Sobre as "nomeações com efeitos retroativos" nas prefeituras




Lamentavelmente parece ter se banalizado nos municípios brasileiros as chamadas "nomeações com efeitos retroativos" sendo que, aqui em Mangaratiba, as coisas não são muito diferentes das demais prefeituras do país. Pois, conforme pesquisa realizada no nosso Diário Oficial, durante os últimos meses até a mais recente edição, de 14/10/2016, foram verificados inúmeros atos desse tipo para o preenchimento de cargos comissionados na super inchada Administração Pública local.

O fato é que não há previsão legal para a nomeação/designação retroativa de servidores/empregados públicos. Aliás, é de comezinha sabença que ao administrador público só é possível fazer aquilo que a lei permite, segundo impõe o princípio da legalidade.

Além do mais, a nomeação trata-se de um ato constitutivo de efeito atual, não podendo o prefeito querer retroprojetá-lo para o passado. Por isso, a meu ver, atos de nomeação retroativa podem ser declarados nulos, inclusive por ação judicial, tanto em ação popular, movida por qualquer cidadão, em gozo de seus direitos eleitorais, como por iniciativa do Ministério Publico por ação civil pública. 

Numa consulta aos artigos 9º a 12 da Lei Federal n.º 8.429/92, verifica-se que tanto quem nomeou como quem se beneficiou ilicitamente da nomeação pode ser responsabilizado. Inclusive, cabe até a perda da função pública do responsável pela nomeação dentre outras penalidades legalmente previstas.

Ora, como agente público, um prefeito municipal deve zelar pela obediência aos princípios que regem a atividade administrativa explícitos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Segundo ensinam os doutrinadores do Direito Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, 

"concebidos os princípios como espécies das normas jurídicas, a análise da deontologia dos agentes públicos pressupõe, necessariamente, que todos os seus atos sejam valorados em conformidade com as regras e os princípios que os informam" (Improbidade Administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.)

Nesse sentido, a Lei 8.429/92, ao dar concretude ao artigo 37, § 4º da Constituição Federal, considerou ato de improbidade administrativa a mera violação aos princípios regentes da atividade estatal e, assim, conferiu novos contornos à compreensão da probidade, tida, até então, como especificação do princípio da moralidade administrativa. Logo, segundo a disciplina constitucional, a probidade não mais se encontra relacionada exclusivamente à moralidade administrativa, mas à juridicidade, assim entendida o conjunto de princípios e regras regentes da atividade estatal.

Ademais, a moral administrativa, seguindo o entendimento dos juristas citados, é extraída do próprio ambiente institucional e condiciona a utilização dos meios previstos em lei para o cumprimento das funções estatais e a realização do bem comum. Ou seja, a moral administrativa pauta a conduta dos agentes públicos, no âmbito institucional, a partir da ideia de boa administração, conforme os princípios regentes da atividade estatal.

Indiscutivelmente, vulneram a moralidade administrativa a edição de ato administrativo não amparado em lei que é a nomeação com efeitos retroativos para a ocupação de cargo/emprego público comissionado. Por isso, acentuando o dever do agente público de agir com respeito à moralidade administrativa e, ainda, aplicar os princípios do Estado Democrático de Direito (buscar o bem comum, preservar a ordem pública e promover a incolumidade das pessoas), discorrem os autores em sua obra citada:

"A moralidade limita e direciona a atividade administrativa, tornando imperativo que os atos dos agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana. Além de restringir o arbítrio, preservando a manutenção dos valores essenciais a uma sociedade justa e solidária, a moralidade confere aos administrados o direito subjetivo de exigir do Estado uma eficiência máxima dos atos administrativos, fazendo que a atividade estatal seja impreterivelmente direcionada ao bem comum, buscando sempre a melhor solução para o caso."

Acrescente-se que, mesmo se a pessoa nomeada tenha ou não trabalhado efetivamente para a Prefeitura, não há como se reconhecer uma prestação informal do serviço à Administração Pública, sem a prévia constituição do vínculo com o Município. Logo, torna-se flagrantemente ilegal e imoral qualquer ato de nomeação retroativa. 

Além de macularem a legalidade e a moralidade administrativa, as reiteradas condutas dos prefeitos que fazem uso dessa prática também não se mostram de acordo com o princípio da impessoalidade. A suspeita de sua violação explica-se pela fundada suspeita de que essas decisões administrativas adotadas costumam privilegiar os interesses de particulares das pessoas nomeadas beneficiando-as com o recebimento de remuneração retroativa ao período em que iniciaram no exercício indevido da função.

Ora, incontestável é a legitimação do Ministério Público para promover a defesa do patrimônio público por meio da ação civil pública, o que advém tanto da Constituição Federal quanto da legislação infraconstitucional. Neste caso, o alcance de uma ação civil publica seria maior do que o de uma demanda popular! Pois, na propositura de ACP, poderá ser requerida a condenação das pessoas envolvidas (de quem nomeou e dos favorecidos), obrigando-as a ressarcir os cofres públicos.

Sendo assim, convoco cada brasileiro a lutar contra essa situação de ilegalidade e inconstitucionalidade sendo que todos podemos fazer a nossa parte fiscalizando as publicações oficiais a fim de que novas nomeações "com efeito retroativo" não sejam mais praticadas. Pois, se assim não for, a situação de ilegalidade prolongar-se-á de forma indefinida nos municípios brasileiros sendo a população continuamente lesada com os maus serviços prestados em que os nossos impostos estariam servindo até para sustentar pessoas que nem sabemos se estavam ou não já trabalhando anteriormente na Administração Pública.

Felizmente, tramita na Câmara Federal o Projeto de Lei n.º 2.966/2015, de autoria do deputado paranaense Aliel Machado, o qual, dentre outras providências, pretende estabelecer que o ato de nomeação com efeitos retroativos não afaste o crime de usurpação de função previsto no artigo 328 do Código Penal (clique AQUI para ler o inteiro teor da proposição). Porém, conforme o andamento no sítio da Casa Legislativa na internet, o PL encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) desde o dia 29/01 do corrente ano, sendo relator o petista José Mentor.  

Mais do que nunca, a sociedade civil precisa reagir. Além de denunciarmos essa prática ilegal ao Ministério Público, devemos exigir que esse projeto de lei ande com celeridade no Congresso Nacional sendo que também, nas assembleias legislativas e câmaras municipais, iniciativas podem ser tomadas em níveis estadual e local para por fim à farra das nomeações dentro de cada Administração.


OBS: Ilustração acima extraída de uma postagem do grupo de debates https://www.facebook.com/groups/514615092021210/permalink/678131199002931/ 

Comentários