TodEs a PostEs!

 





"Tenho dúvidas da relação entre as palavras de gênero neutro e a igualdade"


 

Em “Não Perca o Seu Latim”, Paulo Rónai conta a história do imperador Sigismundo, que no Concílio de Constança se enganou no gênero de uma palavra e ordenou que, dali em diante, a palavra passasse a ter aquele novo gênero.

Um monge considerou a ideia absurda e contestou, celebremente: “Caesar non supra grammaticos”, que significa “o imperador não está acima dos gramáticos”, ou seja, não manda na gramática.

Em princípio, o monge tem razão: ninguém manda na gramática, nem mesmo um imperador. No entanto, o Liceu Franco-Brasileiro, do Rio de Janeiro, resolveu tentar, e dirigiu-se aos estudantes com a saudação “querides alunes”, por “respeito à diversidade e à inclusão”.

Eu sou daquelas pessoas que acreditam ser possível respeitar a diversidade e a inclusão em português. Ao que parece, é uma crença absurda e reacionária: a língua portuguesa só deixa de discriminar se as palavras acabarem em “e”. Com exceção da palavra presidente, que já acaba em “e”, mas só deixa de oprimir se passar a ser presidenta. Que azar.

A transformação do nosso idioma numa língua neutra coloca vários problemas, e o menor deles talvez seja o ridículo. Mesmo forçando à neutralidade adjetivos e substantivos, como “querides” e “alunes”, ainda assim sobra a questão dos artigos, dos particípios passados, dos numerais, etc.

A frase, aliás bem bonita,Es arquitetes foram agredides por bandides e tiveram de ser operades por médiques”, talvez cumpra parte destas novas aspirações linguísticas, mas na eventualidade de “es bandides” serem um par, e de querermos designá-los através da antiga e profundamente discriminatória formulação “dois bandidos”, teríamos de inventar também um numeral neutro, para acrescentar ao masculino “dois” e ao feminino “duas”. Deis, talvez? Eram deis bandides. Satisfeites?

A verdade é que tenho muitas dúvidas de que haja uma relação direta entre o gênero neutro das palavras e a igualdade. Parece-me que as desigualdades têm causas mais profundas. Por exemplo, na língua persa, falada no Irã, Afeganistão e Tajiquistão, todas as palavras são de gênero neutro. Se calhar, conheço mal as sociedades iraniana, afegã e tadjique, mas assim de longe não me parecem muito igualitárias, diversas e inclusivas.

 

Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento

Comentários

De uns tempos para cá a sociedade brasileira mergulhou num certo exagero comportamental que gerou uma nociva polarização. Propuseram-se a defender certas igualdades ignorando a maior e real de todas as desigualdades que é o abismo entre ricos e pobres. Deste modo, temos hoje muitas tensões desnecessárias por causa de bobagens e que ressuscitou o conservadorismo que havia morrido desde as "Diretas Já".
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, não creio que o conservadorismo estivesse morto, nunca esteve. Nossa sociedade sempre foi conservadora, para o bem ou para o mal. Essas idiotices ditas "progressistas" são um exemplo de como coisa ruim pode surgir de qualquer lugar. O conservadorismo não é mal e o progressismo não é o bem.