Joana d’Arc. A
visionária. A vidente. A Mística. A Guerreira. O Mito. Muitas tentativas foram
feitas para traçar seu perfil psicológico. Muitos médicos, psicólogos e psiquiatras tentaram desvendar a
origem das “Vozes” que a acompanharam até a morte trágica na fogueira. Seriam
as vozes de origem sobrenatural ou alucinatória? Pode as alucinações coexistir
com uma personalidade normal ou sempre devem ser consideradas sinais de doença?
Alucinação é uma percepção experimentada na ausência de
estímulo externo. Pode ser interpretada como sintoma de um fenômeno patológico
subjacente, sendo diagnosticada, por exemplo, como esquizofrenia. Em muitos
casos o maior problema não são as vozes, e sim, a incapacidade de lidar com
elas. Embora no século XV não faltassem profetizas, todos os que conheceram Joana
a definiram como forte e equilibrada. Seus inimigos a chamaram de “feiticeira”
mas não, de “louca”.
É importante notar que as alucinações não são exclusivamente
sintomas de transtornos mentais, mas, às vezes, consequência de forte tensão ou
de trauma psicológico, como os causados por guerras e violências. As testemunhas no seu processo de revisão da
condenação, apontaram Joana como uma jovem extremamente devota e angustiada com
as guerras que assolavam a França naquele período.
A interpretação não patológica para as vozes que Joana
ouvia, adapta-se bem ao seu caso. A época em que viveu foi descrita pelo
historiador holandês Johan Huizinga como “selvagem e exuberante”; a vida
religiosa se desenrolava numa atmosfera de extrema exaltação, e o pensamento
tendia a assumir a forma de imagens. Baseado nesse contexto, seria arriscado
definir Joana como alienada baseado somente em suas visões e convicções.
Bernard Shaw escreveu que “se Joana era louca, então toda a
cristandade o era, já que as pessoas que
acreditam com devoção na existência de entes celestiais são, nesse sentido, tão
loucas quanto as que pensam vê-los. Joana deve ser considerada uma mulher de
mente sã, apesar das vozes, pois estas não lhe deram nenhum conselho que não pudesse ter sido dado por sua mãe”.
Em meados do século XIX, Joana não era considerada doente,
segundo o psiquiatra Alexandre Brierre de Boismont, professor de medicina da
Universidade de Paris. O psiquiatra cita alguns casos clínicos, demonstrando
que os estados alucinatórios não eram causados apenas por transtornos mentais,
mas também por condições psicológicas, como a intensa concentração ou a
desmedida excitação de uma mente inclinada a fantasiar.
Em obra sobre o papel e a personalidade de Joana D’Arc
publicada em 1948, Jacques Cordier afirma que as alucinações da heroína
poderiam ser facilmente integradas a um quadro em que “para Joana, como para a
imensa maioria de seus contemporâneos, o milagre não era um fenômeno acidental,
mas normal”. Para Cordier, Joana
experimentou uma progressiva organização das sensações auditivas e visuais, no
começo confusas, que em seguida se diversificaram, tornando-se mais precisas e
fixas. A análise psicológica das vozes mostra que “suas exortações, conselhos,
encorajamentos e promessas eram pulsões, desejos, intenções, esperanças e
anseios de Joana, expressos inconscientemente de forma alegórica e próprios de
uma mentalidade coletiva saturada de representações religiosas”.
Em 1984, o médico americano Fred O. Henker confirmou ser
impossível inserir Joana num contexto psiquiátrico. Ele afirmou que não há
elementos suficientes para concluir que Joana fosse esquizofrênica, maníaca ou
que mostrasse sintomas de algum transtorno de personalidade. Ela era
frequentemente descrita como segura de si, otimista, satisfeita e bem adaptada;
não era excêntrica, mas sociável, e inspirava lealdade.
Segundo dois pesquisadores holandeses que investigaram
pessoas que ouviam vozes, consideraram que a vantagem de enfrentar
positivamente tal experiência está na força possível de extrair das vozes caso
estas sejam interpretadas como apoio e não ameaça. Em outras palavras, a
alucinação auditiva não é apenas um fenômeno psicológico, mas também social,
refletindo a natureza da relação do indivíduo com seu meio.
Apesar de Joana em pleno século XV fosse identificada com a
ortodoxia católica, o fato dela dizer que as vozes que ouvia vinham de Deus,
não a impediu de ser condenada como herética, já que Deus lhe falava sem a
intermediação da Igreja e seus representantes – algo inaceitável, portanto,
herético.
Aos 13 anos, Joana assustou-se ao ouvir uma voz quando
estava sozinha no jardim de sua casa. Depois, identificou suas percepções com
três santos que lhe eram familiares. Enfim, após três anos, decidiu seguir os
conselhos da voz e partir, sem que seus pais soubessem, para encontrar o
capitão Robert de Baudricourt e ser levada a Carlos de Valois, no castelo de
Chinon, a fim de convencê-lo a coroar-se rei da França em Reims e libertar a
cidade de Orléams, então assediada pelos ingleses.
Eduardo Medeiros
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Este texto é um resumo de uma
matéria publicada na revista
Viver Mente e Cérebro de abril 2005
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Filme de 1948 sobre Joana D'Arc com
Ingrid Bergman no papel princpal
http://www.youtube.com/watch?v=ExsUvbm5PuU
Comentários
Mas aqui pra nós, Edu: em que os profetas do V.T., foram diferentes de Joana D’Arc? (rsrs)
Não era louca nem esquizofrênica, e suas visões a levaram a agir de forma significativa na história do seu país.
Levi lembra dos profetas do AT. As visões deles poderiam mesmo vir da mesma fonte psíquica de Joana.
Um profundo senso de transcendência e uma grande capacidade de ler seu próprio tempo e depois, juntar as duas coisas. Pronto, se estabelece um campo propício para "visões proféticas".
Eu ouço vozes, as vezes tenho visões. Sei que nem mesmo muitos pastores, psicólogos cristãos, são capazes de entender o que vivo, mas sei perfeitamente que sou uma pessoa normal, feliz, e posso discernir quando elas vêm de Deus ou quando são malignas.
Concordo com esse trecho pinçado do texto de Edu, reverberado em uma estrofe de “Vozes Ancestrais” (em itálico e negrito) ― por mim postado no “Ensaios&Prosas”, em janeiro de 2008. (rsrs) -
Link: http://levibronze.blogspot.com.br/2008/01/vozes-ancestrais.html )
“Joana deve ser considerada uma mulher de mente sã, apesar das vozes, pois estas não lhe deram nenhum conselho que não pudesse ter sido dado por sua mãe”.
Da garganta me sai esta voz,
Expressão dos meus sentimentos.
É a linguagem dos meus avós,
Transformada em meu alimento.
Quando eu falo, falam meus pais,
Sou o eco dos seus pensamentos. ( Levi)
Ontem conversando com um amigo, soube que a sogra dele havia consagrado sua esposa no candomblé, ainda bebe e posto o nome dela Joana d'Arc, fiquei curiosa e vou procurar descobrir o motivo.
Amei seus versos, mas me pergunto: então por que existem tantas formas de interpretações da vida se somos apenas a linguagem dos nossos avós e eco dos pensamentos dos nossos pais?