Por Levi B. Santos
Já virou um dito popular a
emblemática reação que esboçamos quando nos sentimos contrariados: “Reagi
porque você pisou nos meus calos!”
Ora, quem é que tem um calo no pé e não reage, quando alguém,
mesmo sem saber, e sendo pessoa amiga, o pisa?
Há uma letra de Noel Rosa que evidencia toda
sua decepção ante uma pessoa querida que pisou nos seus calos, entendendo por “calo” algo que se tem doloridamente
escondido. A modinha de Noel é composta de nove estrofes e
tem por título “Você é um Colosso”, da qual reproduzo os três
primeiros versos:
Você é um colosso
Andou no meu carro
Filou meu cigarro
Fumou meu cigarro.
Vestiu meu pijama
Sentiu um abalo
Fuçou minha cama
Pisou no meu CALO.
E não adianta
Você me pedir perdão
Depois de você pisar
Meu CALO de estimação.
Mas esse algo escondido ― metáfora
de “CALO” ―, em psicanálise, denomina-se “recalque”,
que no dicionário Aulete, assim é definido: RECALQUE (psic) “Mecanismo psicológico de defesa pelo qual desejos, sentimentos,
lembranças que repugnam à mentalidade ou à formação do indivíduo são excluídos
do domínio da consciência e, conservadas no inconsciente, continuando, assim, a
fazer parte da atividade psíquica do indivíduo e a produzir nela certos
distúrbios de maior ou menor gravidade”.
Foi no passado longínquo de minha
infância que pela primeira vez entrei em contato com a palavra CALO, que no
sentido figurado, segundo o Aulete, quer dizer ― “uma falta
de sensibilidade causada especialmente por sofrimento prolongado”, vindo
seguido de uma frase de sentido metafórico: “indivíduo frio, que tem calo na
alma.”
Lembro-me bem como foi a minha
primeira experiência consciente com calos
de verdade. Em um dos desfiles obrigatórios no dia da pátria, eu culpei os
sapatos apertados da marca Vulcabrás pelo aparecimento das
bolhas em meus pés, que com o tempo viraram calos. Noutro desfile, foram os sapatos folgados que, pelo contínuo
atrito sobre os calcanhares, causaram as bolhas. Como era difícil encontrar um
sapato na medida exata, da largura e do comprimento dos pés, eu comecei a culpar os meus próprios pés.
Com o tempo, já adulto, noto as
manchas e vestígios um tanto anestesiados dos calos. Tenho adotado medidas de proteção para não serem vistos e
pisados. Mas não tem jeito: de vez em quando eles ressurgem, doloridamente,
ferindo a minha paz artificialmente perfeita. Agora, na ausência dos sapatos de
couro duros, é o mundo lá fora, as pessoas, as escolas, as instituições, as
organizações, o governo, os parentes, que eu culpo por apertarem os calos adquiridos na infância.
Atualmente tenho lido muito,
chegando às vezes a sentir-me triunfante com as racionalizações mirabolantes que faço. Distraio-me fabricando o meu pensar, num vaivém de idéias captadas de
outros mestres. Não sei, mas algo me diz que tudo que faço é para esquecer os calos. Algo me diz que o temor que
sinto de alguém me pisar, expressa uma tentativa do meu EU em confrontar-se com
os prejuízos que os sapatos me causaram no passado. De nada adianta minha
resistência, pois quanto mais silencio, me amuo, ou me rebelo, fico pesado
como um homem de chumbo. E quanto mais pesado fico, pior para os calos.
Resoluto, digo para mim mesmo: “um
dia hei de encontrar meios de garantir total segurança para proteger a
fragilidade angustiante dos meus doloridos e calosos pés. A Ciência descobrirá,
não tenho dúvidas (?), materiais mais opacos ou densos aos olhos
alheios, mais macios e mais resistentes às pisadas dos outros”.
Por outro lado, penso: se um dia invadirem o porão obscuro do inconsciente ou dos afetos adormecidos, e de lá, extirparem com precisão os calos (recalques), deixaremos de ser humanos para nos
tornar seres previsíveis, autômatos e não reativos.
Por Levi B. Santos
Guarabira, 19 de maio de 2012
Comentários
Enfim, uma "Provoca-ação" (rsrs)
Disse para ela que com uns dez ou quinze minutos faria a ablação do mesmo.
Ela de imediato me respondeu:
— Não doutor!. De maneira nenhuma eu quero retirar “isso”. Ele faz parte de mim, é meu caroço de estimação.
Secretamente, ri à vontade.
O que não me matou me deixou mais forte.
