Lembranças da gaiola - parte 2

Presidente: espero não estar infringindo nenhuma regra. Como tenho até quinta-feira para ficar na vitrine, vou dividir o tempo para postar logo a segunda parte, ok?


* * * * * * *
Meu pai tinha uma coleção de teologia da CPAD de uns 15 livros. Hoje sei que eram bem básicos, mas para mim, um garoto de 15 anos, ávido por conhecimentos bíblicos, aquilo era uma tremenda feijoada. Li todos eles e esta foi a minha base ortodoxa até pelo menos, os 26 anos.


Antes disso, como eu disse no último parágrafo do texto anterior, de tanto buscar o "batismo com o Espírito Santo", eu acabei tendo a experiência extática mais esquisita da minha vida. Naquela oração, cheia de um clima espiritual forte, com toda aquela emoção pairando no ar, a dirigente chama lá prá frente quem queria receber o batismo. Como eu precisava daquela experiência para ser diácono e prosseguir na hierarquia eclesiástica até o pastorado, busquei-a com todo fervor. E naquele culto de oração aconteceu.


Para os assembleianos a cena é familiar: Muita gente glorificando, muitas aleluias, muita emoção e um sincero desejo de poder "tocar em deus". Até que uma irmã pôs a mão na minha cabeça e a minha língua começou a pronunciar textos desconexos. Tenho que confessar que é uma experiência dramática em todos os sentidos.


Fiquei umas 3 horas seguidas repetindo aquelas "palavras" desconexas e estranhas e não conseguia parar de falar. O êxtese era fenomenal. A alegria indizível. Parecia de fato, que eu estava de frente a deus conversando cara a cara com ele. Não vou aqui discutir a validade da experiência, mesmo porque já fiz isso a algum tempo atrás lá na minha sala.


No ano sequinte eu era consagrado a diácono. Comecei a pregar mais e mais. Eu lia e estudava muito. Mas eu só fui mesmo conhecer o liberalismo teológico muito tarde, já com uns 23 anos. E conheci lendo um livro ortodoxo do pastor Abrãao de Almeida, que evidentemente, condenava totalmente os teólogos liberais. Nada de discussão, só condenação.


E aí, eu comecei a pôr as assinhas para fora da gaiola...

Se tinha uma coisa que me revoltava na Assembléia de Deus de uns anos atrás eram os usos e costumes. Hoje, praticamente não existe mais tantos "não pode". Mas naquele tempo ainda era uma coisa muito forte. Então, de tanto eu ouvir presbíteros e o próprio pastor sempre repetindo que irmã que cortava o cabelo ia para o inferno, não aquentei mais tanta idiotice e pedi prá sair.

A reunião que oficializou a minha saída do arraial assembleiano não foi muito tranquila. Nesse tempo, Miquel Ângelo começara a pregar a predestinação. E aí, eu fiquei fascinado com o tema. Apesar de ler muito, nunca tinha estudado a predestinação nos moldes calvinistas. E lá fui eu, passar uns tempos na igreja Cristo vive para aprender a predestinação. Nem precisa dizer que os meus antigos amigos de ministério que antes me viam como um futuro pastor, começaram a dizer que eu tinha virado herege, já que a predestinação para eles, era um heresia.

Comecei a procurar livros sobre o tema e fiquei espantado como haviam vários títulos sobre o assunto. Virei calvinista...não muito convicto. Mas depois de frequentar durante 6 meses os cultos do Miquel eu estava cheio de ouvir sobre predestinação, já que ele reformulou toda a teologia da sua igreja e começou a fazer literalmente, uma lavagem cerebral nos membros para que todos se convencessem que eles agora eram "pedras vivas predestinados antes da fundação do mundo"...isso repetido toda quarta e domingo me deu indigestão, principalmente com a arrogância do Miquel Ângelo que cheou a dizer que nem Calvino tinha a revelação que ele tinha.

Chutei o balde de novo e fui respirar ar puro.

Então, eu já era  meio ortodoxo, meio liberal, agora membro da primeira igreja neo-pentecostal do Brasil, a Igreja de Nova Vida, fundada nos anos 70 pelo pastor Roberto Macalister. Fiquei nessa igreja durante 10 anos e perdi por completo a vontade de ser pastor. Durante todos esses anos, dirigi um grupo teatral. Comecei a estudar teatro e me tornei um bom diretor teatral amador. Nosso grupo era muito bom e eu escrevia umas peças bem diferentes das que normalmente se viam nas igrejas.

