terça-feira, 30 de janeiro de 2018

"a sobrevivência da democracia brasileira está nas mãos da esquerda e do centro-esquerda"





Por Boaventura de Sousa Santos*

Dirijo-me aos democratas brasileiros porque só eles podem estar interessados no teor desta mensagem. Vivemos um tempo de emoções fortes. Para alguém, como eu e tantos outros que nestes anos acompanhamos as lutas e iniciativas de todos os brasileiros no sentido de consolidar e aprofundar a democracia brasileira e contribuir para uma sociedade mais justa e menos racista e menos preconceituosa, este não é um momento de júbilo. Para alguém, como eu e tantos outros que nas últimas décadas se dedicaram a estudar o sistema judicial brasileiro e a promover uma cultura de independência democrática e de responsabilidade social entre os magistrados e os jovens estudantes de direito, este é um momento de grande frustração. Para alguém, como eu e tantos outros que estiveram atentos aos objetivos das forças reacionárias brasileiras e do imperialismo norte-americano no sentido de voltarem a controlar os destinos do país, como sempre fizeram mas pensaram que desta vez as forças populares e democratas tinham prevalecido sobre eles, este é um momento de algum desalento.

As emoções fortes são preciosas se forem parte da razão quente que nos impele a continuar, se a indignação, longe de nos fazer desistir, reforçar o inconformismo e municiar a resistência, se a raiva ante sonhos injustamente destroçados não liquidar a vontade de sonhar. É com estes pressupostos que me dirijo a vós. Uma palavra de análise e outra de princípios da ação.

Porque estamos aqui? Este não é lugar nem o momento para analisar os últimos quinze anos da história do Brasil. Concentro-me nos últimos tempos. A grande maioria dos brasileiros saudou o surgimento da operação Lava Jato como um instrumento que contribuiria para fortalecer a democracia brasileira pela via da luta contra a corrupção. No entanto, em face das chocantes irregularidades processuais e da grosseira seletividade das investigações, cedo nos demos conta de que não se tratava disso mas antes de liquidar, pela via judicial, não só as conquistas sociais da última década como também as forças políticas que as tornaram possíveis. Acontece que as classes dominantes perdem frequentemente em lucidez o que ganham em arrogância.

A destituição de Dilma Rousseff, a Presidente que foi talvez o Presidente mais honesto da história do Brasil, foi o sinal que a arrogância era o outro lado da quase desesperada impaciência em liquidar o passado recente. Foi tudo tão grotescamente óbvio que os brasileiros conseguiram afastar momentaneamente a cortina de fumo do monopólio mediático. O sinal mais visível da sua reação foi o modo como se entusiasmaram com a campanha pelo direito do ex-Presidente Lula da Silva a ser candidato às eleições de 2018, um entusiasmo que contagiou mesmo aqueles que não votariam nele, caso ele fosse candidato. Tratou-se pois de um exercício de democracia de alta intensidade.

Temos, no entanto, de convir que, da perspectiva das forças conservadoras e do imperialismo norte-americano, a vitória deste movimento popular era algo inaceitável. Dada a popularidade de Lula da Silva, era bem possível que ganhasse as eleições, caso fosse candidato. Isso significaria que o processo de contra-reforma que tinha sido iniciado com a destituição de Dilma Rousseff e a condução política da Lava Jato tinha sido em vão. Todo o investimento político, financeiro e mediático teria sido desperdiçado, todos os ganhos econômicos já obtidos postos em perigo ou perdidos. Do ponto de vista destas forças, Lula da Silva não poderia voltar ao poder. Se o Judiciário não tivesse cumprido a sua função, talvez Lula da Silva viesse a ser vítima de um acidente de aviação, ou algo semelhante. Mas o investimento imperial no Judiciário (muito maior do que se pode imaginar) permitiu que não se chegasse a tais extremos.

Que fazer? A democracia brasileira está em perigo, e só as forças políticas de esquerda e de centro-esquerda a podem salvar. Para muitos, talvez seja triste constatar que neste momento não é possível confiar nas forças de direita para colaborar na defesa da democracia. Mas esta é a verdade. Não excluo que haja grupos de direita que apenas se revejam nos modos democráticos de lutar pelo poder. Apesar disso, não estão dispostos a colaborar genuinamente com as forças de esquerda. Por quê? Porque se vêem como parte de uma elite que sempre governou o país e que ainda não se curou da ferida caótica que os governos lulistas lhe infligiram, uma ferida profunda que advém do facto de um grupo social estranho à elite ter ousado governar o país, e ainda por cima ter cometido o grave erro (e foi realmente grave) de querer governar como se fosse elite.

