"A agonia do Mercosul"




Por Luiz Carlos Hauly *

Concebido em 1985 pelos presidentes brasileiro José Sarney e argentino Raúl Alfonsín e formalizado em 1991, o Mercosul prometia a tão desejada integração comercial do Cone Sul latino-americano, capacitando-o a disputar mercado com as potências mundiais – que, então, articulavam a União Europeia e a Alca, esta capitaneada pelos Estados Unidos e envolvendo os países das três Américas.

Três décadas depois, a União Europeia é uma realidade irreversível em médio prazo, apesar de algumas defecções, e a Alca foi substituída pelo Tratado de Livre Comércio Trans-Pacífico, formalizado no ano passado, que concentra 40% da economia mundial. Estados Unidos e Japão são os cabeças do grupo. E o Mercosul? Fragilizado por barreiras comerciais, notadamente as impostas pela Argentina, e vedando a assinatura de tratados de livre comércio por seus membros, o bloco entrou em declínio. E violentou a cláusula democrática que regeu sua fundação, ao admitir, em 2012, como membro pleno a Venezuela – onde, desde o tempo do caudilho Hugo Chávez, são crônicos a falta de liberdade democrática e o respeito aos direitos humanos. A admissão da Venezuela foi precedida da suspensão temporária do Paraguai – outra violência -, a pretexto do impeachment do presidente Fernando Lugo, processo que obedeceu estritamente ao ordenamento constitucional.

O declínio do bloco se acentuou com o retrocesso econômico da Argentina e Brasil, motivado pela política populista e forte intervenção estatal adotada por seus presidentes, a saber: Cristina Kirchner e Dilma Rousseff. As duas deixaram o cargo (Dilma provisoriamente, por enquanto), e seus sucessores estão soltando as amarras do estatismo. O Uruguai, onde também houve troca de presidente – saiu José Mujica, entrou Tabaré Vásquez -, mantém a economia de mercado, apesar da prevalência da esquerdista Frente Ampla. A economia venezuelana, minada por Chávez, deteriorou-se ainda mais com Nicolás Maduro. O Paraguai vai de vento em popa.

E chegou a hora, em observância ao princípio da rotatividade, de a Venezuela assumir a presidência do Mercosul. Argentina, Brasil e Paraguai se rebelaram: como dar o comando a um país arruinado economicamente e subjugado por um ditador impiedoso e destrambelhado? Não é apenas a cláusula democrática renegada pela Venezuela que levou a essa tomada de posição, mas a inobservância desse país de transformar em leis os termos do acordo que formalizou sua admissão. Os chavistas demonstram em relação a seus parceiros comerciais o mesmo desdém que os orienta em matéria de democracia e respeito às liberdades individuais.

Argentina, Brasil e Paraguai propõem a presidência colegiada até o final do ano, delegando-a à Argentina (a primeira em ordem alfabética) a partir de janeiro de 2017. E, ainda, a Venezuela seria rebaixada à condição de membro associado, como Bolívia e Chile. Uruguai e naturalmente a Venezuela protestam, e o que deveria ser um bloco resultou em duas facções.

O impasse está criado. E enseja, além de uma solução para o membro espúrio que é a Venezuela, uma profunda reformulação dos princípios do Mercosul, a começar da revisão do veto à proibição de que seus membros façam acordos individuais de livre comércios. Pois, se já agonizava, em contraste com a vitalidade dos outros blocos, o affaire venezuelano deflagrou o estado comatoso do Mercosul. Uma terapia intensiva e invasiva – e urgente – é indispensável para que recobre a vida.

(*) O autor é deputado federal pelo PSDB/PR.


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