Fazíamos muitas apresentações pelas igrejas aqui do Rio e sempre nos envolvíamos em projetos sociais. Foi um tempo muito bom. Minhas concepções teológicas agora, já estavam todas modificadas. Comecei a cursar o seminário e aí a coisa ficou boa. Lá encontrei alguns poucos professores com umas cabeças privilegiadas que me fizeram ver que teologia é uma coisa que se faz e que não existe teologia certa ou errada.

Foi nessa época que eu comprava livros teológicos de tudo que era jeito. Eu devo ter comprado com o nosso amigo Wagner uns 100 livros durante os quatro anos de curso. E comecei também a estudar muito as religiões e a ficar fascinado pela cultura religiosa do mundo. Não tinha mais como eu sustentar a pretensão do Cristianismo em ser a única religião que salva, visto que é o Cristianismo que possui o Salvador.

Pronto, forcei mais um pouco, quebrei a janela e fugi da gaiola.

A partir daí, comecei a formar a cabeça crítica e não domesticada que ainda estou construindo hoje, com a ajuda de todos vocês. Não gosto mais de comida enlatada. Não gosto mais de teologia fechada, absoluta, pretensiosa. 

E hoje, sou membro de uma igreja batista. Evidente que não penso como batista, mas não tenho como me livrar do cristianismo, muito menos de Jesus de Nazaré, que é o meu salvador. Sim, tenho Jesus como meu salvador. Quem mais teria as palavras de vida eterna...?

Comentários

Anônimo disse…
Comentário 1 de 2

Sem problemas, o tempo é seu, pode aproveitá-lo da maneira que melhor lhe convier.

Já volto.

Abraço.
Eduardo Medeiros disse…
Meus amigos, este é apenas um relance da minha vida igrejeira. Agora, realmente, vocês conhecem um pouco da minha trajetória, que não é nada diferente da maioria de vocês. (deixo de fora aqui os amigos Ed e Hub, e a nossa Paulinha, que nunca foi engaiolada rsss).

Não estou dizendo que nossos amigos Ed e Hub são engaiolados no sentido ruim que demos à palavra. Se fossem, eles não estariam aqui, discutindo e interagindo conosco. E eles também são críticos desse cristianismo de mercado que tem por aí. Só lhes faltam alguns passos para serem "hereges beleza" como nós rssss

LEVI,

que belo segundo comentário que você fez, realmente digno de estar lá no seu "Ensaios & Prosas". E o "Cordelzinho da gaiola" está muito bom.

PAULINHA,

Também não é assim. Por incrível que pareça, ainda existem igrejas que presam a tradição cristã clássica. Sou membro de uma agora. E somente por isso, pude ainda ser membro de alguma igreja.

GRESDER,

com toda certeza você é bem mais "prodigioso" do que eu, visto que na sua idade eu ainda estava dando os primeiros passos para a autonomia de pensamento. E você é bem observador, visto que consegue enxergar em mim, o jovem crente que eu fui. Ainda sou crente, mas não mais enlatado rssss

Creio que eu preciso construir um novo cristianismo para mim. Não posso, como já disse, "me livrar" de Jesus pois sou apaixonado por ele. Mas você já escreveu que o Gresder é o herege e o Esdras é o cristão de fé de menino que não precisa teologizar nem discutir o sexo dos anjos. Quem sabe eu consigo seguir por esse caminho? O problema é que eu sou monista e esse dualismo para mim é muito esquisito rssss
Anônimo disse…
Edu

A sua história é "familiar" a todos nós, e não só a mim neste caso. Mas, fico pensando: e aqueles que não seguiram o mesmo caminho que você? Aqueles que preferiram a glória efêmera dos cargos ministeriais a alçarem o perigoso e incerto vôo pra fora das gaiolas denominacionais e religiosas? Pessoas perdidas, meio-mortas, vivendo uma coisa e crendo em outra, por certo.

Abraços.
Unknown disse…
Ed, por mais que tenhamos saído da gailoa, ainda somos passarinhos.
Hubner Braz disse…
Ed, resumo do seu post em 5 linhas, rsrsrs.

Historia bonita, historia sem rumo.
Igrejas e igrejas a visitar, e quase nenhuma à fixar
Palavras enlatadas e sem prumo.
E o que você acha das pré-raizes do mundo.
E diz: Prefiro as prontas, quentes. Que venha a criticar.

Protestos sobre a gaiola.