Neste momento, a sobrevivência da democracia brasileira está nas mãos da esquerda e do centro-esquerda. Só podem ter êxito nesta exigente tarefa se se unirem. São diversas as forças de esquerda e a diversidade deve ser saudada. Acresce que uma delas, o PT, sofre do desgaste da governação, um desgaste que foi omitido durante a campanha pelo direito de Lula a ser candidato. Mas à medida que entrarmos no período pós-Lula (por mais que custe a muitos), o desgaste cobrará o seu preço e a melhor forma de o estabelecer democraticamente é através de um regresso às bases e de uma discussão interna que leve a mudanças de fundo. Continuar a evitar essa discussão sob o pretexto do apoio unitário a um outro candidato é um convite ao desastre. O patrimônio simbólico e histórico de Lula saiu intacto das mãos dos justiceiros de Curitiba & Co. É um patrimônio a preservar para o futuro. Seria um erro desperdiçá-lo, instrumentalizando-o para indicar novos candidatos. Uma coisa é o candidato Lula, outra, muito diferente, são os candidatos de Lula. Lula equivocou-se muitas vezes, e as nomeações para o Supremo Tribunal Federal aí estão a mostrá-lo.

A unidade das forças de esquerda deve ser pragmática, mas feita com princípios e compromissos detalhados. Pragmática, porque o que está em causa é algo básico: a sobrevivência da democracia. Mas com princípios e compromissos, pois o tempo dos cheques em branco causou muito mal ao país em todos estes anos. Sei que, para algumas forças, a política de classe deve ser privilegiada, enquanto para outras, as políticas de inclusão devem ser mais amplas e diversas. A verdade é que a sociedade brasileira é uma sociedade capitalista, racista e sexista. E é extremamente desigual e violenta. Entre 2012 e 2016 foram assassinadas mais pessoas no Brasil do que na Síria (279.000/256.000), apesar de este último país estar em guerra e o Brasil estar em “paz”. A esquerda que pensar que só existe política de classe está equivocada, a que pensar que não há política de classe está desarmada.


(*) Boaventura de Sousa Santos, nascido em Coimbra, na data de 15 de Novembro de 1940, é doutor em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale (1973), além de professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e distinguished legal scholar da Universidade de Wisconsin-Madison. Foi também global legal scholar da Universidade de Warwick e professor visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres. Seu livro mais recente é A difícil democracia: reinventar as esquerdas (Boitempo, 2016). Pela Boitempo, publicou também Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social (2007). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

OBS: Artigo, imagem e informações sobre o autor extraídos do blogue do teólogo Dr. Leonardo Boff, sob o título Boaventura: Mensagem aos democratas brasileiros, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2018/01/28/boaventura-mensagem-aos-democratas-brasileiros/

domingo, 28 de janeiro de 2018

Será que teremos um enxame de candidaturas avulsas no Brasil?!



Para as eleições de outubro, sinto que algo de novo poderá acontecer e causar um considerável impacto em nossa nossa democracia com efeitos ao mesmo tempo positivos e negativos. Trata-se da possibilidade de um cidadão apresentar uma candidatura avulsa.

Primeiramente, vamos entender o que vem a ser isso que é a possibilidade de pessoas sem filiação partidária concorrerem a cargos eleitorais. Pois, para nós brasileiros, embora nunca tenhamos assistido a algo assim, eis que, na maioria dos países democráticos, é muito comum. O exemplo mundial mais recente e expressivo seria a vitoriosa eleição do independente Emmanuel Macron na França. E, até março de 2017, uma outra potência européia que é a Alemanha era presidida por Joachim Gauck, também eleito sem pertencer a nenhuma agremiação partidária.

Pois bem. Embora a Minirreforma Eleitoral de 2017 (Lei nº 13.488/2017) tenha tentado barrar isso, ao acrescentar o parágrafo 14 ao artigo 11 da Lei Federal n.º 9.504/97, no sentido de vedar expressamente o registro de candidaturas avulsas, mesmo que o requerente seja filiado a algum partido, ainda assim temos uma controvérsia jurídica provocada desde as eleições municipais de 2016 no Rio de Janeiro. O motivo é que o artigo 14, parágrafo 3º, da nossa Constituição apenas determina que para concorrer às eleições o interessado deve estar filiado a algum partido. E, como o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o Pacto de San José da Costa Rica, o qual não prevê a filiação partidária como requisito para ser votado, o tema passa a ter algum amparo jurídico. Senão vejamos o que dispõe o artigo 23 do Tratado que cuida dos direitos políticos das pessoas:

"1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a. de participar na direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
b. de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c. de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal." (destaquei)

Importante lembrar que, pouco depois do impeachment de Collor, o então presidente interino, Itamar Franco, promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Na ocasião, ele determinou o seu cumprimento inteiro como se lê no artigo 1º do Decreto n.º 678, de 6 de novembro de 1992.

