Nos anos 80, o kichute ainda era moda!
Quando eu era garoto(não, não era em Barbacena), ficava revoltado quando meu pai comprava para mim ao invés do imbatível tênis Kichute, o seu primo pobre, o tênis Conga. Sabem do que estou falando, né? Todo mundo na escola queria desfilar seu kichute; ele dava status e fazia você pertencer ao grupo dos “mais”, dos “superiores”; tênis conga era para os pobres, os fracos(pelo menos na minha escola, era). A propaganda do Kituche demonstrava como o desempenho nas corridas e no esporte seriam melhores com ele. Era uma MARCA de sucesso.
A
valorização extremada de marcas é típico da nossa sociedade capitalista
consumista atual. Talvez o termo “capitalista consumista” seja um paradoxo,
pois afinal de contas, capitalismo nenhum resiste sem o consumo. Mas talvez
possamos diferenciar entre consumo e consumismo. Fato é que consumir é preciso.
Vivemos tempos em que a valorização do indivíduo, da pessoa, vai dando lugar à valorização das coisas, dos
produtos. Pior ainda, a pessoa como coisa. Como produto. Fico sempre espantado
quando leio a manchete de capas de revistas como a Você S.A do tipo: “Você é o seu melhor produto, saiba como se
vender de forma eficiente”.
Até o funk,
movimento nascido nas vielas das nossas favelas cariocas, rendeu-se à “ostentação". Agora temos “Funk
ostentação”. Garotos cantores exibindo seus cordões de ouro, seus carros do ano,
seu harém sem nenhuma vergonha. Ostentar
faz bem. Ostentar é sinal de que ele “venceu”; ascendeu ao paraíso do
consumismo.
Segundo
Marcia Tiburi, colunista da revista Cult, a publicidade destitui o indivíduo do
seu próprio desejo e a fascinação por ter roupas, carros e até geladeiras de
marca seria a morte do sujeito, da subjetividade. Os consumidores agora só têm
o direito de escolher entre uma marca ou outra. Diz a citada colunista: “Não
tendo mais o que expressar, alguém simplesmente “ostenta” um relógio caro, um
computador moderninho, um carrão oneroso. Tudo e cada coisa é reduzida à marca,
emblema do capital e seu poder na era do Espetáculo”.
Particularmente
falando, eu gosto de marca boa, pois
marca boa geralmente é sinal de produto de melhor qualidade, e procuro, dentro
das minhas possibilidades financeiras, comprar a melhor marca. Lá pelos anos
90, quando fui comprar meu primeiro computador, eu queria um “de marca”, mesmo
que um computador “sem marca”, montado com peças diversas, fosse uns 50% mais
barato à época. Mas não, para mim, só um Compac, me daria qualidade. Ou será que na verdade, nos porões do meu
inconsciente, eu queria mesmo era ostentar a marca...?
A citada
colunista, é enfática. Para ela, a solução seria a arte, a poesia, a “negação
ativa contra o uso e o consumo de marcas. A prática anti-capitalista é um
ateísmo e começa com a recusa aos seus deuses como simples profanações
cotidiana”. Talvez essa proposta, por
ser “esquerdista” demais, seja muito radical. Talvez aja espaço aí para se
pensar melhor sobre essa questão.
Comentários
Quando criancinha não recordo se cheguei a ter um Kichute, mas me dava bem calçando um Adidas. Acho que aquele meu sonho de consumo não chegou a ser realizado e, se ganhei o cobiçado tênis já deveria ser pouco mais velho e a sensação da garotada, com o tempo, assou a ser essas marcas estrangeiras. Contudo, meu pé cresceu demais e hoje pelo número que calço sinto muito não poder adquirir um produto comum e sem marca que custe até R$ 50,00 (cinquenta reais), sendo obrigado a colocar nos meus pés só coisa cara de cento e tanto, duzentos paus...
Particularmente não condiciono a questão das marcas ao modo de produção capitalista. Vale dizer que sempre consumimos algo e em qualquer circunstância, de modo que a marca funciona como um identificador, um sinal distintivo dentro do mercado capaz de ligar o fabricante (tanto a companhia empresarial ou mesmo o artesão individual) ao produto comercializado. Logo, eu diria que a marca é algo bem cultural e até mesmo anterior ao capitalismo já que este começou a ser gestado lá pela Baixa Idade Média.