Não me encare dessa maneira
me deixando constrangido
esqueça-me, desapareça
já lhe indiquei um caminho

Por mais que busque explicar
você parece não entender
que necessito de espaço
para em paz poder viver

Gosto de viajar, de voar
gosto de ser livre, de sumir
sem ter algemas, chaves
nem destino para seguir

Não me prenda, nem me castre
pois assim você me perderá
aos poucos, como um curió
que da gaiola se libertará.

The End.

Postei um novo e polêmico comentário... e só pra alegrar o coração do MARCINHO, "rsrsrs, comecei com uma "parabola infantil" rsrsrs,
e termino com um DESABAFO!! aos grandes e pequenos.

olhe e Leia!

Hubner Braz
http://hubnerbraz.blogspot.com/
Unknown disse…
Mano Dudu;

Que alto-biografia mais impolgante, digna de alguém que está em busca de liberdade para se encontrar com o Deus da realidade. Creio que sua estória é muito semelhante com a de todos desta confraria, principalmente a minha.

Hoje Dudu, Eu vejo a experiência com Deus como algo particular, e que varia em cada individuo, com isto não estou dizendo que existem varios deuses, mas que são muitas as formas de percebe-lo e recebe-lo em nosso coração. Deus é unico e cosegue estar dentro de cada um de nós.
Marcio Alves disse…
Duzinho, já percebeu como os ortodoxos, os "guardiões da reta doutrina", tem medo de olharem por cima da cerca?

Não somente tem medo, como proíbem quem assim o fazem, taxando logo de hereges, mas também não é pra menos, a teologia fundamentalista é muito frágil, não se sustenta no chão da existência, sem falar ainda, que os teólogos liberais são bem melhores que os ortodoxos, não dá nem para comparar.

Rotulam de hereges como um meio de precaver os crentes engaiolados de procurarem estudar a teologia liberal, ou seja, não apresentam argumentos contrários, pois não tem argumentos para isto, restando como arma, denegrirem a imagem dos liberais.

E como os engaiolados não tem vida própria, segue-se então o curso da multidão despersonalizada massificada e emburratizada.
Hubner Braz disse…
Marcinho, me considere como um fã, admiro a sua criatividade na escrita.

Tanta facilidade de expressar comprova a sua liberdade de voar. Que bom, estarmos fora da gaiola para nivelarmos a disciplina e a liberdade paradoxal e "existêncialista".

Na sombra de um templo, meu amigo me apontou um cego. Meu amigo disse: " Este homem é um sábio".
Aproximamos, e perguntei: "desde quando o senhor é cego?"
"Desde que nasci".
"Eu sou um astrônomo", comentei.
"Eu também", o cego respondeu. E, colocando a mão em seu peito, disse: "Passo a vida observando os muitos sóis e estrelas que se movem dentro de mim".
Edson Moura disse…
Eduardinho meu capitão des-engaiolado!

Olha Dudu..sua história de igreja não é diferente da minha não viu meu amigo....a diferença é que eu tinha ao meu lado o Marcio, ele sempre caminhou comigo desde os primeiros passos no evangelho de Cristo.

Uma coisa interessante foi quando eu iria ser "elevado" ao Grau de "diacono" (servo rss)...confesso aqui em público:

Tive que fingir falar linguas estranhas para que meu pastor não se decepcionasse.

Foi a pior coisa que já fiz na minha vida...não durei muito mais na igreja...pois a ética me impedia de viver uma mentira..e ainda assim...pregar sobre ela!

Parabéns pela fuga da gaiola....quando crescer, quero pensar como você...ou acha que é só ao Gresdinho que você influencia?

Beijão capitão!
Anônimo disse…
DUDU,

Obrigada pelos esclarecimentos, porque nem dormi estas noites pensando nas tais gaiolas que existem por aí....hahahahhahaah...

Brincadeirinha.....mas adorei as suas duas postagens, que tiveram por objetivo trocar experiências, mas que de uma certa forma, acabaram por colaborar ainda mais com a aprendizagem de cada um.

Parabéns Amigo!!
Muita paz no seu coração!!
Amigos.É legal, e até imprescindível falar da liberdade.Eu que sou Existencialista até a medula não presciso ficar constrangido por afirmar isto. Todavia, devemos sempre lembrar: o pássaro que foge da gaiola e voa livremente nunca será absolutamente livre.
Unknown disse…
Voltaire, explica melhor esse seu comentário do passarinho. Não captei vossa filosofada rsrs
Unknown disse…
Eduardo, lembro-me da pressão que havia para que fôssemos usados em "dons" na igreja, eu sendo ainda obreiro já sentia. Não era explicito (sempre na subjetividade), mas eu me sentia o lixo dos lixos por não conseguir ser tão "espiritual" como os outros.