Para acalorar mais ainda a polêmica, eis que já se criou um precedente em Goiás. Numa ação movida pelo advogado Dr. Mauro Junqueira, o autor requereu o reconhecimento do direito de disputar as eleições de 2018, mesmo sem ter vínculo partidário. E, recentemente, a decisão da Exma. Juíza Eleitoral Ana Cláudia Magalhães, da 132.ª Zona Eleitoral de Goiás, atendeu ao pleito do advogado Mauro Junqueira e também da União dos Juízes Federais (UNAJUFE), ordenando o seguinte:

"Forte no disposto no artigo 300 do Código de Processo Civil, concedo a medida cautelar, para determinar que o Tribunal Superior Eleitoral, órgão responsável pelos programas das urnas eletrônicas a serem utilizadas nas Eleições Gerais de 2018, através de sua unidade de Tecnologia da Informação, desenvolva naquelas seus softwares e códigos fontes para que estejam inscritos os códigos necessários para inscrição de candidato não vinculado a partidos políticos, com previsão de número próprio" 

Além da decisão da  magistrada de Goiás, uma forte apoiadora das candidaturas avulsas é a procuradora-geral da República, Dra. Raquel Dodge, que já enviou parecer ao STF no qual defende a possibilidade de que haja candidaturas avulsas em campanhas eleitorais no Brasil. A PGR sustentou que, com base no Pacto de San José da Costa Rica e por ausência de proibição constitucional, é possível haver candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro. 

Pelo que se espera, a nossa Corte máxima deve julgar ainda este ano um recurso extraordinário com repercussão geral (ARE n.º 1.054.490) da relatoria do min. Luís Roberto Barroso. O caso se refere a uma ação movida por um outro advogado fluminense, o Dr. Rodrigo Sobrosa Mezzomo, o qual tentou concorrer à Prefeitura do Rio de Janeiro durante o pleito de 2016, mas teve a sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral por não estar filiado a nenhum partido político. Porém, apesar das eleições municipais terem já passado, o que o Supremo vier a decidir acredita-se que pacificará de vez a questão no Brasil todo.

Em minha opinião, uma democracia forte se faz com partidos fortes de modo que, em tese, não concordaria com a apresentação de candidaturas avulsas. Porém, entendo que, ainda assim, os candidatos independentes devem ser permitidos para que que seja obedecido o Pacto de San José da Costa Rica uma vez que não há impedimentos expressos na Constituição contrários às candidaturas avulsas. Além de que uma democracia deve dar a mais ampla liberdade às pessoas quanto ao exercício dos seus direitos políticos.

Por mais que o fortalecimento dos partidos seja importante, não me surpreenderia se, numa eventual eleição, principalmente em âmbito municipal, um governante eleito juntamente com uma chapa de candidatos a vereador, não poderia fazer diferença dentro da política de sua cidade. Até porque muitos diretórios locais não têm a autonomia respeitada pelas executivas estaduais de seus partidos quando negociam entre os deputados as candidaturas nos municípios.

Entendendo que os partidos são instituições privadas regidas por um estatuto próprio, o qual pode ser até menos democrático do que a Constituição Federal, considero que deva ser respeitada a possibilidade de uma dissidência romper e lançar os seus candidatos de maneira avulsa. Pois, embora o ideal seria o grupo de descontentes pedir desfiliação para ingressar em outra legenda afim mais aberta (ou criar uma nova instituição), deve-se levar em conta o atual momento de crise política pelo qual o Brasil passa.

Para concluir, desejo que o STF venha a permitir as candidaturas avulsas no Brasil. Porém, torço para que a decisão sirva justamente para incentivar as nossas agremiações partidárias a se reciclarem, no sentido de se tornarem mais receptivas, abertas, democráticas e interativas. Pois, do contrário, a política nacional continuará sendo uma eterna bagunça e sem credibilidade popular.

Finalizando, por considerar essa generalizada falta de confiança do eleitor nos partidos e nas principais lideranças políticas, fico a indagar se, nas eleições deste ano, caso a Justiça Eleitoral assim autorize, teremos um enxame de candidaturas avulsas? Sinceramente, acredito que sim. E nada sendo decidido pelo STF no referido recurso com repercussão geral, possivelmente virão muitos interessados pretendendo concorrer aos pleitos até para fazerem um contraponto a uma insistência do PT quanto ao registro de uma candidatura de Lula já condenado em segunda instância judicial por conduta criminosa.

