Mulheres



DURANTE MUITO TEMPO, quando a sociedade era iminentemente patriarcal, nós decidíamos quase toda a vida das mulheres. Determinamos como elas deveriam falar, sentar, vestir, casar, se comportar. Hipocritamente, dividimos as mulheres entre as que eram para "comer" e as que eram para "casar". Fazíamos questão em público de tecer louvores à virtude da castidade feminina e da honradez da mulher casada enquanto no privado, satisfazíamos nossos instintos sexuais com as putas que nós chamávamos nas rodas de cidadãos respeitáveis de "vadias", "mulheres de vida fácil", "piranhas", "safadas". Curiosamente, por uma dessas ironias da história, essas tais hoje fazem questão de se autoafirmarem com todos os adjetivos que nós criamos para elas.

Durante séculos, determinamos que elas eram o "sexo frágil", quando nós sabíamos que elas possuíam uma fortaleza que nós jamais poderíamos ter. Determinamos que haviam assuntos de homens que mulher não deveria se meter. Que haviam atividades profissionais que não eram "coisas de mulher". Através da dependência financeira, decretamos que o lugar da mulher era cuidando da casa e dos filhos e do marido. Elas só precisam fazer isso para serem felizes enquanto nós, machos, íamos conquistar o mundo.

Porém, por serem elas o sexo frágil, as colocamos debaixo de nossas asas. Era nosso dever de homens fortes cuidar delas, defendê-las, deixá-las seguras. Violência machista sempre houve mas havia essa ideia de que nós, homens, éramos seus protetores e não coadunávamos com a atitude violenta de outros homens. Eram os tempos do amor romântico, do príncipe que ia salvar a mocinha do dragão, coisas que nós também inventamos.

A muito custo as mulheres agradeceram a tutela masculina e disseram "não queremos mais isso, queremos ter voz, queremos ir para a rua, queremos trabalhar, ter sucesso, e faremos isso concomitantemente ao cuidado do lar, porque ao invés do que nos fizeram acreditar, somos fortes". "Não vamos querer capar os machos - nós gostamos muito de machos - mas não vamos mais ser seus bibelôs". "Queremos conquistar o mundo junto com vocês". "Queremos que vocês mudem e que não pensem que lavar um prato vai te deixar menos macho".

Os muitos casos de feminicídios que temos visto, creio eu, são em parte motivados por essa quebra de tutela. Elas já não se vestem como nós queremos. Elas já não se comportam como nós achamos convenientes para uma "mulher honesta". Elas conquistaram e continuam conquistando, uma liberdade que sempre foi nossa. Elas estão no poder e se quiserem, estão também na cozinha. Para muitos homens isso é inadmissível. Como elas ousam dizer que não nos querem mais? Como elas ousam querer serem livres como nós? Como elas ousam não mais nos obedecer? Como elas ousam se comportar como as putas que nós só usávamos longe do nosso sagrado seio familiar?

Homens, "mas quem tem coragem de ouvir, amanheceu o pensamento...?"

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Eduardo Medeiros, 09/03/2019.

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