Pedras no Bolso




                                                                                                                                           Elidia Rosa

No filme As Horas, que narra a vida da escritora Virgínia Woolf, a cena que me marcou, entre tantas outras cenas desse filme espetacular, foi a derradeira, e que também inicia o filme.

Nele Virgínia, desesperada diante da impossibilidade cada vez maior de exercer sua criatividade, sob forma da arte de escrever, e de todo caos em torno a partir de seu próprio caos interno, decide colocar algumas pedras nos bolsos e lentamente adentrar as águas do Rio Ouse, na Inglaterra, submergindo para sempre a vida naquele mergulho.

Eu nunca gostei muito de água corrente que passasse da linha da cintura; pensando bem mesmo em piscinas, procurava não me afastar muito das bordas pelo medo de, não sabendo nadar,  afundar num engolfamento imaginário.

Águas profundas, quem as conhece pela cor...quem sabe o que carregamos na turbidez, quando colocamos pouco a pouco mais uma pedra, mais uma pitada de auto-destruição, ou mesmo como Woolf enchendo rapidamente os bolsos com avidez de quem corre para a libertação almejada, pesos aliviando pesos.

Os Outros sabem um pouco, nem mesmo nós sabemos muito, e o que temos à custa de muita análise e introspecção, parecem fragmentos de um grande vitral. Feio às vezes, para quem vê de perto, e de beleza digna de contemplação que não distinguimos ao jogar pedras no mosaico da nossa existência.
Essa semana mais alguém que se aproximou demais do mosaico, do Rio turvo, do impensável na existência, e sucumbiu. Um pastor.

- Mas não era religioso? Tinha fé? Durkheim, Freud, Jung, Beck, Rogers, ajudam a pensar esse composê, mas faltam vidros coloridos e pequenos, aliás, arrogância nossa achar que a vida (e a morte) simplesmente se explica com retalhos das coisas que se intuem.


Quando um adolescente gaúcho usando grelhas transmitiu seu suicídio pela internet, seu analista Mário Corso, articulista e escritor conhecido, admitiu sua impotência com que "o que escapa" para além do divã. Pensei que há momentos que só quem experimenta As Horas conhece a dor e a delícia de colocar as pedras e submergir, ou sentar na margem do rio e experimentar deixá-las escorregar do bolso.
E retornar.

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