O calo em "minhalma" evitou a morte
Posso considerar-me sujeito de sorte
Por possuir um calo com esse porte
Mas nem sempre fui desse jeito
Lembro-me das lágrimas pingando em meu peito
A camisa já empapada ensopando meu leito
E ela sem dar atenção pro que tinha feito
Me tirou de perto do que mais amava
levou parte de mim, enquanto eu chorava
Momento de sofrimento me aguardava
Meu filho também chorando me acenava
Hoje estou calejado, já não sinto dor
Deixei de gostar da vida, esqueci o amor
Doeu mas depois de um tempo amenizou
Os filhos que ela de mim roubou
Duro é o que sou agora
Como um calo que tenho na sola
Sou homem que já não chora
mais forte do que outrora
Aliás, Endson, deixei um recado para você lá na nova postagem.
Levi, Levi, depois que tomei conhecimento desses termos psicanalíticos, fico a procurar meus "calos". Mas como parece que são inconscientes, só vêm prá fora sem agente querer, mas aí, já sabendo, imagino: "hiiiiii isso deve ser um requalque meu que estava inconsciente..." rss
Abração!!!Fica com Deus
O calo em "minhalma" evitou a morte
Posso considerar-me sujeito de sorte
Por possuir um calo com esse porte (Edson)
Só que tem calos pode fazer poesias desse porte, caro Noreda.
Os calos doem, não resta dúvida, quando são pisados e repisados. Por outro lado, eles nos animam e no inspiram a fazer dessa VIDA sofrida uma poesia.
Quanto mais abraçamos nossos calos mais humanos seremos. Não sei o que será de mim se a ciência, um dia, extirpar os meus calos de estimação (rsrs)
O comentário do Noreda lá no blog "Logos e Mithos" foi qualquer coisa de sensacional.
Parece-me que ele pisou com classe e bem devagarzinho nos calos de alguns debatedores. (kkkkkkkk)
Formas de sapatos perfeitos não a temos. Sempre estamos entregando ao outro, sapatos folgados ou apertados. Se tanto um como o outro provocam calos, melhor culpar os nossos próprios pés, como aconteceu comigo nos desfiles do dia da pátria, de que fala o ensaio postado. (rsrs)
Você tocou no outro lado da moeda (rsrs)
Há, mesmo, aqueles que adoram mostrar os seus calos para atrair a compaixão do outro.
Olha que todos nós temos um pouquinho desse defeito: O ressentimento, por exemplo, que no fundo é uma maneira de culpar o outro como o responsável pela nossa situação.
Eu, acima, me referi ao primeiro comentário do Noreda, lá no "Mithos e Logos", uma vez que o segundo que ele fez eu não tive a oportunidade de ler.
Eu também usei muito os sapatos Vulcabrás e as camisas de Pervink 70 mas hoje com o calo sexual que adiquiri, só posso usar camisa de malha. E devido a idade só uso botas de cano médio.
Eu tenho um fibroblasto, ou condroblasto, na clavícula esquerda que não deixa de ser um calo ósseo. Não dói e ninguém consegue machucá-lo. Gêlo é um bom remédio para calos, assim como o pepino para caspa e ouro velho e maxixe para hemorróidas. Eu não tenho calos nos joêlhoa. He, he, he...
Você tem um CALO na área sexual?
Mas isto não é novidade nenhuma. Freud já desconfiava que os recalques (Calos) não tinham sua origem na moralidade, mas, sim, na própria natureza da pulsão sexual.
Sapatos Vulcabrás rima com educação sexual - tudo a ver com a nossa reprimida infância. (rsrs)
Não Levi. O que você chama de barriga, para mim é um calo sexual. Porisso não uso camisa de botão. He, he, he...
Eu não tenho calos nos joêlhos.
Realmente a barriga atrapalha. Sou portador desse calo e sei bem de algumas dificuldades. (rsrs)
Mas voltando para a metáfora de CALO, você concorda com o que Noreda escreveu neste verso?:
Duro é o que sou agora
Como um calo que tenho na sola
Sou homem que já não chora
mais forte do que outrora
Vou poetar agora:
Se na terra da cova onde me enterrarem, nascer uma plantinha, não a arranquem —, Deixem ela crescer e ficar robusta. Se a casca que recobre o seu caule se tornar grossa , saibam que ela foi feita do mesmo material dos meus CALOS.
Nem todo calo é duro. Existem os calos moles, sendo assim, na sua cova pode, "também", nascer um pé de abóboras, né?
A protuberância que o Noreda tem na sola dos pés não é um calo, é um hemangioma cavernoso.
Realmente, na nossa idade a barriga atrapalha a beijar junto...