Qual não foi minha surpresa quando eu descobri que na maioria dos casos, aquilo não passava de verborragia, um fluxo de palavras vindo do subconsciente (e ainda em alguns casos, do consciente), e que não passavam de auto-engano dos "usados".

Poucos casos posso me recordar de palavras realmente inspiradas.
Hubner Braz disse…
Olá Excelentissimo Isaias,

Quem será o próximo à deixar o seu post??? e que dia vai ser publicado???

"Como é limitada a visão que exalta a operasidade da formiga acima do canto do grilo!"

Abraços fraternais

Hubner Braz
http://hubnerbraz.blogspot.com/
Eduardo Medeiros disse…
EDSON, estou escandalizado!! você fingindo balábalábalá.....heeeee o que é que a pressão dos pseudo-espirituais podem provocar num jovem bem intencionajdo, não é?

HUB, meu amigo, tenho que concordar com o BIL, de que apensar de fora da gaiola, somos todos PASSARINHOS...muito bom isso, BILL!! Mas agora podemos usar nosas asas antes atadas pelo ranço de uma espiritualidade adoecida e castradora do viver autêntico.

VOLTARIE, tudo bem? O pássaro fora da gaiola é livre da gaiola da religiosidade impositiva, castradora, absolutista e mentirosa.

MARCINHO, os donos da verdade só podem impor a sua verdade, cegando seus seguidores para o que existe fora dos seus muros. O pior é que todos eles se deijam cegar por livre e espontânea ignorância e vontade.

ISA, alguns amigos meus de juventude (não que eu não seja jovem ainda, que fique claro), hoje são pastores e estão acomodados dentro da mentira que eles finguem que é verdade.

Aliás, falando nisso, um amigo meu que fez seminário comigo é um bom exemplo ao contrário: um cara inteligente e com vocação pastoral, mas acabou chutando o balde: largou a igreja que pastoreava por não aquentar mais a politicagem descarada que rola nos bastidores.

PAULINHA, nossa princesa da Confraria: você tem uma alma cristã muito bonita e nunca precisou de ser membro de uma igreja para isso. Ou talvez, por causa disso!!! Mas o que eu disse é verdade: ainda existem boas igrejas onde se você quiser, poderá se membrar. Ser membro tem uma coisa de bom que é a comunhão e a amizade que você pode fazer com pessoas da mesma fé.

Abraços a todos confraternos
Anônimo disse…
Então, Hub.

Amanhã será a vez do nosso Billy the Kid, Gabriel, postar o seu texto. Sendo que, após o Gabriel será a minha vez, visto que o Gresder foi o primeiro a postar e por isso precisará esperar no final da fila.

Boa postagem, Bill

Abraços.
Anônimo disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse…
Amigos,

Interessante como os temas sempre vem e vão, rsrs.
O Gabriel me disse hoje que o que não muda são as opiniões dos comentaristas dos blogs, rsrs.

Mas creio que mudam sim, é uma questão de tempo.

Em 26 de agosto de 2009 escrevi um texto intitulado "A falsa segurança oferecida na Gaiola" segue o link http://evaldocristao.blogspot.com/2009/08/falsa-seguranca-oferecida-na-gaiola.html

Na minha "desconversão" e "desconstrução" meu desejo era contra a religião, ou seja, a gaiola.

Mas como todas as pessoas vão amadurecendo aos poucos, hoje, já vejo a religião como um artifício isento de Deus, porém necessário. Como assim? Como algo necessário culturalmente para indivíduos que não conseguem assumir responsabilidades ou que somente conseguem ser pessoas boas debaixo dela.

Não peço para sair, trocar, ou indico mais religião/igreja.

Digo apenas ao evangélico que continue com sua religião.
Espírita, continue com sua religião.
Muçulmano, continue.
Católico, continue.

Apenas entendam que Deus não conhece muçulmano, católico, evangélico, etc.

Imagine um batista diante de Deus (texto meramente ilustrativo):
Deus -> "Vamos olhar sua ficha, você é o Jhon. Me fale de você Jhon"
Jhon -> "Eu ia aos cultos, era batista".
Deus -> "Batista? Que diabos é isto Jhon?"
Jhon -> "Uma denominação Evangélica".
Deus -> "Jhon, deixa de enrolar, eu quero saber de você porque teve diversas oportunidades de fazer o bem e não fez em nenhuma delas"....

Na realidade a gaiola que nos aprisiona é nossa própria mente, quando deixamos nos enganar pelas ilusões que nos são apresentadas.

Abraços.

Evaldo Wolkers.