A racionalidade como ferramenta necessária para a libertação social e política de um povo

 



Embora a experiência humana jamais se limitará à racionalidade, uma vez que existem outras maneiras de interagirmos com a infinita realidade, as quais jamais devem ser ignoradas, eis que nenhuma decisão deveria ser tomada sem passar pelo crivo da razão.


Numa sociedade desigual, em que prevalece a exploração do homem pelo homem, nas quais as escolhas são induzidas e manipuladas pelo engano, o uso não limitado da razão pode significar uma ameaça ao estado das coisas. Tal fato se verifica em muitos aspectos da vida, inclusive sobre questões eleitorais, quando temos a oportunidade de escolher representantes comprometidos com as causas da coletividade.


Escolhas não racionais e desajustadas com o real desejo que temos são capazes de produzir resultados frustrantes nas nossas vidas, o que nos afeta quanto à profissão exercida, ao curso de graduação universitária, aos relacionamentos afetivos, à compra de bens, à contratação de empréstimos, às crenças religiosas, à opção política, à assistência que decidimos prestar à alguém, à propositura de demandas judiciais, às práticas delituosas, dentre tantas outras situações da vida. Porém, inegável é que existem pessoas (ou grupos/classes sociais) que precisam da tomada de decisões erradas pela grande maioria para continuarem lucrando.


Infelizmente, a religião acaba sendo umas das principais maneiras de obstruir o uso exercício da razão. Ainda mais quando seus líderes estão alinhados com os interesses de dominação cultural e política de um grupo da sociedade, tal como ocorre aqui no Brasil com inúmeras instituições evangélicas elegendo seus representantes nas casas legislativas e até em governos.


Embora a espiritualidade levada a sério propicie o aprimoramento ético do ser humano, tal objetivo torna-se até prejudicado quando nos congregamos em ambientes onde o pensamento se torna dogmatizado, com afirmações tidas como certas e indiscutíveis. Em tais condições, ao invés das pessoas experimentarem um crescimento existencial, elas ficam paralisadas em suas caminhadas evolutivas e se sujeitam facilmente à terceirização das importantes escolhas da vida que precisam tomar.


Quantas mulheres se submetem cotidianamente à violência doméstica, mesmo sem sofrer agressão física, apenas porque o pastor incutiu em suas mentes que elas devem manter o casamento e a família, bem como serem submissas ao marido?! Em igrejas fundamentalistas onde é considerado adultério alguém, mesmo divorciado(a), contrair novas núpcias, estando o ex-cônjuge ainda vivo, faz com que inúmeros casais passem anos de suas vidas infelizes tendo em vista que, até à viuvez, será proibido obter o prazer afetivo-sexual com outra pessoa.


Fico imaginando como que homossexuais devem viver mal em comunidades religiosas fundamentalistas nas quais foram criados desde a infância, geralmente por se tratar da religião dos pais, ou pelo simples fato de terem encontrado um acolhimento anterior com um forte envolvimento emocional numa situação de crise. Até porque não podemos negar o alcance da assistência de muitas igrejas quando alguém está vivendo situações de abandono psicológico, dependência química, enfermidade e diversos tipos de problemas, ainda que tenhamos os nossos questionamentos quanto ao apoio ministrado ao novo adepto do grupo eclesiástico.


Ora, se as pessoas tomam decisões importantes para si que, por orientação religiosa ou moral, contrariam os seus anseios reais e a identidade, elas passarão a engessar diariamente o uso da razão, além da colheita nem sempre consciente de resultados infelizes. O encontro com uma comunidade eclesiástica que, num primeiro momento foi proveitoso, torna-se, com o passar do tempo, nocivo para a mente e para o corpo, de modo que os elas acabam criando novas enfermidades, vícios de comportamento, tornam-se intolerantes e até más.


Voltando para a política, eis que, independentemente da religião, o não exercício da razão faz surgir a figura do "pobre de direita" que é o cidadão defensor de ideias contrárias ao seu próprio interesse de classe/grupo social. Porém, sem generalizar, podemos dizer que o meio pentecostal está cheio de eleitores capazes de votar no candidato do pastor sem qualquer questionamento, mesmo se for o representante do patrão que tanto o explora.


Aqui em Mangaratiba, cidade do litoral fluminense onde moro, tramita perante a 54ª Zona Eleitoral uma representação do Ministério Público por propaganda antecipada ocorrida num culto religioso, em 28/04, quando um pastor da Igreja Assembleia de Deus Ministério Madureira teria feito menção do número de seu pré-candidato a vereador, com as seguintes palavras, conforme consta na petição inicial da ação:


"Pré-candidato a vereador que essa igreja apoia, o que passar disso é procedência maligna. É o único, é o único. (...) você vota em quem você quiser. Mas Pastor qual é a sua orientação? Minha orientação é Pastor [NOME DO POLÍTICO] e deixo uma meditação do Senhor Salmo 10. Que o senhor possa ler lá na sua casa e que até em outubro o Espírito Santo possa lhe visitar pelo menos 604 vezes; salmo 10 visita 604 esse é o número da benção levante toda a igreja neste momento" (reprodução escrita das palavras do áudio gravado que fora enviado à Promotoria Eleitoral pelo adversário do denunciado constante na exordial do processo n.º 0600392-46.2024.6.19.0054)


Sem entrar no caso concreto, o qual ainda será analisado pelo juiz depois que o ministro eclesiástico, também réu na ação, for citado para apresentar defesa, eis que nos deparamos a todo instante com inúmeros casos semelhante de manipulação eleitoral através da religião, hipóteses em que um determinado candidato é indicado como alguém "escolhido por Deus". Com isso, o eleitor crente se sente constrangido psicologicamente a votar em quem o seu pastor indica, abstendo-se de refletir racionalmente sobre quais nomes no pleito eleitoral poderão defender de verdade os seus interesses coletivos no Legislativo Municipal.


