcações parassem na costa era exigido algum tipo de contribuição ilícita, como o direito de subir a bordo e escolher os melhores escravos.

Há outros corruptos que chamam a atenção?

Dedico uma parte do livro a dom Lourenço de Almeida, que governou Minas entre 1720 e 1732. Ele era acusado de ter constituído fortuna a partir do ouro e diamantes por meio de práticas ilícitas. Em pouco tempo estava riquíssimo, com mais de 100 contos de réis, que era um valor considerável para a época. Encontrei o testamento dele em Portugal e o inventário. Com base na reconstituição do patrimônio, consegui identificar o enriquecimento ilícito, dando razão às sátiras que já denunciavam isso. Havia dois tipos de requisitos para que a pessoa pudesse roubar sem ser importunada no Brasil colônia. Ela deveria agir com discrição e respeitar determinados limites. Dom Lourenço transgrediu tudo isso e chegou a extrair diamantes sem notificar a Coroa.

O que vemos hoje é a multiplicação de políticos como dom Lourenço?

Nem dom Lourenço chegaria a tanto como chegaram Sérgio Cabral Filho, Eduardo Cunha, numa indiferença própria da nossa classe política desde o século 16.

É possível identificar um ambiente que favoreça a corrupção?

A corrupção sempre esteve presente na história do Brasil. Uma das razões é a distância de Portugal. Por estar longe do centro político, a vigilância era muito frágil e precária. É preciso lembrar que o Brasil sempre foi a terra de oportunidades. No início do século 17, em Minas, tem a chegada de milhares de camponeses analfabetos, que, em 10 anos, ficam muito ricos. São eles que integram a elite local e mandam na política e na economia. Eles viam o Brasil como uma terra a ser explorada, roubada e espoliada. O Brasil também foi até recentemente um país escravocrata. Para manter uma instituição como a escravidão por tanto tempo, é preciso que você não tenha o menor escrúpulo moral em relação ao outro.

Quais eram os mecanismos para coibir e punir essas práticas no período colonial?

Cada vez que o governador terminava o seu mandato de três anos, ele tinha que ser auditado, investigado pelo ouvidor local. Esse mecanismo chamava juízo de residência e devassava os procedimentos dos governantes e detentores de cargos administrativos. Só que a gente sabe que, na prática, isso não funcionava. O governador investigado acabava subornando a autoridade responsável pela devassa.

Esses crimes se mantinham impunes?

A impunidade estava prevista na lei. Casos em que investigar e punir alguém pudesse ser algo tão catastrófico, que poderia prejudicar o bem comum, era preferível fazer vistas grossas. No Brasil, a impunidade era também um privilégio que o rei concedia às elites locais. As elites locais prestavam serviços aos reis, participavam da obra de colonização, abriam estradas, faziam o comércio funcionar. Em troca desse serviço, ganharam o direito da impunidade. O contrabando foi, de longe, a prática ilícita mais comum no Brasil. O rei sabia, as autoridades envolvidas na repressão ao contrabando praticavam contrabando, as elites lucravam muito e o rei fazia vistas grossas. Havia um abismo entre a norma e a prática.

Havia, então, um interesse da Coroa portuguesa em manter a corrupção no Brasil?

Pela corrupção, nossas elites puderam de alguma forma garantir os interesses econômicos e políticos e participar do jogo político e do processo de colonização. Através de tretas e manhas, homens comuns ascenderam socialmente e adentraram as elites. Foi isso que deu flexibilidade ao império português, fazendo com que ele durasse tantos anos. Se a política da Coroa fosse implantada de forma inflexível, muito rígida, o Império não teria resistido. A corrupção teve efeito benéfico e positivo para Portugal e, por isso, essa tolerância da Coroa em relação às práticas ilícitas das nossas elites.

Mas não se trata de um fenômeno exclusivo do Brasil...

A corrupção é um problema do mundo todo, mas, no Brasil, em razão do nosso passado colonial, isso é mais forte. O contexto colonial exigiu que os brasileiros de modo geral soubessem desenvolver estratégias e artifícios para burlar o pacto colonial. As nossas elites passaram a perna nos portugueses. Havia esse divórcio entre a sociedade e o Estado, que só aparecia para cobrar impostos e barrar toda a iniciativa privada. A classe política reflete a mentalidade que está aí desde o século 16. Da mesma forma, no passado, a corrupção só pôde existir porque estava disseminada na sociedade. Acredito que as pessoas hoje estão muito mais exigentes e vão desenvolver uma intolerância às práticas corruptas.

OBS: Texto de Flávia Ayer e foto de Jair Amaral / EM / D.A Press. Postagem originariamente publicada dia 13/08/2018 na página em.com.br/política e conteúdo extraído do blogue Saiba História.

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...