Vamos acompanhar!

domingo, 21 de janeiro de 2018

'Vai Malandra' e a bundalização da cultura brasileira



Estava lendo hoje mais cedo, numa matéria no Estadão de 02/01, que o novo funk Vai Malandra, da cantora Anitta, já seria a 4ª música mais ouvida no mundo pelo YouTube. E, segundo uma notícia do portal G1 também recente (20/12), a toada é considerada a primeira em português dentre as mais ouvidas do mundo no Spotify.

Para polemizar mais, o single com participação de MC Zaac, Maejor, Yuri Martins e do grupo Tropkillaz, gravado no Morro do Vidigal em agosto, tem gerado inúmeros comentários devido a uma cena em que Anitta dá o seu bumbum a tapa. Aliás, a maior parte do clipe é focada nas nádegas dessa diva pop.


Não vou afirmar que o funk não seja cultura ou dizer que as músicas deste estilo sejam todas de má qualidade. Tão pouco farei o discurso do falso moralismo ou menos ainda tomarei os ressentimentos das pessoas reprimidas que se trancam no armário das emoções, como se fosse feio a mulher exercer com iniciativa a sua sexualidade perante os homens.

Analisando o clipe e a letra, confesso que nem considero a música uma expressão da liberdade sexual feminina pois o que de fato prevalece ali é uma certa submissão de Anitta aos padrões machistas de uma subcultura que se formou nas periferias das cidades brasileiras após o afastamento da moral tradicional pelos mais pobres no decorrer das quatro últimas décadas. Trata-se de um comportamento onde a mulher adere a uma renúncia de sentimentos e que caracteriza o empobrecimento da sexualidade na qual resta apenas o prazer pelo prazer, com a exploração de poucas partes do corpo humano.

Oras, o que Simone de Beauvoir pensaria do vídeo musical, caso estivesse ainda viva e fazendo um passeio turístico pelo Brasil?! 

Por mais que não seja um fã da Anitta, tenho de admitir que ela soube expressar a figura da "malandra", a qual preenche os desejos de um público masculino, a meu ver limitado, cuja satisfação restringe-se apenas em possuir, por uns breves momentos, uma mulher bonita, vulgar, que dança sensualmente, mexe com o bumbum, rebola até o chão e faz o "taca, taca, taca, taca" com uma boa performance. Ou seja, trata-se do padrão bundalizado que, hoje em dia, dependendo da situação, territorializa-se com facilidade chegando a ofuscar o samba no mês de fevereiro. É como, infelizmente, vejo nos finais de semana de praia cheia em Muriqui, a localidade balneária onde vivo no litoral sul do Rio de Janeiro.

De fato, "na favela onde é pouco e o Brasil sente isso", conforme se lê na tradução da parte final do segundo trecho em inglês da música de Anitta, poucas são as condições para o nosso povo escapar desse processo alienante de bundalização. Está faltando educação e, lamentavelmente, as emissoras de rádio/TV ajudam potencializando a divulgação quando abrem amplas oportunidades para o lixo cultural embora nem sempre ofereçam um espaço suficiente nas suas programações para as músicas de qualidade. Pois para tais empresas vale é o que gera audiência e ajuda a atrair patrocinadores.

Todavia, apesar das centenas de milhões de visualizações do clipe já registradas no YouTube, pude observar um número bem representativo de internautas que manifestaram-se negativamente tal como encontro nas opiniões postadas em diversas redes sociais. Chega a ser quase 20% dentre os que deram um voto de aprovação ou de reprovação, conforme é disponibilizado pelo site. Ou seja, as músicas da cantora, tal como a candidatura do Lula à Presidência da República, convivem hoje com uma expressiva rejeição no meio social, havendo quem considere Vai Malandra um perigoso retrocesso na carreira de Anitta por se tratar de um sucesso de curta duração, do qual ela mesma poderá se arrepender futuramente.


De qualquer modo, outras músicas assim de baixa longevidade devem continuar surgindo nesse país que continua sendo um campo fértil para produções sem qualidade. Seja pela má formação do nosso povo que não o capacita a assimilar conteúdos melhores, ou pela sociedade ainda repressiva, visto que a liberdade sexual por aqui, apesar de todo o rebolado do Carnaval, é mais para inglês ver. Pois, no mesmo ambiente de favela em que convivem o fundamentalismo religioso cristão e a ditadura machista do tráfico, dificilmente veremos resultados diferentes. Até porque os poucos que conseguem superar as más condições de vida pelas vias do estudo e poderiam ser o antídoto contra a bundalização cultural, descem do morro para o asfalto fugindo da violência. 