Em novembro de 2012, passei a fazer comércio aqui onde moro e trabalho com uma marca de sorvetes chamada Moleka (o antigo Dragão Chinês que era conhecido nas praias de antigamente como "China") que é um produto bem popular e hoje de nível intermediário. Para muitos consumidores a marca nem importa enquanto que para outros ela tem importante valor. E eu mesmo quando me coloco na posição de meu cliente, sendo eu um sujeito chato para adquirir alimentos, sempre de olho em coisas saudáveis, já excluo preconceituadamente os sorvetes que não conheço porque não quero comer a tal da gordura trans.
Em determinados segmentos da economia talvez a marca não faça tanta diferença quanto em outros, mas aí digo que o fator confiabilidade seria fundamental num mercado mais esclarecido como tende a ser o Brasil daqui alguns anos. Aí a marca passa a ter uma profunda relação com o valor já que este não se traduz pelo preço somente, mas pelo conjunto de benefícios adquiridos. Por exemplo, se você comprova que a empresa "Y" é melhor do que a "X" (nenhuma indireta ao Eike Batista) porque te oferece um bom atendimento e suporte direcional, logo você viu algo além do preço e o reconhecimento desse valor influenciará na conceituação da marca.
Ao contrário do que muitos supõem, acredito que, numa sociedade mais evoluída e que se coloque além dos atuais valores capitalistas, a marca terá ainda uma maior relevância.
Falando de modinha escola. minha mãe cismava em comprar a terrível melissinha preta para escola. Eu odiava aquele sapato. O ano que minha mãe me dava aquilo eu ia para escola triste todas as manhãs. Queria mesmo era um belo vulcabrás feminino.
Nessa trama entre nós e os “grandes outros”, é que acabamos nos transformamos em objeto do desejo deles.
Na nossa gênese fomos objeto de desejo dos nossos pais. As marcas do “grande outro” da mídia nos atrai, porque é pela existência de um OUTRO servindo de referência que nos definimos.
O que acontece é que terminamos por confundir a marca com a pessoa que nos referencia. O exemplo da lâmina de barbear, tornou-se comum denominá-la de Gillete (foi o Sr. King Camp Gillete – o primeiro a fabricar e usar a lâmina de barbear).
Ou seja, estamos sempre, inconscientemente assumindo a marca de “Um grande outro” porque nos confere poder.
Desse ensaio reproduzo um trecho emblemático que explica bem do ponto de vista psicológico, essa procura ansiosa do homem pela griffe:
A busca inconsciente pelo poder nos rege em todos os aspectos de nossa vida. Trabalhamos, e ao recebermos o nosso salário, o que vem logo a nossa cabeça é o desejo de vestir o nu do nosso corpo com roupas de “griffe”. Ora, a palavra “griffe” ,significa garra - “é o leão que deixa na presa morta a marca do seu poder” —, diz o filósofo e psicanalista Renato Mezan, no artigo “Grifes Vistosas, Prazeres Secretos”, publicado no caderno “Mais” da Folha de São Paulo (14/11/2007). Diz ele, ainda, no seu lúcido artigo:
“Como os poderosos são em pequeno número, usar um objeto de marca prestigiosa é também sugerir que pertencemos ao conjunto seleto dos que “podem” e “mandam”. Eis por que, além de servir a fantasias de exibição fálica, a roupa, a caneta, o carro e o relógio (rolex) se tornaram ícones identificatórios, indicando que seu portador faz parte de um grupo valorizado do qual a maioria está excluída. Neste sentido, cumprem a mesma função que as marcas tribais, a circuncisão, os símbolos religiosos e políticos, etc. [...] Na sua vasta porção inconsciente, não nos basta ser amigos do rei: somos o próprio rei, o herói, o caubói – e o nosso cavalo nem precisa falar inglês.”
em matéria de sorvetes, eu sou totalmente dominado por essa coisa simbólica ou fálica (como disse o Levi em seu comentário) pois só gosto da Kibon. rss
Mas nessas férias, tive o prazer de conhecer o sorvete Caicó, lá de Natal. Nas praias de lá onde fiquei, não passa Kibon nem Nestlé, só Caicó. E gostei muito o de amendoim rss
falou que o consumismo destrói um pouco o que a pessoa é. Sim, por que muitas vezes, não sabemos mais por que compramos um produto, uma marca, se é por que nós QUEREMOS de fato aquele produto, ou por que o compramos movidos por toda uma carga de PROPAGANDA e STATUS que ele carrega.
