A CRIATURA E O CRIADOR [1ª Parte]





A criatura em sua campanha por mais quatro anos no Paraíso de Vera Cruz está em apuros e pede socorro ao seu Criador:

― Meu criador, onde estás que não me ouves?

― Estou onde sempre estive. Estou aqui em cima no meu trono a olhar se estás cumprindo com o script que com tanto esmero e cuidado te entreguei. Por que andas te escondendo de mim?


― Meu criador. Tu és onipotente, onisciente e onipresente, e sabes muito bem que a natureza humana não se muda. Perdoa-me pois não consigo representar como bem me ensinaste. Tenho o pavio curto. Coisa da genética.


― Como queres ficar no paraíso por mais quatro anos, se não sabes te amoldar às circunstâncias. Lembra-te bem  daquele tiro que deste no pé ao revelar que o fruto da venda da refinaria que jorrava o ouro negro caríssimo que estava nos servindo, não foi com a tua aprovação. Tu, como personagem central da “Divina Comédia”, jamais poderia ter cometido tamanho pecado!


― Mas não só eu, quanto Tu também, meu criador, estamos correndo perigo! Peço humildemente a tua proteção. Apareces aqui para ajudar a tua serva que corre perigo de ser alijada do paraíso.  O inimigo de nossas almas, segundo as pesquisas do anjo Manoel, está na dianteira, e o prazo é curto para me recuperar. Os anjos do segundo escalão que aqui deixaste para me assessorar estão todos perdidos.

― És teimosa demais! Se andas te atropelando nas palavras, para que inventar de falar de improviso? Por que teimas em recusar ler meu manual para iniciantes? Às vezes, chego a me arrepender de ter te escolhido entre outras mulheres mais sábias do meu Reino.

― No capítulo primeiro do meu manual está escrito: “Não cometerás sincericídio”. No segundo capítulo está escrito: “Em política a verdade dita fora do tempo não liberta, antes traz confusão e discórdia”. Como é que foste cometer pecado tão grave?   

― Vou te conceder perdão. Serei misericordioso contigo. Alegra-te e incendeia a cambada de anjos que te seguem. Eu te livrarei do laço do passarinheiro.

― As lágrimas que saem dos meus olhos agora, meu Mestre, são sinceras. De joelhos agradeço a tua divina intervenção. Só tu podes me livrar de tamanha humilhação, age rápido!

― É! Mas isso não vai sair de graça não. Farei o diabo para te dar vitória. Tem uma coisa: ganharás por pouco. Vou preparar um discurso que irás fazer no final da votação. Não poderás errar uma vírgula sequer.

― Fala-me rápido, meu Criador. A tua serva é só ouvidos. Fala! Fala!

― Calma! Pega o discurso que redigi para leres depois que o nosso nobre amigo do TSE divulgar a tua vitória. Decora-o tim-tim por tim-tim.

A criatura passa seus olhos pelas laudas do discurso redigido pelo auxiliar-mor do criador, e se arrepia toda.


― Que cara é essa? Que tens? Estás passando mal? ― brada o criador.

― Perdoa-me meu Mestre e Criador: é que eu estou vendo palavras indigestas nos teu divino discurso.

― O que? Tens a ousadia de dizer que estou a escrever porcarias?

― É de minha natureza meu criador. Tu sabes como ninguém. É que eu passo mal quando ouço palavras como: “diálogo”, “união sem ação monolítica”, “responsabilidade fiscal”. E o pior, meu criador é ter que falar em “Reforma Política” e negociação com aqueles que me ofenderam.

― Vais dormir. Pedes uma semana de férias, e lá, num litoral bem secreto te ungirei com o óleo milagroso que o Chavez me presenteou. Lá, teus olhos se abrirão e verás a gloria do filho de Garanhuns que te sucederá por mais oito anos.

― E o Petrolão, meu Mestre, como conviverei com ele?

― Não temas! Agrada-me o perigo. Acredita que podemos nos perder?.  Aquilo que procuro desenvolver e frutificar dentro de minha matéria e nas circunvoluções do meu cérebro jamais se extinguirá. Alegria, alegria, nobre criatura! Saibas que eu e tu somos uma só pessoa. Não te deixarei, nem te desampararei.

― E se a reforma política não passar nesse novo e complexo congresso, meu mestre?

― Melhor pra nós, criatura! Eles vão bater cabeça com cabeça e não sairão do lugar.


― Estás rindo com tanta confiança, meu criador, que estou toda inflamada de emoção e coragem.

― Avante, minha camarada!

― Avante meu pai, meu mestre e criador! 



[Por Levi B. Santos]
                                                                                                  Site da Imagem: historiasemquadrinhos.blogspot          

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