Por que Jango foi deposto? Esse é uma questão fundamental quando pensamos no golpe de 64. Os motivos. E a resposta para essa questão encontra pouca unanimidade entre historiadores, políticos e intelectuais. A Folha de São Paulo reunião depoimentos de várias personalidades, desde Delfim Neto a Plínio de Arruda. Clique no link para ver esses depoimentos: Folha .
Eu, particularmente, chego
à conclusão que o evento foi tudo isso: revolução, golpe e contragolpe, já que
foram momentos complexos que uma só palavra não os definiria a contento. Quero destacar algumas linhas do doutor em história Daniel Aarão Reis, autor de “Ditadura militar,
esquerdas e sociedade”, Zahar Editor, coleção Descobrindo o Brasil:
“Quase ninguém quer se identificar com a ditadura militar
nos dias de hoje (...) até mesmo personalidades que se projetaram à sua sombra,
e que devem a ela, a Sorte, o poder e a riqueza (...) para a grande maioria da
sociedade, a ditadura e os ditadores foram demonizados (...) sobre o período,
de modo geral, a memória da sociedade tendeu a adquirir uma arquitetura
simplificada: de um lado, a ditadura, um tempo de trevas, o predomínio da
truculência, o reino da exceção. De outro, a nova república, livre, regida pela
Lei, o reino da cidadania, a sociedade reencontrando-se com sua vocação
democrática (...) Nessa reconstrução, as esquerdas frequentemente aparecem como
vítimas (...) a rigor, a ditadura, sempre segundo essas versões, fora a grande
responsável pela luta armada, redimensionada como uma reação desesperada à
falta de alternativas (..) Muitos aspectos até agora referidos constituem
lugares-comuns em uma certa memória sobre a ditadura e as esquerdas. Em tudo
isso, sobressai uma tese: a sociedade brasileira viveu a ditadura como um
pesadelo que é preciso exorcizar, ou seja, a sociedade não tem, e nunca teve,
nada com a ditadura.”
Sobre o pós-anistia, ele diz:
“Afirmaram-se algumas interessantes (re) construções
históricas, verdadeiros deslocamentos de sentido que se fixaram na memória
nacional como verdades irrefutáveis, correspondentes a processos históricos
objetivos, e não a versões consideradas apropriadas por seus autores. Um
primeiro deslocamento de sentido, promovido pelos partidários da Anistia,
apresentou as esquerdas revolucionárias como parte integrante da resistência
democrática, uma espécie de braço armado dessa resistência. Apagou-se assim, a
perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado aquelas esquerdas. E o
fato de que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela democracia,
francamente desprezada em seus textos. Os partidos da ditadura respondem à
altura, retomando o discurso da polícia política e reconstruindo as ações
armadas praticadas como uma autêntica guerra revolucionária, na qual as
próprias esquerdas revolucionárias, em certo momento, acreditaram. Com base
nessa tese (“se houve uma guerra, os dois lados devem ser considerados”), foi
possível introduzir na Lei da Anistia dispositivos que garantiram a estranha
figura da anistia recíproca, em que os torturadores foram anistiados com os
torturados. Finalmente, teria lugar uma
terceira reconstrução: a sociedade se reconfigurou como tendo se oposto,
sempre, e maciçamente, à ditadura. Apagou-se da memória o amplo movimento de
massas que, através das Marchas da Família com Deus e pela Liberdade, legitimou
socialmente a instauração da ditadura. Desapareceram as pontes e as
cumplicidades tecidas entre a sociedade e a ditadura ao longo dos anos 70, e
que, no limite, constituíram os fundamentos do próprio processo da abertura
lenta, segura e gradual”.
* * *
Feito essas observações que eu creio pertinentes, os confrades estão com a palavra. 1964: Por que Jango foi deposto? Jango pretendia dar um golpe de esquerda e se tornar um ditador tal qual seu padrinho político Getúlio Vargas? Havia uma real ameça comunista no Brasil? Estas perguntas podem ser o fio condutor do debate.
Entre as virtudes de Jango, uma das melhores foi ter legado ao país uma Primeira Dama lindíssima; beleza clássica e forte.
