TRUMP É UM PESADELO

 As divergências não podem evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento sobre o que se passa nos EUA


Texto de Fernando Gabeira. 


Estive em Paraty para falar de um belo livro de fotos de João Farkas: “Costa norte”. Escrevi um texto de apresentação e, no debate sobre manguezais, dunas e petróleo na Foz do Amazonas, um homem perguntou:

— E o fator Trump, que dizer sobre ele?

Fugia um pouco do tema, mas respondi com sinceridade que Trump me tirava algumas horas de sono. Sou jornalista, ele é o homem mais poderoso do mundo. Terei de falar sobre ele nos próximos anos, é um inescapável pesadelo.

Seu narcisismo e estreiteza de ideias colocam um perigo ao analista: cair na zona de conforto da crítica fácil e deixar de evoluir como faria se estivesse diante de alguém com ambiguidades e zonas de sombra típicas da riqueza humana.

Não posso desistir. Preciso trabalhar e, além do mais, Trump influencia a sorte do Brasil. É um momento de todos ajudarem, dentro de seus limites. O que posso fazer é estudar mais.

Estou iniciando o clássico “Fantasias masculinas”, de Klaus Theweleit, uma análise profunda e inquietante de um grupo de soldados que tiveram papel crucial na ascensão do nazismo. Os soldados eram integrantes dos Freikorps, unidades paramilitares que lutaram e triunfaram sobre o movimento revolucionário alemão, imediatamente depois da Primeira Guerra.

Talvez possa avançar em minhas análises. Mas o fator Trump implica mais que um esforço individual de interpretação. É um desafio que pede uma estratégia nacional. Quando houve o tarifaço, sugeri que concentrássemos a energia tentando mobilizar as forças internas nos Estados Unidos, onde a medida repercutiu mal. Intelectuais, políticos e jornalistas criticaram Trump, sem falar nos grupos econômicos descontentes, que serão úteis nas eleições que se aproximam.

Passado o primeiro momento, é necessário continuar negociando. Mas sugiro que o Brasil inicie uma longa mudança. Primeiro ponto tático: é preciso recuperar ao máximo os contatos com os Estados Unidos. A Frente Parlamentar Brasil-Estados Unidos ainda não fez uma única reunião neste ano. Nossa inteligência, se podemos chamá-la assim, não acompanhou os passos dos lobistas que influenciaram a Casa Branca e contavam diariamente seus feitos.

De modo geral, nos comportamos como se o fator Trump nunca fosse chegar a nossa praia. As divergências não podem evitar o diálogo. Precisamos ampliar nosso conhecimento sobre o que se passa nos Estados Unidos, identificar interlocutores e compartilhar com os americanos este momento difícil, que parece desembocar num governo autoritário.

Em termos estratégicos, há um consenso de que devemos ampliar os negócios com o mundo, abrir mercados na Europa. Lula trabalha para fechar o acordo Mercosul-União Europeia ainda neste ano. Mas há também Canadá, México e todos os países que, de certa forma, foram atingidos pelas tarifas de Trump, inclusive na Ásia.

Existe outro nível de abertura, talvez difícil de trafegar numa maré nacionalista. É a abertura da própria economia brasileira, simplificando a estrutura tarifária, removendo barreiras não tarifárias, avançando no que o Banco Mundial chama de caminhos da prosperidade. Claro que uma abertura assim implica riscos internos que precisam ser minimizados. Podemos sair mais fortes de tudo isso. Por que não tentar?


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Gostei muito desse artigo do Gabeira, principalmente o que ele sugere no último parágrafo: LIBERALISMO para a economia brasileira. 


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Publicado em: O Globo

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