Bom final de domingo e desejo uma semana menos bundalizada para todos nós!

OBS: Imagens acima reproduzidas a partir do YouTube.

sábado, 20 de janeiro de 2018

Saudade e gratidão



Por Marina Silva*

Aprendi com meu pai e com minha Vó Julia a gostar das palavras e recorrer a elas quando preciso aceitar grandes perdas (ou ganhos) e contornar grandes dificuldades, talvez porque me recuso ainda a deixar o conforto e a intimidade de sua presença e do diálogo incessante que sempre tivemos, talvez porque sinta que preciso gravar em letras os sentimentos tantas vezes compartilhados e dizer mais umas tantas vezes, obrigada.

Sou grata a Deus pela forma de meu pai ensinar e educar, de forma tão peculiar, a todos e a cada um de nós. E olha que nem preciso contar o mundo de amigos, só em casa éramos muitos: eu, minhas seis irmãs – Deuzimar, a primogênita, Lucia, a Mita, que consideramos nossa matriarca, Dóia, Zete, Socorro – e nosso único irmão, Arleir, nora e genros, com um batalhão de netos, bisnetos e tataranetos, todos alunos dele.

Aprendendo a amar com o amor com que amou.

A respeitar com o respeito que em sua vida praticou.

A valorizar a diferença sendo diferentes e a igualdade sendo iguais, como ele sempre foi.

Em meio a tanto preconceito e desrespeito com as mulheres, meu pai fazia questão de considerar, publicamente, a opinião de nossa mãe. Numa cultura em que ter “fias femes” era quase castigo, ele festejava o nascimento de cada filha, ao todo nove, já que as menores morreram, seis meses antes da perda de nossa mãe – sem deixar é claro, de igualmente se regozijar em ter, entre essa mulherada toda, seu amado requerido filho, já que o segundo havia sido ceifado poucos dias após seu nascimento, a quem  ele fez questão de dar o nome de Antônio Arleir da Silva em homenagem a seu amigo primo que havia ficado em sua distante Mecejana, no Ceará.

Agradeço também por sua inteligente estratégia de nos mostrar os caminhos da justiça. Fazendo contas, ajudando para que marreteiros e patrões não roubassem seus amigos seringueiros “no preço e na conta”, sabendo o risco que corria com essa atitude, ensinando na prática o significado das palavras verdade e justiça .

A conta certa, pudemos aprender, não é muito e não é pouco. É o valor real, é o que tem importância muito além da aparência. Ajudar e defender uns aos outros não é favor nem obrigação, é simplesmente ser gente, irmão de quem come do mesmo pão e respira do mesmo ar, veio do pó do mesmo chão.

Agradeço por ele ter nos ensinado o alfabeto da floresta e a conhecer o valor que ela tinha e tem para além de nossa pequena colocação de seringa.

Onde parecia ter uma mata homogênea, o seringueiro e quase mateiro seu Pedro, via a riqueza de uma magistral diversidade, materializada em tantas árvores, bichos, insetos, fungos, cada um com seu nome e sua serventia. No imenso cipoal de tantas espécies, das venenosas às inofensivas, de ambé, timbó, tracuá, cipó de fogo e de escada, tingui e tantos outros, ele distinguia o valor de cada fio da tessitura da vida. E nos espinhos duros e pontiagudos das tabocas encontrava e traduzia a lição da cautela, a necessidade de andar com cuidado e em tudo ter atenção, como consagra a sabedoria bíblica do livro de Provérbios quando nos insta a ter “a simplicidade das pombas e a sagacidade das serpentes”.

De seu Pedro recebemos no tempo certo, na dose certa, os estímulos e interdições do pai/mãe que soube ser no cuidado de sete filhas e um filho. Tivemos a benção do cuidador suficientemente bom.

Lembro-me de como ele nos ensinou a cortar seringa, partir cavaco, aquecer e defumar o leite cuidadosamente colhido no percurso de mais de sete quilômetros percorridos duas vezes ao dia, nos cinco dias da semana, já que o domingo era o dia de respeitar o descanso do Criador e o sábado era dedicado ao cultivo de arroz, milho, mandioca, jerimum, melancia e feijão, no período próprio de cada estação, em nosso pequeno roçado de subsistência, de acordo com o que era autorizado pelo patrão.