Inegável é que, se a razão não pode ser exercida sem limitações nessas "igrejas", as escolhas tomadas serão catastróficas. Por isso, sem nenhum proselitismo religioso ou ateu, penso que os membros de tais denominações deveriam pensar seriamente em substituir os ambientes que frequentam por outros onde poderão ser mais livres. 


Creio que nada pode nos embaraçar o uso pleno da razão, seja para fins de conhecimento ou quanto à tomada de decisões em qualquer aspecto da vida. Se desejamos seguir ou renunciar a uma determinada crença, casar ou manter-nos casados com alguém, escolher uma profissão, celebrar um contrato, apoiar um candidato nas eleições, dentre outras coisas mais, o correto é submeter tudo isso a um processo de reflexão racional, através de um planejamento que leve em conta fatores lógicos.


Assim sendo, quando definimos o problema, identificamos os critérios para avaliar as soluções, definimos também a importância de cada critério, listamos as possíveis alternativas e as avaliamos, estamos mais próximos de escolher a melhor solução para nós e para a coletividade. 


No caso de se optar por um candidato, o primeiro passo pode ser a consideração de todos os nomes envolvidos na disputa, ao invés de nos limitarmos a este "sim" ou "não", sem qualquer critério lógico. Aí precisamos identificar quais as reais necessidades coletivas que temos em relação à política quanto a cada um dos dois Poderes para que, a partir daí, seja possível analisar cada uma das opções para vereador e prefeito.


Todavia, além da conciliação entre as expectativas e o que cada candidatura possa representar em termos de proposta de trabalho, há que se estabelecer critérios para peneirar os nomes que se ajustarão ao desejo de escolha, sendo a memória histórica fundamental já que todos nós temos um passado. Logo, sabermos como agiu ou se posicionou um determinado político fará muita diferença para não votarmos errado.


Um outro ponto importante é verificar quais as forças que apoiam uma candidatura bem como o grupo político do qual ele faz parte. Em outras palavras, trata-se de investigar sobre quem são os aliados apoiadores do indivíduo que propõe nos representar num Parlamento.


Por certo o assunto sobre o uso da racionalidade não se esgota com esses parágrafos aqui escritos, sendo a informação (e mais ainda a formação de cada um) indispensável para uma melhor análise dos fatos. Daí a importância de desenvolvermos bem o nosso senso crítico através do exercício da dúvida, inclusive nos autoquestionando.


Ótimo domingo a tod@s!

Comentários

Eduardo Medeiros disse…
Rodrigão, um bom texto e bom tema.
Mas cá, pergunto eu: porque um pobre não pode ser politicamente de direita e tem que ser obrigatoriamente de esquerda? Isso não é o dogmatismo que você mesmo critica no seu texto?
Pobre não quer saber se fulano é de direita ou de esquerda, quer saber se a vida dele vai melhorar com as políticas governamentais que o candidato promete (e que quase sempre não cumprem!).
Acho de fato um falta total de racionalidade dizer por exemplo, que pobre não pode apoiar o capitalismo, já que foi exatamente o capitalismo que produziu a maior distribuição de riqueza no mundo e não o socialismo, que historicamente só distribuiu autoritarismo e pobreza.
E pra manchar ainda mais esse teu texto "racional", você mete uma arroba no "todos". Qual racionalidade há nisso? Gramatical certamente que não...

abraços, meu confrade!
Caro Eduardo. Um pobre que defende a direita está indo contra si mesmo pois a direita representa o conservadorismo e a manutenção do status quo. E o conservadorismo ainda se acha à direita do liberalismo. Em geral, as pessoas, sejam elas pobres ou não, querem são as soluções imediatas para os seus problemas. O que se busca através de propostas honestas baseadas em princípios socialistas, mesmo não defendidas por partidos comunistas, é justamente melhorar a vida das pessoas por meio de políticas públicas sólidas. Embora inclinado mais à esquerda, não desconsidero o poder criativo da economia de mercado e nem suas distorções capazes de causar as maiores desigualdades. Países da Europa Ocidental tiveram que por freios ao capitalismo a fim de que as políticas públicas viessem a melhorar a vida das pessoas. Já os Estados Unidos possuem uma considerável mobilidade social, mas não propicia tanta segurança aos mais pobres quanto aos riscos de vulnerabilidade como Alemanha, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e mesmo França e Itália, além do Reino Unido, que não integra mais a UE, e a Suíça. Todavia, os norte-americanos são prósperos e há uma minoria na pobreza sem teto e sem saúde, embora seja um número significativo.
Sobre a questão gramatical, a língua não pode ser algo rígido. É fundamental permitir que ela se desenvolva e se torne mais inclusiva. O arroba em todos é uma maneira de abranger mais significativamente as mulheres. Afinal, por que, quando temos só mulheres num grupo usamos todas e basta um só homem para que seja todos?! O plural que tende para o masculino é regra que expõe certa desigualdade.