O banco do meio




Por Marcos Abe


O ano era 1955. A cidade chamava-se Montgomery, no Alabama, Estados Unidos. Lá vivia uma mulher temente a Deus. Ela tinha 42 anos, era negra e trabalhava como costureira numa loja de departamentos.

Seu nome era Rosa Parks. Certo dia, saindo do trabalho, entrou no ônibus e foi direto para os bancos do fundo, onde os negros podiam se sentar. Mas os bancos do fundo estavam todos lotados. Ela encontrou lugar no meio do ônibus e sentou-se lá, onde também sentaram três outros negros. À medida que o ônibus foi fazendo seu trajeto, começou a lotar. Alguns brancos entraram e o motorista viu que não havia lugar para eles se sentarem. Então mandou que os negros acomodados nos bancos do meio dessem lugar aos brancos. Os três negros ao lado de Rosa obedeceram na hora. Mas ela permaneceu sentada.

Fiquei intrigado com a atitude de Rosa. Será que, como boa crente, ela deveria ter fugido da confusão, mesmo sofrendo a injustiça? Teria ela desobedecido ao mandamento de Jesus de dar a outra face, de resistir diante de uma injustiça, segundo Lucas 6.29?

Acredito que todos têm o direito e o dever de se defender. Ninguém precisa ou deve se sujeitar a qualquer tipo de abuso em seus relacionamentos, pois isso não tem qualquer relação com amor.

Alguns podem pensar que Rosa não deu a outra face. Mas penso exatamente o contrário. Rosa foi presa em decorrência de sua atitude desafiadora. Ela deu a outra face e sofreu muito em prol da justiça. A ordem de Jesus não é para aceitarmos a injustiça, e sim estarmos dispostos a sofrer julgamento, perseguição e humilhação por causa da justiça.

Hoje há milhões de Rosas nos ônibus da vida, sendo desafiadas a ceder o lugar não porque são negras, mas porque são cristãs. Ou porque são negras e cristãs. Ou mulheres e cristãs. Sofrem por sua ligação com Cristo, mas também por pertencerem a grupos menos favorecidos dentro de sua sociedade.

Acreditamos que esses irmãos têm direitos, inclusive o de saber quais direitos possuem. Por isso, a Portas Abertas batalha para que, além de resistir à perseguição com fé, resistam à injustiça promovendo a justiça, e não fugindo dela. Isso é dar a outra face.

Quase sempre a Igreja estará dentro do ônibus. As circunstâncias a colocarão nos bancos inferiores, no fundo, ou nos bancos importantes, à frente. Mas o melhor é procuramos lugar ao lado de Rosa, nos bancos do meio. Somos livres da definição porque somos de Cristo. Nele, somos o grupo vencedor, ainda que no caminho enfrentemos tribulações, grande perseguição e sofrimento. Mas ainda assim, não nos sobrepomos. Ao contrário, estamos dispostos a andar mais uma milha e dar a outra face.


OBS: O autor é membro do Conselho das missões Portas Abertas no Brasil sendo que o texto foi extraído do editorial do vol. 32, n.º 03, da revista dessa atuante organização missionária. Link para a edição da revista: https://www.portasabertas.org.br/main/1184196/REV_marco14.pdf
Quanto à ilustração acima, trata-se da imagem histórica em que Rosa Parks foi fotografada após o boicote aos ônibus em Montgomery, 1956, conforme consta na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos em http://www.loc.gov/rr/print/list/083_afr.html#ParksR

Comentários

Eduardo Medeiros disse…
Rosa Parks, tomou uma daquelas atitudes simples, que desencadeiam processos históricos grandiosos. A história também é feita pelos indivíduos, com rosto, atitudes, esperanças e coragem.
Levi B. Santos disse…
O autor do texto, cristão e membro do Conselho - “Missões Portas Abertas” -, faz uma analogia entre o preconceito de cor , para defender os cristãos perseguidos por membros de outras facções religiosas na África.

Mas, eu vejo em tudo um paradoxo, quando nos transportamos do continente africano para o nosso velho Brasil.

