Questões acerca da morte (2ª Parte, por um viés psicológico)


Diante da questão da morte, os filósofos não poderiam simplesmente ignorar sua importância. Muitos filósofos, no decorrer da história da Filosofia, dedicaram profundas reflexões sobre o assunto na tentativa de apaziguar suas próprias consciências, e dar sentido àquilo que parece uma fatalidade, um absurdo, um castigo. A seguir veremos alguns dos principais filósofos nessas reflexões. 

Segundo a tradição, um dos maiores filósofos foi Sócrates, embora nada tenha escrito e quase tudo que conhecemos acerca de seu trabalho fora escrito por seu discípulo Platão. Os últimos momentos da vida de seu mestre encontra-se narrado no diálogo de “Fédon” ou “Da Imortalidade da Alma”. Sócrates corajosamente aceita a sentença que seus pares lhe impuseram, negando-se a fugir como propunha seus discípulos, pois para Sócrates, obedecer as leis da cidade era uma questão de honra. Devemos nos lembrar que Sócrates também era político, uma espécie de deputado ou senador de Atenas.

Aceitando sua sentença de morte, Sócrates dá sua última “aula” aos discípulos, revelando o caráter moral de sua decisão, de coerência com o que havia dito e vivido como cidadão ateniense. Fala das virtudes (temperança, coragem, justiça) e convida seus discípulos a serem fiéis aos apelos de suas consciências, mesmo enfrentando tamanha injustiça. Diz Sócrates: “Se morrer é encontrar-se com os grandes da história de Atenas (como Péricles, pai da democracia), a morte então seria um prêmio para ele”. Impressionado com a vida e também com a morte de seu mestre, Platão revelará em praticamente todos os diálogos que escreveu, como  no “A defesa de Sócrates”, o quanto seus ensinamentos e coerência de vida eram fundamentais para construção de uma sociedade justa e de uma vida feliz.

Podemos também falar de Epicuro, nascido na cidade de Samos, tornou-se discípulo de Demócrito com apenas quatorze anos de idade. Depois de muitas idas e vindas, instala-se em Atenas onde funda sua escola filosófica para homens e mulheres, que, como não podia deixar de ser, foi alvo de fofocas escandalosas. Epicurismo ou Hedonismo, tem como princípio de sua doutrina, pregar que a felicidade humana deve se basear na vivência do prazer, o que não significa desregramento ou, imoralidade. Para ele, o prazer devia ser regido pela razão, pelo equilíbrio, ou seja, a justa medida de Aristóteles.

Epicuro ensina seus discípulos a não temer a morte, pois pior seria viver para sempre e pior, viver em desgraça, miséria ou dor. Antecipar o pensamento de morte não vale a pena, pois o morrer, em si, não faz parte da vida. Será apenas um momento que, de repente nos conduzirá para outros horizontes ou para o nada. Assim como dormimos todas as noites e não percebemos como isso acontece, assim será a morte. Portanto, o que vale na vida de verdade, é procurar viver bem, desfrutar o que há de bom, viver intensamente cada instante, e estar com os amigos.

Também Martin Heidegger, filósofo alemão, e um dos principais pensadores do século vinte, que escreveu obras como “O ser e o Tempo”, é tido como um pensador Existencialista (embora não tenha aceitado o adjetivo). Mas, ao se preocupar com um sentido mais profundo para a existência humana, ou com a questão metafísica do “ser aí”, e ao afirmar que “o homem é um ser para a morte”, Heidegger certamente se inscreve entre aqueles que tiveram uma preocupação comum, aos filósofos denominados existencialista, como Sartre.

O ser humano vive sua existência como projeto, com suas infinitas possibilidades de realização no futuro, mas somente uma poderá ser sua escolha, que nunca é definitiva. A todo momento a liberdade humana é chamada a se posicionar, a se ajustar, mas sabendo que a própria liberdade não é um dado pronto e acabado. A liberdade se faz a cada momento que se coloca, a cada ato, livre ou não. Todavia o homem sabe que há uma “situação-limite” colocada pela morte. E este é um fato do qual homem algum poderá escapar, fazendo surgir assim a angústia existencial e as tantas perguntas sobre o sentido de nossa existência.

“Por que, e para que viver, se tudo acabará com a morte?” Quem nunca se fez esta pergunta? Devemos nos lembrar que para Heidegger, não podemos contar com a saída da crença em vida eterna, ou seja, imortalidade da alma, possibilidade dado pelos filósofos metafísicos tradicionais como Platão, Descartes, ou Leibniz.

Diante da angústia perante a desagradabilíssima e inevitável experiência da morte, o que não significa medo psicológico, depressão ou pensamento mórbido sobre a morte, temos duas saídas apenas: Uma existência autêntica dos que assumem essa angústia e aceitam sua finitude, voltando-se para um viver crítico, responsável e quem sabe livre. Se esta é a única vida que tenho, cabe somente a mim vivê-la em plenitude, a construí-la com os outros no mundo, sem medo, sem amarras, sem escravidão e mesquinharias.

A outra posição que um ser humano pode tomar diante dos pensamentos aterradores acerca de sua morte é o do homem inautêntico, que foge da angústia da morte, que nega a sua realidade por meio de mil subterfúgios, refugiando-se na impessoalidade, alienação religiosa e massificação. E por negar a angústia da morte, acaba por negar-se a si mesmo e a autenticidade de sua vida.