Links interessantes:
Entrevista com Tereza Goulart (por ocasião da exumação do corpo de Jango)
Segredos do túmulo de Jango - IstoÉ
Elio Gaspari blog Arquivos da Ditadura
Documentário da TV Brasil sobre o golpe que mostra o papel dos EUA no golpe (excelente)
Comentários
“ O site Nacional Security Archive – entidade de pesquisa e divulgação de documentos secretos do governo americano –, por ocasião dos quarenta anos do golpe, acrescenta novos detalhes sobre a participação americana no episódio. Gravações de conversas do primeiro escalão do governo, inclusive do presidente Lyndon Johnson, evidenciam que os acontecimentos no Brasil eram vistos no contexto da Guerra Fria. Para Washington, o que estava em jogo era o confronto global entre o comunismo soviético e a democracia. Por essa razão, estava disposto a fazer o que fosse preciso para ajudar o movimento que derrubou João Goulart”
VIDE LINK: http://veja.abril.com.br/070404/p_048.html
Não tem como tirar esse pano de fundo do que aconteceu no Brasil em 64. E a partir dele, creio, que temos que buscar entender todas as facetas (se é que é possível) daqueles acontecimentos.
Depois da Segunda Guerra, o Brasil se alinhou claramente aos EUA, apesar dos russos terem sido fundamentais para derrubar o nazismo. Mas Stalin ao declarar guerra à Alemanha, com quem fizera um tratado de não agressão que Hitler não cumpriu, não estava se aliando ao mundo capitalista, estava defendendo seu próprio império.
O encarregado de saudar o Eisenhower foi o presidente da UDN, Otávio Mangabeira que disse: "inclino-me respeitoso, em nome do país, diante do general comandante-em-chefe dos exércitos que esmagaram a tirania..."
E mais respeitoso ainda, tascou um beijo na mão do general americano..quer alinhamento maior do que este?...rss
"As elites brasileiras, forjadas no autoritarismo e na exclusão, não permitiriam que reformas do Estado destinadas ao atendimento dos interesses populares fossem levadas a cabo. Nos tempos da Guerra Fria, qualquer mudança estrutural na América Latina tinha sabor de cubanização (...) Aí entram em cena os militares, instrumentos de uma classe social - as elites e a classe média brasileira, assustadas com as reformas pretendidas e a força do movimento popular - para a realização do desígnio de manter a ordem - comunistas e demais forças de esquerda - da vida política. Nessa toada, a nação estaria salva do perigo vermelho e o progresso poderia acontecer sem sobressalto para os eternos senhores do país (...) Nesse contexto, pode-se tratar abertamente do amparo de figuras que, mais tarde, rebelaram-se contra o autoritarismo e até tiveram preeminência na luta pelo restabelecimento da democracia. JK, Ulysses Guimarães, Carlos Lacerda, a Igreja católica, vastos setores da mídia e muitos outros líderes civis, pertencentes à casse média e às elites, em coerência classista aplaudiram o golpe justamente porque foi praticado por um segmento que a esta classe se subordinava e cuja intenção era barrar as reformas que a contrariavam." (págs. 22 e 23 e que se encontra também na internet em http://www.oabrj.org.br/materia-tribuna-do-advogado/18050-Um-golpe-para-nao-se-esquecer )
No entanto, parte da sociedade que apoiou o golpe acabou não dando sustentação a ele e passou a sofrer perseguição. Inclusive a classe média viu que ter colocado os milicos no poder não era bem aquilo que as pessoas sonhava. E, neste sentido, prossegue o autor dizendo:
"as forças inicialmente envolvidas, civis e militares, foram sendo substituídas conforme o projeto econômico/político se ajustava às novas propostas e circunstâncias. Nessa correlação de forças, medida entre o poder e a sociedade, inicia-se um processo de enfrentamento que leva o regime a se desviar do autoritarismo apenas - histórico na política brasileira - para uma compleição fascistizante. Chega-se a 1968 com o evidente embate entre as forças vencidas de 1964, acrescidas de uma juventude inspirada por acontecimentos mundiais de lutas libertárias de vários matizes, e o regime. Instala-se o terror do AI-5 e dos porões. Supressão das liberdades, prisões, torturas, mortes e desaparecimentos, eis o saldo macabro. As marcas, como nos traumas individuais, estão até hoje visíveis no corpo e na alma da nação."
