(Trechos de artigo de Frei Betto, conforme extraído da postagem do deputado federal Chico Alencar)
As recentes eleições no Brasil e no mundo comprovam o avanço das forças políticas de direita. Acuados, os raros governos progressistas fazem concessões que contrariam os princípios que regem os programas de seus partidos.
(...) Chama a atenção o fato de muitos líderes de direita serem jovens apoiados por jovens.
(...).
Sou da geração de 1968 que promoveu a revolução sexual, se espelhou em Che Guevara, manifestou solidariedade à luta dos vietnamitas contra a invasão dos EUA, aplaudiu os barbudos de Sierra Maestra que libertaram Cuba da órbita da Casa Branca. Geração que se nutria de Sartre e Merleau-Ponty; Reich e Fanon; Marx e Althusser. Geração que enfrentava ditaduras militares, erguia barricadas em defesa da democracia, apoiava greves operárias. Após a redemocratização do Brasil, em 1985, minha geração governou o país por 18 anos!
“E agora, José?/ A festa acabou, / a luz apagou, / o povo sumiu, / a noite esfriou, / e agora, José?”, indagam os versos de Carlos Drummond de Andrade. Quais as causas dessa virada do mundo à direita?
(...)
Uma das razões dessa virada ideológica se deve ao desaparecimento de paradigmas na cultura ocidental. Ninguém vive sem referências que alimentem a esperança. Minha geração se nutria do marxismo e tinha como referências reais os países socialistas que, apesar dos pesares, representavam um avanço civilizatório comparado aos países capitalistas, em especial quanto à redução das desigualdades sociais.
Tudo isso desabou. Pressionada pelo bloqueio imposto pelos EUA, Cuba enfrenta grave crise econômica, e a China se sustenta no paradoxo de adotar uma política socialista e uma economia capitalista.
Sem paradigmas não se fomentam utopias. E sem utopias não há esperança. O horizonte socialista se apagou do cenário político da esquerda. Líderes de esquerda temem inclusive pronunciar a palavra ‘socialismo’, estigmatizada pela direita. Receiam queimar a boca e perder votos. (...).
Não se projeta mais uma alternativa pós-capitalista. Procura-se amenizar os desmandos do sistema, ampliar redes de benefícios sociais aos mais pobres sem, no entanto, combater as causas estruturais da desigualdade e do desequilíbrio ambiental. São raras as vozes de ressonância mundial, como a do papa Francisco, que ousam proclamar, ainda que em termos menos convencionais, que dentro do capitalismo a humanidade não tem salvação.
(...).
Sem teorias que iluminem, sem países que sirvam de exemplo, a esquerda fica à deriva no turbulento curso do rio da História (...). Hoje, Hitler e Mussolini se sentiriam à vontade no cenário internacional. Seriam aplaudidos como guias e exaltados como Trump, mormente se abrissem mão do antissemitismo.
Como o eleitor dará apoio e votos à esquerda se não há quem lhe apresente um antídoto à avassaladora deseducação política promovida pelas poderosas ferramentas midiáticas controladas pela direita? O povo não pensa no global, pensa no local; não foca o social, foca o pessoal. Quer segurança no bairro onde mora, acesso à internet, escola, moradia e emprego; prosperar e se livrar da humilhação de uma existência empobrecida e subalterna.
“Gente é pra brilhar”, proclama Caetano. As redes presenciais, que organizavam amplos setores populares (CEBs, sindicatos, movimentos sociais, núcleos partidários etc.) se esgarçaram (...).
Agora, as redes virtuais imperam, destituem seus dependentes de cidadania e neles incutem o consumismo, o narcisismo e o individualismo. A ideologia do empreendedorismo leva multidões a abraçarem o “cada um por si e Deus por ninguém”. Incutido na cabeça do povo, o sistema culpabiliza o indivíduo por não ser capaz de sair da pobreza e obter renda própria.
Como enfrentar tamanho eclipse da utopia que mobilizava multidões de jovens e aqueles que confiavam nas pautas da esquerda? O que temos a apresentar de melhor além de promessas?
Hoje, é incomensurável o número de jovens asfixiados pelo niilismo. Ignoram a ética, são indiferentes à religião, desprezam a política, têm ideias desalinhadas (...) . Sonham apenas em ter um bom emprego e uma vida confortável – um lugar ao sol nesse sistema cada vez mais afunilado e excludente.
Essa conjuntura obriga as forças progressistas (...) a reavaliar sua atuação política, sua linguagem, seu programa e seus objetivos.
O mundo retrocede. Da utopia para a distopia.
OBS 1: Betto, Carlos Alberto Libânio Christo, frade dominicano, é escritor. Livraria virtual: freibetto.org
OBS 2: Charge de Jota Camelo
Comentários
A utopia comunista ruiu, faliu, por ser exatamente, só utopia e não construir nada de real. O capitalismo venceu porque funciona, e sim, ele precisa de ajustes, e ele pode ser ajustados, mas os comunistas não querem ajustes no capitalismo, querem destruí-lo para continuar pregando a utopia socialista que não deu certo...
A utopia é o que alimenta sonhos, nos impulsiona e faz o ser humano lutar por algo melhor.
Entretanto, o que se vê hoje é a distopia, com direito a pobres de direita e jovens conservadores.
Os ajustes do capitalismo não pode ser feito de maneira positiva por quem quer viver numa realidade paralela e sim por aqueles que desejam melhor administrar os conflitos da relação capital-trabalho de maneira atualizada, percebendo melhor as demandas e insatisfações de uma sociedade cada vez mais complexa.
Quanto ao comunismo, tenho pra mim que será sempre a utopia, aquilo que move o homem idealista para justamente reivindicar as melhorias que importarão nos tais ajustes do capitalismo.
Políticos como Kamala, Obama, Biden e o nosso Lula querem compor tais ajustes ao passo que Trump e o Bolsonaro só instigam o caos. Ambos são neofascistas ainda que não se assumam como tais.