A vida privada do militar não interessa ao Comando




Enquanto tem um monte de gente que morre precisando de um resgate por falta de agentes estatais disponíveis para prestar socorro imediato, o comando do 7º Grupamento do Corpo de Bombeiros do Paraná determinou que a soldado Lilian Villas Boas, de 32 anos, seja presa por oito dias. Tudo porque ela participou de um ensaio fotográfico sensual para um projeto do fotógrafo Arnaldo Belotto no mês fevereiro deste ano. Nas imagens, a bombeira aparecia com parte dos seios à mostra.

Tudo poderia ter ficado no esquecimento caso uma delegada civil daqui do Rio de Janeiro não tivesse printado as fotos e as encaminhado ao comandante em Curitiba. Por causa da representação sofrida, Lilian teve que responder a um processo processo disciplinar vindo a ser condenada. Segundo a nota de punição, publicada em um boletim interno da unidade militar, a aplicação da pena se deu por ela ter exposto "a intimidade e privacidade de seu corpo".




Data venia, essa foi uma decisão que transgride diretamente a nossa Constituição Federal visto que o Texto Maior. em seu artigo 5º, inciso V, protege a intimidade e a vida privada das pessoas de modo que cabe a cada cidadão dispor livremente de sua esfera pessoal, assim como da própria imagem, expondo-se ou não do jeito que achar que deve fazer. Logo, ainda que a bombeira resolvesse pousar totalmente nua para a Playboy, frequentar uma praia de naturismo ou ainda postar na internet um vídeo erótico, o comandante não teria nada a ver com as escolhas dela.

Com base no entendimento de J. Matos Pereira, citado pelo constitucionalista José Afonso da Silva no livro Curso de Direito Constitucional Positivo, 26ª edição, página 206, posso analogicamente afirmar que as fotos pessoais também constituem um bem do indivíduo que ele pode "decidir manter sobre seu exclusivo controle, ou comunicar, decidindo a quem, quando, onde e em que condições, sem a isso poder ser legalmente sujeito". E tal visão torna ampla a esfera da inviolabilidade, a qual, nas palavras de Moacyr de Oliveira, passa a abranger "o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral, fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos, segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros do indivíduo".

Portanto, não há decretos e nem mesmo leis que possam restringir aquilo que a Carta Magna considera como um direito fundamental da pessoa humana. Pois se trata da liberdade da pessoa que, apesar de exercer uma função militar, tem todo o direito de, nas suas horas de lazer, curtir aquilo que gosta. Do contrário, quem estará violando a intimidade e a privacidade será o Estado.

Certamente a situação seria diferente na hipótese da bombeira, por exemplo, exibir fotos dela com a farda ou usando uma viatura oficial para fins não laborais. Porém, não é este o caso. Lilian apenas dispôs-se a participar de um ensaio cujo objetivo foi o de exaltar o empoderamento feminino e a beleza das mulheres, sem o uso de técnicas de manipulação de imagem. Ou seja, não houve ali nada que fosse capaz de afrontar a instituição militar.

Felizmente, cabe recurso e espero que a decisão do comandante da bombeira seja revista.


OBS: As fotos acima são reproduções extraídas da internet, sendo a primeira dela obtida pela imprensa no Facebook.

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