Meus amigos, quando encontro pessoas defendendo a volta dos militares, como esses poucos otários que marcharam no final de semana, só tenho a lamentar da falta de consciência histórica do brasileiro. É triste como que muitos andam se esquecendo dos terrores daquele regime e de como a maior parte da sociedade civil que apoiou o movimento de 64 se viu depois traída, sendo certo que quem se deu bem na parada foram as inescrupulosas elites brasileiras. E, por trás de tudo, estavam os Estados Unidos manipulando os golpes na democracia, os quais não ocorreram só no Brasil como em toda a América Latina.
Ditadura nunca mais!
Dizer que os militares eram representantes da elite uma meia verdade. Afinal de contas, foram os militares que garantiram a pose de JK cujo vice era também o Jango. O general Mourão, que deu o início do golpe, em depoimentos ao historiador Hélio Silva, queixa-se da apatia dos oficiais militares diante das tensões que o governo de Jango produzia.
Quase não se fala que não era a vontade de Castelo Branco que os militares de perpetuassem no poder e que o governo de Costa e Silva foi um golpe dentro do golpe. Não destacam que os anos de verdadeira ditadura, onde o bicho pegou mesmo, onde a tortura rolou solta, onde a paranoia anticomunista atingiu seu maior auge foi entre 1968-1974. Que os governos de Gaisel e Figueiredo, já não havia uma ditadura tão dura assim. Especialmente o governo de Figueiredo que tomou pose dizendo que faria do Brasil outra vez, uma democracia e cumpriu com a palavra. Deram o poder aos civis, apesar dele ter trabalhado para que seu candidato civil (que não era o Maluf) fosse seu sucessor.
Que foi os governos militares que modernizaram o país, que fizeram nossa economia crescer acima de 10% durante anos seguidos, coisa jamais conseguida anteriormente.
São todas essas nuances que praticamente não são consideradas por quem é um crítico ferrenho dos governos militares e só veem nele, a expressão do mal.
Sobre os milicos, é certo que havia partidários de Jango. Em minha família mesma tivemos um general que chegou a ser ministro interino da guerra e recebeu ordens do presidente para não resistir aos golpistas. Pois Jango amava tanto esta nação que se recusou a enfrentar os revoltosos, mesmo quando o general Ancora perguntou se o presidente queria se abrisse fogo contra os caras. Ou seja, Jango foi um verdadeiro cavalheiro e evitou que o Brasil mergulhasse numa guerra civil.
Agora como sabemos, as Forças Armadas sempre tiveram como missão dar sustentação a qualquer governo. Tanto é que até a posse de Lula foi garantida pelo Exército e hoje vejo os militares com disposição cada vez menor para intervirem. A não ser nas palavras de alguns políticos oportunistas como o Boçalnaro que tenta ganhar apoio eleitoral jogando com o saudosismo de uma meia dúzia de cidadãos descontentes com a vida.
Realmente o Castelo não pretendia que os militares permanecessem por tanto tempo no poder. O objetivo inicial da intervenção militar seria algo que durasse em torno de meia década. Foi por isso que parte da sociedade civil apoiou o golpe! A ingenuidade da classe média não permitia que as pessoas pensassem que isso duraria 21 anos e causasse impactos negativos tão profundos na sociedade e na cultura do país.
A redemocratização do país se deu também por pressões externas. Pode-se dizer que o governo Geisel não agradou tanto aos americanos ainda mais por causa das ambições nucleares, a proibição de patrulhamento do nosso espaço aéreo dentre outras ações nacionalistas do presidente. Figueiredo foi mais do agrado dos americanos e cedeu ao que eles e a esquerda desejavam. Não que o último dos militares tivesse ligações com a esquerda e o discurso que tinha sobre o passado político de seu pai como embasamento para a abertura era mais uma demagogia ou conversa pra boi dormir. Simplesmente os militares estavam perdendo apoio externamente e aqui dentro para as elites já que o nacionalismo deles era um empecilho à devassidão neoliberal que pretendiam cometer e acabaram fazendo na década de 90.
