HERÓI DO MAR E DO RIO



Por "Passeador Carioca"
(Do Facebook)

Nada menos que 109 anos depois, o cara da imagem – o da direita, evidentemente – recebeu um reconhecimento que lhe tem sido negado por tanto tempo. No último Dia da Consciência Negra, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro concedeu a João Cândido Felisberto o assentamento no Livro dos Heróis do Estado, onde estão os registros de quem contribuiu para a defesa, o progresso ou desenvolvimento do Rio, do Brasil ou da humanidade. João Cândido, também conhecido como Almirante Negro, liderou uma luta contra a discriminação racial, que no seu tempo tinha requintes de crueldade, com castigos físicos e tudo. Pois foi aqui mesmo, na região da Praça 15, onde fica sua estátua, que João liderou a Revolta da Chibata, movimento que colocou o Rio e o Brasil em polvorosa em novembro de 1910. É preciso, porém, contar como ele chegou até ali. Nascido negro e pobre no Rio Grande do Sul, com 14 anos João foi engajado como grumete na Marinha pelas mãos de ninguém menos que o almirante Alexandrino de Alencar. Seis anos depois, já como instrutor, é transferido para o Rio. As péssimas condições de trabalho dos marinheiros, o abismo entre os soldos dos praças e dos oficiais e as punições de faltas com chibatadas já fermentavam uma rebelião - o "corretivo", de 25 golpes, era aplicado, quase que exclusivamente, em militares negros. O notável espírito de liderança de João Cândido aflorou no período em que ele e vários companheiros foram enviados a Newcastle, na Inglaterra, a fim de aprender o funcionamento das belonaves encomendadas pela Marinha brasileira. Lá, o contato com os colegas britânicos, muito melhor tratados e mais bem pagos,  foi o estímulo que faltava. Secretamente, Cândido e seus homens trocavam informações com os camaradas no Brasil, planejando o levante. De volta ao país a bordo dos novos navios, eles iniciaram o motim na noite de 22 de novembro, assumindo o comando do poderoso couraçado 'Minas Geraes' enquanto seu comandante jantava. Logo, a eles se juntaram as tripulações do 'São Paulo', do 'Bahia' e do ‘Deodoro’. Aproximadamente 2 mil dos 4 mil marinheiros da capital aderiram ao movimento armado, e vários oficiais e marujos foram mortos nos primeiros confrontos. “Não queremos o retorno da chibata. Isto é o que pedimos ao presidente da República e ao Ministro da Marinha. Queremos uma resposta imediata. Se não recebermos tal resposta, destruiremos a cidade e os navios que não são revoltantes”, dizia o ultimato de João Cândido. Fortalezas leais ao governo foram bombardeadas e a cidade chegou a ser atacada. Atingida por um obus, uma casa caiu no Morro do Castelo, matando duas crianças. A imprensa e diversos políticos tentaram intermediar um armistício, sem sucesso. Pressionado, o presidente Hermes da Fonseca propôs um acordo, com a promessa do fim das chibatadas e anistia aos revoltosos. O trato não foi cumprido – mais de 600 marinheiros, incluindo Cândido, foram presos na Ilha das Cobras e dezenas deles morreram sob condições análogas à tortura. Quanto ao líder, chegou a ser internado à força em um manicômio. Expulso da Marinha, sua vida, que nunca fora fácil, continuou dura. Com sua enorme experiência marítima, Cândido trabalhou em embarcações mercantes, mas o estigma de rebelde e a humilhação que impôs ao comando da Armada fez com que fosse perseguido por autoridades navais. Sem recursos, com a saúde abalada e atormentado por dramas familiares – a primeira mulher morreu de infecção intestinal e a segunda ateou fogo ao próprio corpo –, o inconformado João Cândido ainda se ligou a movimentos políticos, como a Ação Integralista Brasileira. A estátua, do artista plástico Walter Brito, foi inaugurada em 2008 e mostra Cândido com um leme e apontando para o mar, seu maior companheiro. Já velho, ele trabalhava descarregando pescado madrugada adentro para sobreviver. Todavia, a sonhada reintegração à Marinha nunca veio, embora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sancionado seu perdão oficial e anistia póstuma. O Almirante Negro desembarcou desta vida em 1969. Tinha 89 anos, morava em São João de Meriti e faleceu no Hospital Getúlio Vargas.

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