Aqui, recentemente, um dos maiores líderes cristãos e ex-presidente da comissão de direitos humanos, afirmou que "sobre o continente africano repousa a maldição do paganismo, ocultismo, misérias, doenças oriundas de lá: ebola, Aids. Fome..."

Na visão do procurador, Rodrigo Janot, Marco Feliciano praticou crime previsto no artigo 20 da Lei do Racismo. O texto tipifica como crime de preconceito “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. A punição prevista é de um a três anos de prisão e multa.

Vide link:

http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/03/feliciano-pode-ser-preso-por-crime-de-preconceito-contra-religiao.html

E aí, Rodrigo, qual seria a posição do escritor Marcos Abe, a respeito?




Caro Edu,

O que seria do processo histórico da humanidade sem essas atitudes corajosas como a que foi tomada por Rosa?

Você falou de algo muito importante: "indivíduos com rosto". Hoje em dia a internet permite que muitos se posicionem como fakes por trás de seus computadores aproveitando-se do anonimato para criticarem irresponsavelmente os outros. Também temos visto algo semelhante nas recentes manifestações de rua com os atos de violência e de vandalismo praticados pelos mascarados.

Enfim, são esses atos de coragem que devem incentivar hoje as pessoas de bem e Rosa serve de motivação para muitas mulheres e também muitos homens do presente.
Prezado Levi,

Admiro muito a Portas Abertas por sua transparência, coisa que, infelizmente, anda faltando a muitos parlamentares brasileiros da dita "bancada evangélica".

A visão do dep. Marco Feliciano que citou no seu comentário certamente não condiz com a ideologia da Portas Abertas e nem de inúmeros pastores e teólogos do continente africano. Inclusive, há muitos africanos de etnia negra que ocupam cargos de liderança eclesiástica e, obviamente, rejeitam essa ideia equivocada do Feliciano. Algo, inclusive, que pode ser considerado ultrapassado pois o papo de maldição dos negros foi uma argumentação forjada pelo colonialismo europeu nos séculos passados para justificar a escravidão e depois a conquista territorial da África. Daí ter se criado aquela teologia anti-bíblica de que pairasse sobre os negros a maldição de Noé após o patriarca do Dilúvio ter sido flagrado nu pelo filho Cam. Absurdo!

Quanto à posição do autor do texto em relação ao Feliciano eu desconheço, mas deu para ver pelo artigo postado que o mesmo tem uma visão bem progressista e atualizada das Escrituras, encontrando-se focado na causa dos cristãos perseguidos em países extremamente intolerantes ao Evangelho, lugares onde pessoas sofrem restrições e perseguições por motivos religiosos.
Amigos leitores e comentaristas,

Assim como foi o racismo na sociedade norte-americana, há inúmeros preconceitos pelo mundo a serem vencidos. Um deles ocorre por motivação religiosa e se manifesta em diversos graus de intolerância.

Cá no Brasil, o fato de você ser cristão, seguidor de outras religiões ou ateu não influencia na sua carreira profissional, nem na matrícula de seus filhos numa escola, em sua tranquilidade no ar e no direito de reunião que é garantido por lei. Penso que o laicismo estatal acabe funcionando um garantidor dessa paz social em termos religiosos.

Como cristão eu defendo um Brasil religioso (uma sociedade verdadeiramente comprometida com Deus), mas não significa que o Estado deve se converter a este ou aquele credo. Inclusive o aprendizado bíblico faz com que eu deva respeitar as escolhas de cada um tendo em vista o livre arbítrio dado pelo Criador.

A meu ver, entendo que devemos não só repudiar os atos de violência religiosa, mas também nos envolvermos de alguma maneira afim de contribuirmos pelo bem das pessoas que têm sido vítima desse tipo de intolerância.

Uma ótima semana a todos!
Levi B. Santos disse…
Rodrigo

Quanto à questão da intolerância religiosa, o “Brasil cristão” tem um histórico de rejeição a Umbanda e o Candomblé da descendência dos africanos que aqui aportaram.