Eram divertidos os dias de plantar. Nosso pai na frente e uma embiricica de filhas seguindo, deitando cuidadosamente as sementes nas covas, sob a supervisão rigorosa de nossa mãe, que nunca baixava a guarda para erros que podiam ser evitados durante o serviço.

Em tudo, em todos os momentos, brotam na minha memória os exemplos de cuidado, carinho, dedicação além dos limites. Só posso sentir meu coração transbordar com eterna gratidão quando lembro de seus esforços para salvar minha vida, para me dar condições de vivê-la com saúde. Imagino-o caminhando no varadouro cheio de lama, pisando nos atoleiros deixados pelos comboios de burros usados no transporte da borracha, subindo e descendo ladeiras íngremes para buscar remédio contra leishmaniose. Naquela madrugada a fora e noite a dentro, o jovem seringueiro Pedro Augusto da Silva, caminhou vinte e duas horas em jornada contínua, onze horas de ida e onze de vinda e graças a esse esforço minha vida foi salva. A ferida que poderia ter tirado minha vida ou mutilado meu rosto tornou-se apenas uma pintinha, até charmosa, bem na ponta de meu nariz. Um sinal de amor.

Agradeço pelas palavras. Agradeço até pela palavra gratidão, que, como todas as outras, aprendi de meu pai, da minha mãe e de minha vó Júlia. Pessoas muito simples que de forma sofisticadamente simples, me ensinaram a cultivar a beleza e poder da palavra dita ou escrita e, mais ainda, a palavra vivida.

Decifrando a dureza e a beleza do dia-a-dia, quer no sagrado chão dos ensinamentos bíblicos, quer na simplicidade lúdica da literatura de cordel, pelo som do verso ou pela letra da prosa compreendi o que significa dizer “nem só de pão viverá o homem””.

Marcou-me para sempre a abertura do cordel da peleja em cantoria entre Romano, letrado em ciência, e o caboclo Inácio, letrado em natureza na vida sertaneja da caatinga:

“Hoje aqui tem que se ver,
Relâmpago de caracol,
O nevoeiro parar,
Dar eclipse no sol,
A água do mar secar,
E pescar baleia de anzol”.

Era um trailer da cantoria que tanto meu pai como a minha avó repetiam para despertar e estimular minha busca por uma palavra sempre nova, uma rima certa e um reconhecimento justo do saber que cada um recebe na vida que lhe coube viver.

Era um trailer da minha vida, em que tenho visto tantos prodígios e tragédias e ouvido a mensagem de tanta gente em tantos lugares para descobrir e reconhecer sempre, a cada volta da estrada, que o ABC de todas as línguas e a chave para entender os eventos deste mundo recebi naquela casinha feita com paxiúba de açaí e palha de jaci no meio da floresta.

Agora o seu Pedro, o seu Pedrinho, como carinhosamente era chamado por seu querido amigo cearense Jaiminho, que igualmente nos deixou um dia após sua morte, repousa em paz, no lugar preparado pelo eterno e amoroso Pai. Eu sigo na lida terrena, pelo tempo que me for determinado, guardando com gratidão tudo o que me legou. E recorrendo sempre, como o faço agora no doloroso momento dessa despedida, à fé que ficou para meu suporte, depositada em um coração de criança. E a esse amor, que é eterno, pois como diz o livro de Cânticos, ”As muitas águas não podem apagar este amor, nem os rios afogá-lo; ainda que alguém desse todos os bens de sua casa pelo amor, certamente o desprezariam.


(*) Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima, mais conhecida como Marina Silva, é historiadora, professora, psicopedagoga, ambientalista e política brasileira filiada à Rede Sustentabilidade

OBS: Texto e foto extraídos do blogue da autora onde há uma postagem mais completa com mais imagens e o depoimento de outros membros da família -> http://marinasilva.org.br/saudade-e-gratidao/

