Uma revolução que ainda não foi feita no Brasil

Estava hoje lendo um artigo publicado em 03/07/1994, de autoria do poderoso Antonio Ermírio de Moraes (1928 — 2014), ex-presidente do Grupo Votorantim, o qual chegou a ser um dos homens mais ricos do Brasil. Seu texto, que coincidiu com a época do início do bem sucedido Plano Real, teria sido profético também sobre o que veio a ocorrer durante o período de crescimento da economia brasileira na era petista, tendo em vista que os investimentos do governo na área da educação ficaram aquém do que o país precisava.

Fato é que, apesar do Programa "Toda Criança na Escola", iniciado no governo FHC, e que teve prosseguimento com Lula e Dilma, mesmo universalizando o ensino, não se proporcionou ao nosso jovem a necessária qualificação para o enfrentamento do mercado de trabalho. Tanto é que, antes da atual crise, quando o Brasil ia bem, chegamos a importar mão-de-obra para algumas atividades.

Sendo assim, o nosso crescimento acabou sendo mesmo "efêmero", como o lúcido empresário muito bem pontuou. E, apesar de não concordar com todo o conteúdo da sua crítica, estou de acordo quanto à proposta de melhor qualificação dos professores por ele defendida.

Vinte e quatro anos depois desse artigo, tendo o cidadão brasileiro optado por eleger um presidente de direita, temo que o novo governo, ao invés de buscar qualificar os professores, resolva persegui-los promovendo um desnecessário patrulhamento ideológico nas instituições de ensino. Logo, ao invés de uma remunerações mais justa aos docentes junto com melhores condições de trabalho, corremos o risco de ter menos profissionais em sala de aula, com consequências gravíssimas para o futuro do país, caso a evasão escolar aumente ou a qualidade do ensino caia.

De qualquer modo, segue aí o artigo desse grande empreendedor que muito contribuiu para o desenvolvimento do Brasil no século passado, a ponto de haver se tornado um ícone da classe empresarial industrial.


A dificuldade faz o homem



Por Antonio Ermírio de Moraes

No dia em que Ben Gurion, primeiro ministro de Israel, soube que o presidente Jânio Quadros havia renunciado, exclamou: "Não entendi, pois o Brasil possui tanta água".

Além de água em abundância, o Brasil tem mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, muita terra fértil e um bom clima. Israel tem apenas 28 mil quilômetros quadrados, terra pobre, clima hostil e péssimas condições de água. Apesar disso, li no jornal desta semana que Israel acaba de alcançar uma renda per capita de US$ 13 mil enquanto que nós no Brasil, com uma fartura de dar inveja, não chegamos aos US$ 3.000.

Israel transporta água de regiões longínquas através de uma complexa rede de aquedutos e reservatórios e, ainda assim, consegue manter uma agricultura que se "dá ao luxo" de exportar algodão, amendoim, frutas, legumes e flores, enquanto que nós, no meio da referida abundância, estamos na iminência de importar trigo, feijão e arroz.

O que faz tanta diferença? Educação. Em Israel o ensino é obrigatório dos cinco aos 16 anos e gratuito até os 18 anos. Entre nós, cerca de 20% dos brasileiros com mais de 15 anos não sabem ler ou escrever e 75% dos trabalhadores têm menos de quatro anos de escola.

O Brasil começa amanhã mais uma tentativa de estabilizar sua moeda. É evidente que a redução drástica da inflação dará melhores estímulos para investir e criar empregos. Mas, na sociedade moderna, os empregos custam caro e demandam muita educação. Portanto, por mais êxito que tenha o Plano Real, o Brasil terá de fazer, urgentemente, uma verdadeira revolução no campo da educação se, de fato, queremos chegar ao desenvolvimento sustentado. Do contrário, tudo será efêmero.

O grande problema no campo educacional é o mau gerenciamento dos recursos. Estudos do Banco Mundial indicam que uma pequena parcela do dinheiro liberado em Brasília chega às salas de aula. O grosso é consumido por uma burocracia inchada, desvirtuada e gulosa –sem falar no desperdício que ocorre nas infindáveis reuniões de professores– um verdadeiro esporte para os que não gostam de dar aulas. Dados de São Paulo me levam a concluir que a qualidade do nosso ensino público poderia ser triplicada através de simples rearranjos nas escalas de trabalho e melhor qualificação dos professores.

A comparação entre Israel e Brasil é impressionante. Os israelenses, desprovidos de tudo e constantemente ameaçados pela guerra, colocam-se no patamar das nações mais avançadas do mundo. O Japão, nas mesmas condições, atingiu um dos mais altos IDH –Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Nós, sem guerra e com tudo o que uma nação poderia almejar, temos um dos mais baixos IDH.

Todos sabem que a educação é prioritária. Os candidatos são os primeiros a trombetear isso no rádio e na TV mas nenhum deles se dispõe a dizer "como" vai promover a referida revolução educacional.

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