Ativistas evangélicos ainda hoje portam faixas pejorativas contra os seguidores da tradição religiosa africana. Havendo, inclusive, invasão de terreiros. Além de semearem pelas redes sociais o ódio contra os que praticam os rituais africanos.

Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, os religiosos africanos que praticam seus rituais vem sofrendo cada vez mais agressões de cunho discriminatório. Foram registradas 11 denúncias em 2011. Em 2012 esse número aumentou para 109.

Mesmo hoje, tão distante da escravidão vemos que ainda há por parte dos que se dizem cristãos, muito ranço, ojeriza e rejeição à Umbanda. Os conceitos supostamente teológicos que os da minha geração aprenderam na Escola Dominical, de que o Umbandista tem parte com o cão ou capeta, ainda repercute no inconsciente coletivo cristão. Não vejo como se poder negar tal fato. Se fala muito em diálogo inter-religioso, mas na prática nada acontece.

Eu gostaria muito de saber do autor do texto, se há algum trabalho da “Missão Portas Abertas” no sentido de implementar um diálogo de cristãos com as religiões de matriz africana.
Prezado Levi,

Embora os cristãos (tanto católicos quanto protestantes) não estejam imunes a cometerem intolerância religiosa, acho que exagerou quando escreveu que os evangélicos andam a semear "o ódio contra os que praticam os rituais africanos". Mas como vc se baseou em dados de terceiros, digo ao irmão que até essas publicações do governo federal são de algum modo tendenciosas. Por outro lado, não nego que a intolerância contra as religiões afros tenha crescido nas duas últimas décadas e que um ou outro grupo que se diz cristão possa estar de fato passando dos limites. Aliás, o próprio deputado que anda sendo processado por racismo seria a expressão desse atuar deturpado. Seria ele, na minha opinião, um sujeito pernicioso e tão nocivo quanto o Silas Malacheia, bispo Pedir Maiscedo, dentre outros caras que usam o nome de Cristo em proveito de seus interesses.

Mas agora eu te pergunto. Em seus tempos de menino, quando seus pais o levavam à escola dominical, alguma vez chegou a ouvir de um professor sobre invadir terreiros de umbanda ou de candomblé? Pois ainda que dissessem para as crianças que "macumba seria coisa do demo", certamente seus antigos pastores também deveriam dizer que Deus ama os "macumbeiros" e que Cristo "morreu por eles", ou tô errado a este respeito?

No último parágrafo deste seu comentário vc falou de algo que me deixou curioso e me deu vontade de pesquisar para me informar melhor. Na edição passada da revista, a Portas Abertas fez uma matéria especial abordando a questão dos cristãos nos países da África cujas seleções irão à Copa: Argélia, Camarões, Costa do Marfim, Gana e Nigéria. Achei interessante que a notícia, baseada em outras fontes, não ocultou fatos que possam desabonar as condutas dos cristãos quando falou sobre Camarões demonstrando um notável discernimento:

"Em 2013, o governo fechou mais de trinta igrejas pentecostais no país, depois que alguns incidentes chamaram a atenção da mídia, incluindo a morte de suas mulheres em ocasiões separadas. Parentes afirmam que as mortes ocorreram durante práticas de exorcismo. Não foi feita nenhuma declaração oficial quanto a isso. Há muitas reclamações em geral contra essas igrejas, e o governo deseja trazer ordem à proliferação de igrejas independentes em todo o país. A medida das autoridades contra essas igrejas não deve ser vista como um ataque à Igreja no geral e nem aos pentecostais em particular."

