Avestruz






Autor "convidado" Rubens Alves


Falam muito mal dos avestruzes, injustamente. Seus detratores, movidos por motivos inconfessáveis, declaram que aquelas aves são de estupidez sem paralelo. Dizem que elas, ao se defrontar com um leão, enterram suas cabeças na areia. Se assim eles se comportam é porque devem ser adeptos de uma antiga filosofia que afirmava que "ser é perceber". Raciocinam os avestruzes: se não percebo o perigo, o perigo não existe para mim. (traduzindo popularmente: "Aquilo que os olhos não veem, o coração não sente"). Continua o pensamento dos avestruzes: "Posso, assim, me comportar como se ele não existisse, desde que continue com a cabeça enterrada na areia". Tudo estaria bem se o leão não fosse de verdade. E o resultado é que o avestruz acaba na barriga do leão...Mas, como disse antes, eu não acredito que os avestruzes sejam assim tão estúpidos. Estupidez igual somente encontrei em exemplares da espécie Homo Sapiens a que pertencemos. O que provocou essa meditação foi uma conversa que tive com o dr. Augusto Rocha, que me falou sobre o curioso comportamento de pessoas que têm hipertensão arterial e se recusam a tomar remédio. Hipertensão é doença crônica. Sem cura. Para o resto da vida. Como o diabetes. Embora não possam ser curadas, as doenças crônicas podem ser controladas. Para isso, o doente há de aceitar uma rotina diária de tomar os remédios devidos. Se isso é doença crônica, podemos dizer que todos nós somos portadores de uma enfermidade crônica que, se não for tratada rotineiramente e diariamente, pode levar à morte em um mês. É a fome. E o remédio diário para ela é um bom prato de comida...O fato é que ninguém se esquece de comer. Mas alguns doentes crônicos se esquecem de tomar seus medicamentos. Na verdade, não creio que seja esquecimento. Segundo Freud, todos os esquecimentos são intencionais. Os portadores de doenças crônicas se "esquecem" de tomar seus medicamentos porque eles são adeptos da filosofia dos avestruzes. Acham que, não percebendo, a coisa não existe. Acham que ninguém pensa assim?
Tive um amigo, um homem inteligente de extraordinárias habilidades mecânicas que não ia ao médico de forma alguma. Alegava: "Não vou ao médico porque pode ser que eu tenha alguma coisa...". Não ia ao médico para não saber. Não sabendo, ele acreditava que a doença não existia. O leão existe mesmo quando fechamos os olhos...

Comentários

Eduardo Medeiros disse…
Oi galerinha.
"Convidei" o Rubens Alves para não deixar o blog com mais de 6 dias com postagem nova.
Parece que alguns autores do blog (outra vez) estão enfiando a cabeça no buraco...rssssss
Eduardo Medeiros disse…
Digo "sem" postagem nova..rs
Levi B. Santos disse…
Boa provocação, Edu !

Lembrei-me de uma canção de Milton Nascimento , cujo título é “Nada Será Como Antes”

“Sei que nada será como antes...
Que notícias me dão dos amigos...”
(rsrs)
Donizete disse…
Só dei conta que o texto era do Rubem Alves depois de ler seu primeiro comentário. Achei que era seu. São estilos bem parecidos. Rsrsr
Caro Eduardo,

Acho ótimo postarmos aqui textos de outros autores também. Sem dúvida que esta seria uma atitude bem adequada para todos os escritores da C.P.F.G. uma vez que nem sempre nos sentimos inspirados para escrevermos algo novo e direcionado para um blogue filosófico.

Aproveitando o que o Levi colocou, citando o nosso compositor pátrio Milton Nascimento, eis aí o desafio de reinventarmos o nosso cotidiano.

Uma boa semana para todos!


PS: Que tal debatermos numa outra postagem o grande assunto do momento que é a despedida de Nelson Mandela?
Lendo o texto, algo aí me chamou a atenção. Seria o que Freud disse sobre os esquecimentos serem intencionais.

Quem aqui concorda com essa análise freudiana?

Penso que talvez os esquecimentos possam ser explicados pelos nossos desejos e interesses que muitas das vezes não convergem para o que deve ser lembrado. Aí, neste caso, não estaríamos sempre esquecendo conscientemente. Pois, se um paciente deixa de tomar o seu remédio, uma das explicações possíveis seria porque o gosto é amargo assim como não é nada confortável engolir um comprimido.

Levando em conta o princípio do prazer que move muitas das nossas escolhas, penso que somente tomamos uma decisão a princípio não prazerosa quando entendemos conscientemente que haverá uma recompensa maior após suportarmos uma privação. Mas a verdade é que grande parte das pessoas não encontra satisfação na via que levam. Falta a elas uma motivação verdadeira.

Quer me considerem ou venham a me chamar de religioso fanático, digo que verdadeira razão de viver o homem encontra quando recebe a Cristo de verdade. Não estou me referindo a aderir uma nova religião ou crença, mas, sim, de um propósito de vida onde o verdadeiro prazer é encontrado na realização da vontade de Deus. E isto Freud parece não ter explicado...
Em tempo!

Se buscarmos exemplos na Bíblia, talvez a metáfora do avestruz possa corresponder à fuga de Elias quando se refugiou numa caverna do Horebe, "o monte de Deus" (1Rs 19:8-9). A diferença é que o profeta meteu o pé, como se diz popularmente, quando ele soube que Jezabel tramava a sua morte. A semelhança, contudo, talvez estaria no fato de ambos não quererem assistir com os olhos os acontecimentos negativos uma vez que estes trazem algum sofrimento doloroso.

De qualquer modo, considero bem útil o texto quando o autor fala das pessoas que preferem não ir ao médico. Afinal, se temos um problema de saúde, penso ser melhor sabermos logo para então nos posicionarmos diante da situação, mesmo que o paciente prefira não se tratar já que determinas cirurgias, internações e terapias costumam ser desumanamente degradantes e nem sempre a família sabe respeitar a opção do indivíduo por escolher uma morte digna em casa ao invés de ficar entubado num CTI. Ou ainda o fato do paciente ainda querer ter certos prazeres tipo comer umas gramas a mais de sal ou açúcar quando a doença obriga a mudar a dieta.

Fica aí um questionamento. Será que muitos preferem não se tratar porque suas escolhas pessoais não costumam ser devidamente respeitadas?
Eduardo Medeiros disse…
Rodrigo, sempre que ficar um buraco aqui nas postagens, vou cobri-lo com algum texto interessante. É a vez da Rozana postar, mas não sei se ela está ligada no que acontece aqui, apesar dela ter dito que quer participar. Vou dar mais um aviso lá no grupo, enfim.

sobre os esquecimentos serem propositais, eu não tenho muito a dizer, pois não conheço bem esse mecanismo. Agora, quando alguém sabe que precisa tomar um remédio e não toma o que podemos pensar? Acha que a doença vai sumir espontaneamente? Se for uma pessoa de fé, vai esperar uma cura milagrosa?

Eduardo Medeiros disse…
Doni, o Rubens escreve coisas profundas de forma clara, didática e que dá gosto ler. Estou bem longe disso...rsss
Talvez o que ocorra seria que tal pessoa considerou mais proveitoso agir deste ou daquele modo. Ou seja, teria havido compensações escolhidas pelo inconsciente. Ainda que se trate de uma opção, ao nosso ver, equivocada.