segunda-feira, 29 de julho de 2024

A polêmica cena das drags na abertura das Olimpíadas

 

 

Até hoje as pessoas ainda não pararam de comentar sobre a representação do célebre quadro A Última Ceia, de Leonardo da Vinci, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris, ocorrida na sexta-feira passada (26/07). Durante o evento, a cena que recorda o último momento de comunhão entre Jesus e seus discípulos foi protagonizada por drag queens, num interessante desfile de moda.


Para muitos, inclusive os franceses mais conservadores e o episcopado católico, tal encenação teria sido uma ofensa à religião e aos valores cristãos, tendo outras apresentações também despertado críticas da extrema direita. Segundo reagiu a eurodeputada francesa Marion Marechal nas redes sociais, sobrinha de Marine Le Pen, que é a atual presidente do Reagrupamento Nacional:


"Difícil apreciar as estranhas cenas entre Maria Antonietas decapitadas, um trouple [trio amoroso] que se beija, drag queens, a humilhação da Guarda Republicana obrigada a dançar com Aya Nakamura, a feiura dos trajes e das coreografias"


A meu ver, considerando o basilar direito à liberdade de expressão, do qual decorre o dever de respeitar o livre exercício da criação, produção e divulgação de obras de arte, sem submeter-se a censura, jamais veria qualquer ilegalidade na referida encenação ainda que fosse executada aqui no Brasil. Aliás, já tivemos eventos de Carnaval polêmicos envolvendo a figura de Jesus, como foi nos desfiles da Mangueira e da Gaviões da Fiel, os quais despertaram a ira de muitos fundamentalistas cristãos.


No caso da abertura dos jogos olímpicos deste ano, confesso que não me senti nem um pouco ofendido com a encenação das drag queens. Muito pelo contrário, vi ali uma importante mensagem de inclusão.


Ora, a Santa Ceia, antes de se tornar uma tradição religiosa, foi um ato de comunhão entre Jesus e os seus discípulos na noite anterior à sua crucificação. Ao distribuir o pão e depois o vinho, respectivamente simbolizando o seu corpo e o seu sangue, o Mestre referenciou-se ao sacrifício que faria em favor da humanidade:


"Tomando o pão, deu graças, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: "Isto é o meu corpo dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim". Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: "Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês." (Evangelho de Lucas 22:19-20; NVI)


Pois bem. A Ceia representou uma inclusão daqueles homens simples e humildes no Reino de Deus. Pessoas que não ocupavam altas posições no meio político, religioso ou econômico da sociedade da época, dentre as quais havia rudes pescadores e até um ex-cobrador de impostos, foram as primeiras a se tornar participantes de uma sagrada comunhão.


Assim, foi por toda uma humanidade perdida que Jesus morreu e nos propôs uma nova aliança, conforme bem ensina o Novo Testamento da Bíblia. Tal sacrifício incluiu não só os discípulos presentes no cenáculo como também todos os demais seres humanos do planeta, independentemente de gênero, raça, origem, nacionalidade, condição social, profissão e opção sexual.


Caros leitores, por acaso seria ofensivo se alguém indagasse que Jesus também verteu o seu sangue na cruz também pelas drag queens?!


Entretanto, apesar de ter essa visão e, como já dito, não me sentir em nada ofendido pelas cenas da abertura dos jogos olímpicos de Paris, faço aqui o meu juízo de ponderação acerca do que seria mais adequado praticar num evento do tipo.


Vale recordar que, desde a Antiguidade na Grécia, os jogos pan-helênicos estiveram associados com o antigo conceito grego de "trégua olímpica" (ἐκεχειρία, ekecheiria). Desse modo, para que as competições pudessem ocorrer, as guerras eram suspensas, permitindo que os atletas viajassem até à cidade de Olímpia, disputassem os jogos, e retornassem para suas terras de origem em segurança.


No final do século XIX, quando os jogos olímpicos renasceram, tal proposta não foi esquecida. Pierre de Coubertin, o segundo presidente do COI (1896-1925), acreditava na possibilidade de promover paz por meio do esporte: 


"Exportemos remadores, corredores e esgrimistas: eis o livre comércio do futuro, e no dia em que for introduzido nos costumes da velha Europa, a causa da paz terá recebido um novo e poderoso apoio"


Dentro desse contexto, não ignoraria que o tema da inclusão social se torne pertinente a uma ideia ampla de paz, considerando que esta não se restringiria apenas a um mero armistício entre as nações. Contudo, precisamos refletir acerca da maneira como um assunto vem a ser pautado para que não gere conflitos num momento em que se propicia um entendimento comum.