Finalmente, não se pode atribuir unicamente aos militares o bom andamento da nossa economia que ocorreu até a década de 70, até a crise do petróleo. As políticas adotadas apenas estiveram de acordo sendo grande o potencial do país para crescer. E vale lembrar que, nas visão dos economistas dos militares, era preciso primeiramente esperar "o bolo crescer para depois partir" (Delfim Neto), ao invés de distribuírem riquezas enquanto o país crescesse. Logo que proveito teve um crescimento que ainda acabou aumentando as nossas desigualdades?!
Vou citar o professor Franciso M.P. Teixeira, autor de História Concisa do Brasil:
"Nos anos 70, enquanto resistiam bravamente contra o regime, as esquerdas brasileiras engalfinharam-se num desgastante debate intelectual e político sobre a relação ditadura e crescimento econômico. Contra todas as evidências, alguns grupos teimavam em afirmar que o regime autoritário era incapaz de promover qualquer crescimento econômico real do país. Estavam errados. Não só a renda nacional aumentou, como o país ganhou uma base industrial expressiva, bastante moderna e eficiente para os padrões de país periférico e de capitalismo industrial tardio. Ao contrário do que ocorreu na Argentina à mesma época, onde os governos militares promoveram completo sucateamento do setor industrial, no Brasil a ditadura acelerou quanto pôde o processo de industrialização"
Ou seja, as nossas esquerdas míopes e desunidas como sempre foram, perdiam horas e horas discutindo se os militares tinha desenvolvido o país, e o desenvolvimento produzido estava na cara deles.
E se os militares não conseguiram aumentar ainda mais esse processo, foi devido aos dois choques do petróleo, com a situação internacional ficando desfavorável. Não existe crescimento perfeito, sem algumas consequências negativas. Isso fazia parte do nosso capitalismo capenga.
Os militares, mesmo com o contragolpe dado pela linha dura em 1968, nunca levou à sério ficar para sempre no poder. A missão principal na cabeça dos militares não era o poder em si, e sim, o combate ao comunismo.
Mas muito das bases feita pelo regime militar poderiam ajudar aos futuros governos colocar outra vez a economia nos trilhos, e infelizmente, não foi isso que aconteceu, com os planos doidos de Sarney e Collor. No governo FHC, a economia foi aos poucos, sendo colocadas outra vez no eixos com o Plano Real.
Caberia a tão sonhada "Nova República" ir consertando as coisas, mas a dupla Sarney-Collor só pioraram as coisas.
O que eu lembro bem, é que Figueiredo, creio, em comemoração à despedia dos militares no governo, assinou um aumento para a categoria de 120%; mas a alegria dos militares durou pouco; os planos fracassados do Sarney levou dos militares e dos trabalhadores civis, boa parte do poder de compra dos salários.
Sinceramente, Edu, a análise do autor que citou está errada. Ou melhor dizendo, ela carece de uma base. Pois não podemos simplesmente dizer que houve um aumento real na renda das pessoas apenas com a medição da chamada renda per capta que é feita pela divisão do produto pelo número de habitantes. Inclusive, devido a repressão às greves, o trabalhador não poderia pedir um reajuste e menos ainda um reajuste salarial de maneira que a inflação comia essa renda do brasileiro que, na prática, diminuía.
Quanto ao crescimento econômico naquela época, ele de fato ocorreu mas não beneficiou toda a sociedade. A classe média até que obteve ganhos, mas o pobre tava lascado. Tanto é que, nesse período, aumentou bem a pobreza.
Afim de promover o debate mantendo sempre um elevado nível de qualidade, segue aí uma contribuição que recebi de uma amiga:
'Ditadura - O que resta da transição?' analisa o golpe de 1964
http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasil-atual/2014/03/ditadura-o-que-resta-da-transicao-analisa-o-golpe-civico-militar-de-1964
Um bom auditamento para todos!