Mas e os que ficam? Deixemos de lado um pouco os Filósofos, e falemos dos psicólogos que buscam uma explicação e até uma sistematização do luto para quem perde um ente querido. Os psicólogos, observam, na clínica, o aumento do volume dessa demanda significativa no vivenciar e expressar essa dor, e que experimenta sensações e emoções até então desconhecidas e inconcebíveis.

Para quem fica, o que lhe resta é conviver com a “presença da ausência” e cada um lidará de uma maneira diferente com este sentimento. Não é uma dor física, produzida pela estimulação de terminações nervosas específicas em sua recepção, mas a dor com sentido, com razão de ser e significados muito subjetivos, com sentimento de pesar, de aflição. Alguns primeiramente NEGARÃO a existência desta dor. Criarão estratagemas para lidar com ela, fingirão que não aconteceu, inventarão situações que proporcionem certa alienação da realidade da perda e geralmente não quererão falar sobre o assunto.

Então surge a RAIVA, a indignação, os questionamentos do “por quê comigo?”, o que eu fiz para merecer isso?”. Revoltar-se-á com Deus, com os outros e até consigo. Alguém é o culpado e precisa ser punido. Vai tentar BARGANHAR na sequência. Dirá certamente que “há males que vem para o bem”, que “o que não me mata me deixa mais forte” e nesta negociação consigo mesmo, dirá que se sair desta situação será uma pessoa melhor, amará mais, ouvirá mais, perdoará mais, acertará mais, e se importará menos com problemas pequenos.

Até aqui tudo parece bem, mas então vem a DEPRESSÃO. É agora que a pessoa se afasta para um mundo que é só seu, acaba por isolar-se dos demais, inclusive das pessoas que lhe querem ajudar. Mergulha na melancolia e definitivamente se vê totalmente impotente para lutar com esta dor. Agora arrasada, se entristece muito mais do que outrora. O mundo fica cinza, as flores perdem as cores, o canto dos pássaros não agradam mais, pelo contrário, a felicidade impressa no canto deles chega a incomodar, assim como a felicidade de qualquer outro ser. A raiva retorna, aliás, não há uma sequência lógica para esses sentimentos, hora aparece um, hora surgirá outro. A mente da pessoa mais parece um barril de pólvora prestes a explodir à menor faísca.

Não há mal que dure cem anos”, já disse alguém não sei quem e não sei quando. Alguns...alguns repito, ACEITARÃO. Se a pessoa conseguiu vislumbrar uma luz no fim do túnel, e bravamente superou as fases mais atrozes de uma perda, ou de um luto mais especificamente, finalmente ela estará pronta para prosseguir sua vida. Não há mais desespero, não há mais raiva nem negação ou depressão, a dor agora já é quase imperceptível. Restou apenas uma saudade. O cheiro da pessoa que se foi, ficará em outras pessoas com as quais consequentemente cruzará na rua. Se não se desfez dos objetos do que se foi, as roupas ainda penduradas nos cabides trarão boas lembranças. Uma comida que ela gostava, uma canção que lembrará uma dança que aconteceu, e possivelmente lágrimas brotarão, e serão pesadas, difíceis de segurar, mas não serão lágrimas desesperadas, não serão lágrimas de dor, e sim de alegria. Alegria por poderem ter convivido com alguém tão especial.

Continua...

Edson Moura.

Comentários

Caro Edson,

Muito bom o texto que postou. Seja pelo conteúdo de qualidade e pelas reflexões propostas.

Sobre como encarar a nossa morte, ou melhor, como planejar a nossa vida tendo em vista o fator morte, penso que devemos sempre considerar o equilíbrio entre os nossos desejos e a possibilidade de realizarmos.

Ninguém em sã consciência fará um plano de previdência privada para si aos 80 anos ou iniciará uma obra para ser desfrutada aos 90 já que a possibilidade de viver mais uma década de vida será baixa mesmo nas melhores condições atuais.

Penso que essa adequação dos desejos e até mesmo a definição destes precisa ser sempre ponderada. Não só pela possibilidade de os alcançarmos como também para não gerar males para o próximo gerando infelicidades no meio social para nutrir o prazer de um ou de poucos indivíduos. E essa responsabilidade vai além da nossa existência terrestre sendo importante preocuparmos sobre como deixaremos as coisas depois da nossa partida da mesma maneira como gostaria que os outros deixassem a cama arrumada.
Encararba morte de alguém, que é a parte dois do seu texto, podemos considerar que existe aí uma involuntariedade dos sentimentos. Nem tudo conseguimos controlar no Cpo das emoções, mas podemos colaborar e procurar ajuda. Só acho que em alguns casos, a cicatrização será difícil como os pais perderem filhos estando eles mais velhos ou a viubez em idade avançada quando havia um companheirismo sincero pois é como sebpara tais pessoas sobreviventes a vida perdesse o sentido. Dificilmente projetarao em outros.
Em relação a Sócrates, eu fugiria de Atenas e não aceitaria a pena. Pois certamente ele encontraria numa outra cidade grega algum abrigo.

Mas, por outro lado, podemos entender por que Sócrates agiu daquele modo. Pois tudo o que queria era poder continuar livremente suas atividades e, se tal liberdade já não havia mais para ele, preferiu morrer. Talvez porque seu mundo se resumisse à comunidade ateniense ou as demais cidades gregas fossem mais medíocres ainda.

Todavia, Sócrates já não deveria ser tão jovem ao aceitar o castigo imposto (estou aí considerando sua existência histórica). Sendo assim, tendo então já passado pelos outros ciclos existenciais, não lhe interessava uma vida miserável em que suas necessidades de mais alto nível não poderiam mais ser satisfeitas.