Tratando-se as Olimpíadas de algo muito mais amplo do que os desfiles do Carnaval brasileiro, em que uma cidade se torna temporariamente a anfitriã de várias competições esportivas internacionais, penso que o evento deveria ser uma espécie de "território neutro", muito embora não exista uma total neutralidade nas ações humanas. Logo, diferentemente das ruas, onde as pessoas se manifestam politicamente, creio que o bom senso deve conduzir a recepção do público numa competição esportiva, criando uma atmosfera em que possamos pausar até mesmo as nossas questões ideológicas.


Em todo caso, não podemos deixar de reconhecer o quanto foi bonita a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris 2024. Apesar da chuva, vimos um inesquecível passeio pela capital francesa, tendo se tornado uma inovação com barcos navegando pelo rio Sena, levando delegações, autoridades e celebridades a céu aberto, fora do confinamento dos estádios.


Viva as Olimpíadas! Que a paixão pelo esporte consiga transcender fronteiras, culturas e ideologias políticas, unindo o mundo em um só coração!

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Será que seremos assim tão ricos?!



Estava lendo ontem uma matéria sobre as ousadas previsões do cientista da computação e futurista Ray Kurzweil, especialista do Google, acerca de como será o mundo já a partir da próxima década de 2030, com base em seu novo livro The Singularity is Nearer que, traduzido, significa A Singularidade está mais Próxima. Segundo o texto, "a inteligência artificial superará a inteligência humana, transformando radicalmente a existência do homem", o que deverá ser alcançado até 2045:


"A fusão entre humanos e IA: (...) a nanotecnologia permitirá a criação de "camadas neurais virtuais" na nuvem, fundindo nossos cérebros com a IA e aumentando exponencialmente nossa inteligência.

Ressurreição digital: a tecnologia de IA (...) permitirá "devolver a vida" aos falecidos, primeiro através de simulações e depois através da reconstituição física de seus corpos.

Imortalidade para 2030: (...) até 2030, os nanorrobôs médicos e a biologia da IA ​​revolucionarão a medicina, permitindo uma longevidade sem precedentes e até mesmo a imortalidade.

Abundância e energia barata: a IA impulsionará avanços na energia fotovoltaica e na mineração robótica, tornando a energia solar acessível e reduzindo os custos das matérias-primas. "Viver nos níveis atuais de luxo será barato na década de 2030 ", prevê Kurzweil.

Cérebros melhorados pela nanotecnologia: Kurzweil imagina um futuro onde a nanotecnologia se integra aos nossos cérebros, aumentando as nossas capacidades cognitivas e abrindo novas fronteiras no entretenimento. "Poderemos acessar qualquer pensamento humano " (...)"

https://www.purepeople.com.br/noticia/o-especialista-do-google-que-previu-a-chegada-do-iphone-viu-o-futuro-novamente-em-2030-todos-viverao-na-riqueza_a393993/1


Embora eu acredite que haverá mais uma etapa do extraordinário progresso tecnológico da humanidade nos próximos anos, jamais poderia deixar de fazer críticas e ressalvas, apresentando divergências quanto a algumas previsões, ainda que distantes de um posicionamento de fato conclusivo.


Não discordo que a nanotecnologia poderá mesmo nos proporcionar mais qualidade de vida, curar e prevenir doenças, bem como desenvolver melhor o nosso potencial físico-intelectual. Porém, indago qual será o acesso da população mundial aos futuros produtos ou serviços nanotecnológicos, ainda que os mesmos se tornem de certo modo baratos quando forem fabricados em larga escala.


Quando é que veremos a aplicação em larga escala de uma terapia com nanotecnologia feita pelo SUS aqui no Brasil?!


Se considerarmos os interesses das empresas que, consequentemente, perderiam mercado com o uso da nanotecnologia mais a corrupção dos governos aliados a elas, o que os torna coniventes com o atraso da humanidade, será que dificuldades não poderão ser impostas a determinados negócios em países como o nosso?!


Apesar de não acreditar que haveria a sonhada imortalidade do ser humano e sim um aumento da nossa longevidade, questiono se os governos de imediato teriam interesse num rápido aumento da expectativa de vida já que os institutos de previdência social seriam financeiramente impactados. E aí bastará que a população passe a viver em média em torno de uns 95 anos para que logo resolvam modificar as regras da aposentadoria e de outros benefícios, o que, sob certo aspecto, será até justificável. 


