Vivemos no mundo da lua



 Por Mino Carta


Parece-me que o Brasil atual atingiu um ponto extremo de uma crise de demência que vem de longe, se quisermos, desde o descobrimento. Desconfio, porém, da existência de um juízo brasileiro, na lua ou em qualquer lugar do universo.

Neste país que ainda não chegou a nação, a guerra das vacinas, em pleno desenvolvimento e de incerto final, é a prova provada de uma situação de terrificante descalabro, sem contar o fato de que o suposto presidente da República mais uma vez transgride a Constituição, a lhe impor todo o cuidado com a saúde popular.

Um ditado italiano diz a respeito de quem está fora do eixo e perdeu a razão: “Ele vive no mundo da lua”. O planeta dos lunáticos, admiravelmente representado por Georges Méliès* no seu famosíssimo filme, obra-prima do alvorecer da Sétima Arte. Cada vez menos países ficam fora de um plano de vacinação, hoje já previsto para abarcar o mundo, quem sabe antes do Natal ou logo após. Aqui vivemos à margem da humanidade por obra de uma situação somente explicável à luz de uma análise patológica. Quando, orientados por Americo Vespuci, que já alcançara as costas do Piauí, os portugueses comandados por Cabral atingiram Porto Seguro, o escriba da aventura reconheceu a fertilidade da terra, onde “em se plantando tudo dá”. Logo começou a desgraça de uma colonização predatória, a dividir o espaço em imensas capitanias hereditárias e a desencadear um processo de escravidão que durou três séculos e meio e, a rigor, ainda vigora. Brutal a discrepância entre o que a natureza oferecia e a estultice do homem incapaz de aproveitar-se de tanta generosidade. Pairava desde então a conspiração contra o melhor juízo, semeava-se a demência.



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Revista CartaCapital, 19/12/2020

* Georges Méliès, cujo nome de batismo é Marie Georges Jean Méliès foi um ilusionista e cineasta francês famoso por liderar muitos desenvolvimentos técnicos e narrativos no alvorecer do cinema. Wikipédia


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