Semipresidencialismo à brasileira





Por Antonio Anastasia

Em recente evento acadêmico em Lisboa, fui desafiado a palestrar em painel cujo tema era: “O presidencialismo de coalizão é reformável?”. Todos sabemos das dificuldades do assunto e das singulares peculiaridades do modelo político brasileiro. Todavia, não podemos nos acostumar com o atual quadro de instabilidade e crise sem oferecer ao debate, despido de preconceito de ideias, propostas que eventualmente possam colaborar com a superação do grave momento pelo qual ora passamos no país.

Deste modo, instigado pelo tema do aludido debate, cheguei à conclusão de que o atual formato político-institucional brasileiro, amparado no denominado, e já bem estudado, presidencialismo de coalizão, sofre de um interessante paradoxo: de tanta força tem o nosso chefe de estado e de governo, que daí advém suas fragilidades. E explico. O modelo presidencial brasileiro enfeixou nas mãos do Presidente da República uma gama imensa de poderes e atribuições, quer em matéria financeira-orçamentária, quanto de organização administrativa, bem como de políticas públicas. O instrumento das medidas provisórias permite-lhe legislar. E não há contraponto dos executivos estaduais, fragilizados por uma federação tímida, que não confere autonomia verdadeira aos estados, e por uma crise financeira que os insere em absoluta dependência do poder central. O Legislativo, por seu turno, fragmento em um cipoal de siglas partidárias, não tem a iniciativa de leis relevantes e as profundas divisões internas não permitem uma agenda coordenada e efetiva de reforma política que melhore a legitimidade e a representatividade dos mandatos legislativos. Assim enfraquecido, sem pauta, agenda ou projetos, a maioria parlamentar governista, no âmbito da decantada coalizão, passa a buscar espaço de poder, por meio de indicações de cargos e de emendas. E caso não seja contemplada, deixa de votar os projetos de interesse do Executivo, levando ao paradoxo de fragilidade dito acima.

E tal comportamento parlamentar ocorre, a meu juízo, porque falta, no modelo brasileiro, um fator que considero muito importante: responsabilidade parlamentar. Na atual conjuntura, o parlamentar não tem qualquer compromisso com o seu partido, com uma linha programática ou mesmo ideológica. Não há consequência prática de sua ação legislativa, salvo uma eventual censura ou elogio de seus eleitores, o que sabemos ser raro, pois a eleição proporcional afasta, e muito, o eleito do eleitor…

Assim, uma possível solução seria mitigar o poder do executivo federal, aumentando o espaço de atuação institucional do Parlamento, que passaria, também, a ter um grau maior de responsabilidade pela aprovação e co-execução das políticas públicas. Para tanto, surge a ideia do semipresidencialismo, pelo qual o chefe do executivo, eleito diretamente pelo povo, indica um gabinete ministerial, a ser aprovado pelo Congresso, com um respectivo plano de ação governamental. A aprovação ao gabinete, livremente escolhido pelo executivo, no modelo de coalizão atual, e do plano de governo, vincularia o poder legislativo, e traria aos parlamentares um grau maior de responsabilidade, reduzindo os excessos atuais do presidencialismo absoluto brasileiro. Caso o gabinete perdesse o apoio parlamentar ou as leis atinentes ao plano de ação governamental não fossem aprovadas, restaria ao executivo recompor o gabinete e suas prioridades, ou, a grande novidade, convocar novas eleições legislativas, para se complementar o mandato parlamentar em curso.

Tal modelo levaria o parlamentar a refletir bem sobre suas posições, pois haveria a possibilidade desta antecipação de eleições, ainda que limitada a uma única vez em quatro anos. Esta maior responsabilidade, refletida, também, em maior ação parlamentar no âmbito das políticas públicas, especialmente orçamentária, poderia reduzir os atritos e consolidar uma forma mais adequada de governo, com meios mais eficazes de superação das crises.

Idealmente, deveria ser aprovada, concomitantemente, a figura do recall (Proposta de Emenda Constitucional pelo qual se pode convocar a manifestação do eleitor sobre o desempenho presidencial).

Esta proposta, ainda em suas linhas gerais, tem o objetivo de, tão somente, estimular o debate, com maior divisão de responsabilidades entre os atores políticos, para diminuir os efeitos das crises rotineiras.


*Artigo publicado pelo senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) no Correio Braziliense do dia 12/05.


OBS: Créditos autorais da imagem acima atribuídos à Moreira Mariz/Agência Senado

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