Levi, o comentário do Edson foi tão bom que eu deletei pois os debates já estavam no fim; ou seja, deletei para que ele depois possa publicar outra vez como uma postagem.
Mas LEVI, diga-me aí: é possível curar nossos recalques? Ou melhor dizendo, é possível conviver bem com eles de forma que não sejam tão doloridos?
p.s. eu odiava sapato vulcabrás (ainda mais quando o Maluf fazia propaganda dele) rssssss
A dialética é um jogo onde cada um de nós defende seu time (de recalques) de maneira inconsciente. Eles formam o gás que sustenta os nossos debates.
Você, em um dos seus comentários me definiu como “um ateu saudosista”. Eu até que, de forma masoquista, ao invés de sentir dor nos calos, senti prazer. (rsrs)
Edu, o que está “recalcado” nos porões de nossa psique, aqui ou acolá extravasa. Por exemplo: Lá no blog “Logos e Mithos” nós, os “ex-igrejeiros” gostamos da pausa entre as postagens para escutar um hino. É uma forma de vivenciar nossos recalques internalizados. Ao mesmo tempo, este fato nos causa desprazer, quando o Mirandinha se aproveita para pisar nos nossos calos. A dialética é essa arte de pisar com classe no calo dos outros.
Vou dar um tiro para ver se acerto: O Miranda ao escrever joelhoa, foi traído pelo inconsciente, que na verdade queria que ele escrevesse: ajoelho. Segundo o barbudo Freud, o inconsciente é como um sonho cheio de absurdos, ele embaralha para gente desembaralhar, e saber o que está oculto no conteúdo do lapso ou do ato falho. (rsrs)
É brincadeira, Miranda... (rsrs)
Eu não fui traído pelo inconsciente, não ia escrever "ajoelho" e sim, joelhos. Pois bem, eu não tenho calos nos joelhos, sabe por quê? He, he, he...Eu não freqüento igreja nem ando de quatro. Freud descobriu que quem sonha com absurdos tem calo nos joelhos.
Esta protuberância que eu denomino de calo sexual devido à abrasão, alguns invejosos chamam de jaca, mas eu não ligo, é tanto que tirei uma foto do talo. He, he, he...
Daí eu entender perfeitamente a metáfora de Mirandinha.
Então, seu relacionamento com o sogro é bem antigo, né? Aposto como você porta a foto da sogra na carteira. He, he, he...
OPS!
Um dia é da caça outro do caçador. Não é que cometi um ato falho grave. Por favor, onde está escrito curto calo, LEIA-SE: curto talo .
É, às vezes, “não sabemos por que escrevemos o que escrevemos”. (rsrs)
Mas é interessante que recorramos às instituições, escolas, igrejas, confrarias, governos e família para entender que esse mal estar na civilização vem lá de trás, do tempo em que éramos obrigados a usarsapatos apertados - sapatos folgados, do tempo em que surgiram as primeiras “bolhas”, do tempo dos primeiros calos – talos, ou “espinhos na carne” (de que fala Paulo). E esse foi o intuito do ensaio postado. (rsrs)
Nossa personalidade não foi criada por acidente , já dizia Jung -, ela foi forjada com o tempo para camuflar as partes indesejáveis de nós, as nossas falhas profundas" (calos).
Edu, o que está “recalcado” nos porões de nossa psique, aqui ou acolá extravasa
extravassa mesmo, vide o ato falho do MIRANDINHA ao escrever algo parecido como "ajoelho"...rssssss
Me percebo agora deixando extravassar esses calos; de fato, isto aqui está valendo por uma terapia!
Mas agente pode se livrar dos sapatos apertados, mas não dá para andar descalços, não é, LEVI?
MIRANDINHA, como assim "faltam cinco"? Na verdade o que você quer dizer é que nesta confraria, está "faltando cinco" debandados...rsssss
Agora que eu já consegui carregar o Noreda, o Edson, o Mirandinha e o Levi para a Logos e Mythos, não podemos deixar esta nossa confraria originária sem debates.
quem sabe se começarmos a postar textos filosóficos ilustrados com belas mulheres nuas os comentários voltam? Não seria um casamento feliz? filosofia e mulher??? heeeee
Será que você está querendo dizer, entre as linhas, que os confrades fora da gaiola não tem cultura para debater assuntos que não sejam religiosidade, homofobia e voyerismo?
Qualquer deputado que chegar ao Congresso brasileiro sem sapatos é expulso por falta de decoro (rsrs)
Quis dizer (conscientemente) que muita gente debandou daqui...mas as visualizações de páginas da CPFG continuam alta!