"As marcas do “grande outro” da mídia nos atrai, porque é pela existência de um OUTRO servindo de referência que nos definimos. " e "A busca inconsciente pelo poder nos rege em todos os aspectos de nossa vida. "
Essa é uma afirmação interessante neste contexto de relação desejo-marca-consumismo. Quando uma marca famosa nos seduz e fazemos tudo para tê-la, o que estamos fazendo é estabelecer uma ligação simbólica com a marca e o que ela pode nos dar, em detrimento da nossa própria subjetividade. Queremos relógios Rolex não por serem os mais eficientes do mundo (nem sei se são) e sim pelo poder do que a marca pode nos dar?
Nesse sentido, estamos todos nessa dinâmica de buscar poder? Mas nessa busca, não nos desconstruímos? Ou melhor, não deixamos de nos construir de forma mais autônoma?
Essa é uma tendência de praticamente a maioria das praias em que marcas regionais com preços mais acessíveis tomaram o mercado que antes era da Kibon. Se você vier para as praias de Mangaratiba, praticamente só vai ver Moleka entre os camelôs que circulam pela areia e nas calçadas. No Rio mesmo você só deve achar Kibon em praias frequentadas por um público de maior poder aquisitivo como seria o caso da Zona Sul, São Conrado e Barra. E, se pensar bem, os produtos das outras fábricas costumam ser mais doces do que os picolés da Kibon, o que agrada mais ao paladar infantil e aos costumes dos consumidores mais humildes.
Resposta: Entendo que nem sempre. A aquisição de um produto de marca pode ser explicada pela necessidade que a pessoa tem de se ajustar ao seu meio social. É a lógica do ter para ser.
"Mas nessa busca, não nos desconstruímos? Ou melhor, não deixamos de nos construir de forma mais autônoma?"
R: Sem dúvida que sim. Mas para não se perder totalmente, algumas pessoas acabam criando o próprio estilo sem dispensarem o uso dos produtos de marca. O consumidor se enquadra nos padrões sociais (ou do grupo), mas se diferenciando. No fundo acho que ninguém se desconstrói totalmente e aí entra a auto-valorização.
Atualmente existe a tendência de cada um ser a própria marca. A indústria automobilística já produz até carros personalizados, os quais custam mais do que os veículos padronizados ofertados pelas concessionárias. Seria uma tendência fora do convencional e que foge à imposição de modelos, mas sem excluir a marca do fabricante.
Na realidade, somos todos babélicos por natureza, Edu. Ou seja, existe uma tendência inata em nós em desejar um NOME ou uma Marca poderosa para dizer que é nossa.
E o Renato Mezan foi certeiro ao concluir:
“Como os poderosos são em pequeno número, usar um objeto de marca prestigiosa é também sugerir que pertencemos ao conjunto seleto dos que “podem” e “mandam”
”Nesse sentido, estamos todos nessa dinâmica de buscar poder"
(FOUCAULT, em "Arqueologia do Poder" p. 28).
Curiosamente, "poderosa" é como são chamadas as musas do funk que têm "poder" para oferecer. rss
Rodrigo, você não acha que um estilo dependente de uma marca já não cai no mesmo problema discutido?
Os poderosos incutem em nós o poder dos SÍMBOLOS (rsrs)
O vistoso escudo de Davi incutia em que o usava, um sentimento de orgulho, pois aludia a uma figura da maior importância no Velho Testamento. (rsrs)
Edu, nunca se esqueça que tudo no Universo tem nome! (rsrsrs)
Tenho lá minhas dúvidas...rss
Mas enfim, não sei realmente até que ponto há mal em querer estar na moda, ou ostentar a marca que todo mundo admira. Pode ser uma necessidade de "ter um nome", não é? E de ter poder. Nisso concordo com os comentários do Levi. O poder nos é sempre sedutor.
Conclusão:
O CAFONA também pode se tornar poderoso. Por que não?
(rsrs)