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Fé x ateísmo

Por Arthur Virmond de Lacerda Neto e-mail: arthurlacerda@onda.com.br

As pessoas aderem ou “aderem” às religiões, freqüentemente, por influência do ambiente em que são criadas: família e escola. Criadas em meio, por exemplo, católico, as crianças deixam-se persuadir pelos dogmas, ritos, tradições, maneiras de pensar e de atuar que encontram no seu ambiente e que reproduzem por imitação. A criança criada em família católica será, tendencialmente, católica; criada em ambiente budista será, tendencialmente, budista e assim por diante, e as suas “verdades” resultarão do seu meio familiar e não do exercício racional do seu discernimento, que as leve a analisar as diferentes religiões e a eleger uma, dentre várias. Por outro lado, as pessoas apostatam da religião que professam, em regra, após a infância, da adolescência por diante, quando informam-se acerca das origens dos dogmas, culto e práticas da sua religião, ou quando atentam às críticas que se lhes fazem, ou quando exercem crítica pessoal acerca destes dogma, culto e práticas.
A adesão dá-se por influência do meio, sem persuasão racional; a apostasia dá-se pelo exercício da inteligência do apóstata. A adesão também pode resultar de necessidades emocionais, de insegurança pessoal, de carência de cura, em que o necessitado, o inseguro, o enfermo, de fraca ou nula capacidade crítica acerca das religiões, deixa-se persuadir pelas promessas de proteção, cura, oportunidades, gratificações, bençãos, alegrias, vitórias etc. Note que, no Brasil, a religião propaga-se por entre o povo pobre e ignaro: na pobreza, a carência material e de recursos; na ignorância, a credulidade, a propensão a deixar-se impressionar pela figura do padre ou do pastor, pelos textos da Bíblia, a ausência de contra-argumentação, de crítica, de desmentidos. O ateísmo pode consistir, apenas, na ausência de crença nos deuses (que o cristão é um deles); pode-se viver sem a idéia de deus. Mas o ateísmo pode ser, também, viver com conhecimento de filosofia, de história, de sociologia, de crítica religiosa que justifique a descrença. Para mais de mera negação do sobrenatural, o ateísmo pode comportar a afirmação da naturalidade, do humanismo, dos valores humanos, de dar sentido à vida sem sobrenatural. Ateísmo como ausência de crença sobrenatural; como tal ausência e com cultura a-religiosa, como antropocentrismo.
É uma habilidade explorada pelos religiosos dizer que apenas a fé sobrenatural propicia valores, moral, bons costumes, defesa da família, amor, paz etc. Tudo isto é possível sem deus, sem Cristo, mediante o exercício da bondade espontânea do homem e na sua inteligência, com senso de realidade, ou seja, sem ilusões, fantasias e crendices. A farsa do milagre de Guadalupe.
A história da igreja católica é pródiga em milagres e acontecimentos extraordinários; sempre, no entanto, mal contados. É claro que a versão extraordinária interessa à igreja, que a mantém e que procura corroborá-la com experiências alegadamente científicas e com depoimentos de cientistas, no intuito de tentar comprovar o caráter milagroso dos fatos com a palavra da ciência.
A igreja usa cientistas, os seus, os que escolhe; e alguns cientistas aceitam efetuar experiências. No entanto, que garantia se tem da idoneidade deles? Que idoneidade tem as experiências que realizam? São, de fato, experiências capazes de comprovar as suas alegadas conclusões ? Na verdade, como as pessoas aceitam a ciência, a igreja usa-a para validar os seus supostos milagres. É fácil um cientista qualquer fabricar conclusões falsas e com elas impressionar os ingênuos – é exatamente isto o que a igreja faz, como ardil para convencer as pessoas.
Cientista que corrobora milagre é farsante a serviço da mentira.
Tudo que o documentário exposto até 2016 no You Tube mostrava é, evidentemente, impossível e falso. Não existe milagre de aparição, de imagem gravada em manto, de imagens no fundo do olho, constelações na formação das estrelas, tecido incorruptível.Documentários deste tipo são feitos para consumo dos crédulos. É fácil encontrar algum farsante que se preste a inventar coisas, ou um crédulo já convencido do milagre que se preste a encontrar aspectos maravilhosos inéditos ou um corrupto que se preste a vender declarações para o autor do documentário.
A tela não é de aiate, material corruptível, mas de linho, material muito duradouro; ela é cópia da imagem existente na Extremadura, na Espanha; na tela, há a sobreposição de 3 pinturas, de autores identificados; ela não vem durando milagrosamente intacta há séculos, mas foi restaurada cerca de vinte vezes.
A narrativa do suposto milagre não é coevo a ele, mas foi narrado por ouvir dizer 118 anos depois. Os personagens coevos ao suposto milagre nada dizem dele, a começar pelo bispo Zumarraga, a quem João Diego narrou o milagre. O bispo seguinte também nunca nada disse a respeito, tampouco outros clérigos do tempo.
Se o milagre acontecera, era natural que, ao tempo, as autoridades eclesiásticas se referissem a eles em documentos eclesiásticos, em crônicas, em memórias; era natural que terceiros, laicos e clérigos, também escrevessem a respeito. Mas ninguém declarou nada, até , 118 depois dos supostos fatos, um padre contar , por ouvir dizer, que o “milagre” ocorrera.
É exatamente igual a Cristo: ao tempo da sua suposta existência, ninguém ouviu dizer dele; fala-se dele depois e cria-se o mito.
Em 1883 J. Icazbalceta , católico, historiador, em carta ao arcebispo do México, declarou, expressamente que o milagre de Guadalupe é falso, não existiu (nas últimas linhas do número 70):
http://www.sectas.org/Catalogo/textocompleto.asp