Também na referida revista li uma breve notícia acerca da República Centro-Africana que figura na posição do 16º país em intolerância aos cristãos. Deparei-me com algo que posso considerar inadmissível para os cristãos. Não que a Portas Abertas apoie, mas sim porque se trata de um absurdo desvio que atenta contra os princípios da vida cristã. Senão vejamos o que diz a nota que a Portas Abertas tratou com a devida transparência:

Conflito sectário deixa centenas de mortos

Em 5 de dezembro, milícias cristãs abriram fogo contra rebeldes muçulmanos na cidade de Bangui. Os três dias de violência sectária deixaram mais de quatrocentos mortos, segundo a Cruz Vermelha. Três pastores morreram durante o confronto.
A violência começou com os tiros de artilharia pesada e armas automáticas. O bispo Juan Aguirre Muños, descreveu o cenário como 'um dia apocalíptico'"


Ora, tenho a convicção, Levi, de que a Portas Abertas não dá apoio a coisas desse tipo sendo óbvio que muitos igrejas em tais países condenam práticas de violência. Mas é preciso orar para que tais pessoas e grupos que se dizem cristãos modifiquem o comportamento arrependendo-se desses atos. Também devemos estar atentos para que nenhuma moda semelhante pegue aqui no Brasil.
Independente de concordar com toda a linha de pensamento e de atuação da Portas Abertas, há que se reconhecer o desenvolvimento de alguns projetos dessa organização missionária que de modo algum podem ser preconceituados como sendo proselitistas.

Essa ONG tem ajudado com donativos cristãos na Síria que é um país que vive uma terrível e sangrenta guerra civil, promove a corajosa distribuição de bíblias para cristãos perseguidos em países onde a leitura e o ensino das Escrituras são práticas legalmente proibidas, oferece tratamento espiritual e psicológico a crianças vítimas de traumas, investe em cristãos e nas suas comunidades em locais remotos, oferece cursos de discipulado e de capacitação espiritual, ajuda famílias cristãs perseguidas a terem uma fonte de renda, dentre outras atividades.

Por ser uma ONG cristã, é compreensível que a assistência comece pelos que são da família da fé, mas observo que muitas vezes pessoas de outros credos religiosos também são ajudados como tem ocorrido nos campos de refugiados de sírios na Jordânia onde vc pode encontrar tanto cristãos como muçulmanos.

Agora eu pergunto, Levi, como o irmão faria se vivesse num país desses em que, além de sofrer perseguição precisa muitas das vezes enfrentar a violência direcionada a cristãos? Como proteger sua família em tais circunstâncias? Você dormiria tranquilo sabendo que sua filha corre o risco de ser estuprada e morta por razões políticas, étnicas e religiosas?

Assim, quando falamos da realidade de Egito, Argélia, República Centro-Africana, Nigéria e outros países do continente africano, penso que o contexto no qual as pessoas de lá vivem precisa ser considerado. Principalmente quando nos referimos à condição da mulher em que o estupro contra jovens descomprometidas chega a ser tolerado e até legitimado sem que o ofensor receba uma pena dura proporcional ao ilícito que cometeu.

Sinceramente, se eu como cristão vivesse num país desses, teria que orar e vigiar muito para n~]ao partir para uma atitude violenta. Contudo, eu me identificaria com o texto de Apocalipse 6:10-11 onde os mártires mortos pedem vingança divina na abertura do quinto selo e receberam como resposta que aguardassem.
Caros debatedores,

Por não haver mais comentários, dou por encerrada, por enquanto, a minha participação nesta postagem.

Compartilho que um dos motivos que publiquei aqui o editorial da Postas Abertas foi a interessante abordagem do autor sobre a amplitude do significado de darmos a outra face.

Para que eu não fique sendo o único a postar, mesmo compartilhando textos de terceiros, sugiro aos confrades que também escrevam algo novo, ou pesquisem coisas de interesse do grupo, afim de que a nossa CPFG não fique mais de cinco ou seis dias sem novidades. E pensemos sempre em leituras capazes de promover a edificação.

Um abraço.
guiomar barba disse…
Rodrigão, você é mesmo uma inspiração.
O texto lembra-me o apóstolo Paulo quando preso e sabendo que seria julgado indevidamente, usou dos seus direitos e apelou para César.

"Corra a justiça como as muitas águas e o juízo como ribeiro perene". (Amós 5.24).
Obrigado pela leitura e comentários, amiga.

Ainda estou longe de ser uma inspiração, mas valeu pelo incentivo. Aliás, caiu bem a inspiradora citação de de Amós.

Abraços.