Todavia, alcançarmos a imortalidade seria ecologicamente desastroso porque, a princípio, impediríamos a renovação da vida no planeta, como bem dizia o zen-budista Steve Jobs, fundador da Apple, falecido aos 56 anos, em 05/10/2011, o qual era considerado o "pai" de produtos como o Macintosh, o iPod, o iPhone e o iPad. Lembro que, uns seis anos antes de sua partida, ele havia discursado em junho de 2005 para formandos em Stanford sobre o fato de ninguém querer morrer:


"Mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá. E, por outro lado, a morte é um destino do qual todos nós compartilhamos. Ninguém escapa. É a forma como deve ser, porque a morte é provavelmente a melhor invenção da vida. É o agente da vida. Limpa o velho para dar espaço ao novo"


Quanto ao papo de "ressurreição digital", tenho minhas reservas no plano ético pois não creio que temos o direito de criar réplicas de quem já morreu, seja por simulações ou por meio de um novo ser feito à sua imagem e semelhança. Tais pessoas nunca nos autorizaram a reconstituí-las, possibilitando que, através de uma imagem, um corpo produzido em laboratório tenha o poder de interagir no mundo com características de personalidade idênticas ou semelhantes.


Entretanto, vamos ao que mais me gerou questionamentos que seria vivermos nos níveis atuais de luxo já na próxima década tendo em vista que, mesmo fazendo uso da energia fotovoltaica, o nosso consumo continuará saindo caro para o meio ambiente. Pois, infelizmente, devido ao aquecimento global e às mudanças climáticas, não estou vendo nenhum enriquecimento da humanidade. 


Ora, se continuarmos destruindo o planeta, tudo que é essencial deverá ficar mais caro, a começar pelos alimentos que dependem de uma boa previsibilidade quanto ao clima para que a agropecuária não sofra tantas perdas. Logo, o que esperar de um cenário com a ocorrência cada vez mais frequente de ondas de calor severas, de frio intenso, das secas prolongadas e de chuvas excessivas em curto tempo?! 


Triste constatar, mas o aquecimento global tende a profundar as desigualdades socioeconômicas do mundo, com riscos de causar o agravamento nos problemas de saúde, mais poluição atmosférica, probabilidades maiores de novas pandemias, perda da biodiversidade e o aumento de refugiados do clima, com famílias sendo desabrigadas, como ocorreu em maio deste ano no Rio Grande do Sul. 


Lamentavelmente, as consequências do aquecimento global estão hoje visíveis na vida da população em maior ou menor grau, sendo mais intenso no cotidiano dos pobres que acabam tendo que morar nas parcelas menos adequadas para a habitação do espaço geográfico. E aí, se houver benefícios proporcionados pela tecnologia, apenas posso ver algum resultado entre os mais ricos porque esses bilhões de seres humanos excluídos continuarão na mesma situação de precariedade. 


Não me desfaço da capacidade do Dr. Kurzweil em antecipar avanços tecnológicos como a ascensão da Internet, do iPhone e até mesmo a vitória de um computador sobre um campeão mundial de xadrez. Porém, acho difícil que o mundo se torne esse ambiente tão maravilhoso até 2045 enquanto os interesses de empresas e de grupos políticos estiverem acima dos anseios da sociedade, bem prevalecerem sobre o nosso dever de cuidado com o planeta. 


Em todo caso, será justamente o uso correto da tecnologia que nos permitirá viver melhor e com maior sustentabilidade ecológica de modo que as ideias do futurista poderão ser realmente aplicadas em países onde o objetivo dos governantes seja promover o bem estar social e não privilegiar os ganhos do capital privado. Afinal, não temos que fazer reserva de mercado para nenhuma empresa de tecnologia ultrapassada e nem temermos a IA diante do risco de perda de empregos pois, caso haja de fato mais geração de riqueza (com sustentabilidade) e a sua justa distribuição, nunca o ser humano se tornará descartável, caso o trabalho hoje desenvolvido por um trabalhador passe a ser desempenhado por um robô. 


Enfim, há muito o que se debater sobre essa temática e acredito que as análises (ou especulações) futuristas sempre serão bem vindas pois nos levam a indagar sobre que tipo de sociedade queremos viver e como a tecnologia poderá proporcionar um real benefício para as pessoas. 


Ótima quarta-feira a tod@s!

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...