https://cgnauta.blogspot.com.br/2008/12/la-virgen-de-guadalupe-la-verdadera.html https://pt.scribd.com/document/93285219/Virgen-de-Guadalupe-La-Farsa-mas-grande-de-la-historia-de-la-Iglesia-Catolica http://www.sectas.org/secciones_especiales/canonizacion/guadalupana.htm


OBS: Texto extraído parcialmente do blogue do autor, com apenas uma das fotos, conforme se lê em https://arthurlacerda.wordpress.com/2018/01/03/fe-x-ateismo/

domingo, 7 de janeiro de 2018

É preciso construir uma forte via de centro para as eleições presidenciais de outubro!



Faltam exatos dez meses para o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Porém, na prática, eis que o pleito já se inicia no dia 24/01 com o julgamento em segunda instância do ex-presidente Lula pelo TRF da 4ª Região. Ou seja, caberá aos desembargadores confirmarem ou não a condenação do líder petista por corrupção tornando-o, consequentemente, inelegível por oito anos, segundo prevê a Lei da Ficha Limpa.

Até o momento, Lula aparece em primeiro lugar nas intenções de voto, seguido pelo direitista Jair Bolsonaro. Senão vejamos o que mostram alguns resultados da última pesquisa do Datafolha feita no começo de dezembro/2017 e que não difere muito dos dados do Ibope:

Cenário 1 (com Marina, Joaquim Barbosa, Temer e Meirelles):
Lula (PT): 34%
Jair Bolsonaro (PSC): 17%
Marina Silva (Rede): 9%
Geraldo Alckmin (PSDB): 6%
Ciro Gomes (PDT): 6%
Joaquim Barbosa (sem partido): 5%
Alvaro Dias (Podemos): 3%
Manuela D´Ávila (PCdoB): 1%
Michel Temer (PMDB): 1%
Henrique Meirelles (PSD): 1%
Paulo Rabello de Castro (PSC): 1%
Em branco/nulo/nenhum: 12%
Não sabe: 2%


Cenário 2 (com o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa):

Lula (PT): 37%
Jair Bolsonaro (PSC): 18%
Geraldo Alckmin (PSDB): 8%
Ciro Gomes (PDT): 7%
Joaquim Barbosa (sem partido): 6%
Alvaro Dias (Podemos): 4%
Manuela D’Ávila (PCdoB): 1%
Guilherme Boulos (sem partido): 1%
Paulo Rabello de Castro (PSC): 1%
Em branco/nulo/nenhum: 14%
Não sabe: 3%


Cenário 3 (com Meirelles):

Lula (PT): 37%
Jair Bolsonaro (PSC): 19%
Geraldo Alckmin (PSDB): 9%
Ciro Gomes (PDT): 7%
Alvaro Dias (Podemos): 4%
Manuela D’Ávila (PCdoB): 2%
Henrique Meirelles (PSD): 1%
Paulo Rabello de Castro (PSC): 1%
Guilherme Boulos (sem partido): 1%
Em branco/nulo/nenhum: 14%
Não sabe: 5%


Cenário 4 (com Marina):

Lula (PT): 36%
Jair Bolsonaro (PSC): 18%
Marina Silva (Rede): 10%
Geraldo Alckmin (PSDB): 7%
Ciro Gomes (PDT): 7%
Alvaro Dias (Podemos): 4%
Manuela D’Ávila (PCdoB): 1%
Paulo Rabello de Castro (PSC): 1%
Guilherme Boulos (sem partido): 1%
Em branco/nulo/nenhum: 13%
Não sabe: 2%


Cenário 5 (com Doria e Marina)

Lula (PT): 36%
Jair Bolsonaro (PSC): 18%
Marina Silva (Rede): 11%
Ciro Gomes (PDT): 7%
João Doria (PSDB): 5%
Alvaro Dias (Podemos): 4%
Manuela D’Ávila (PCdoB): 1%
João Amoêdo (Partido Novo): 1%
Paulo Rabello de Castro (PSC): 1%
Guilherme Boulos (sem partido): 1%
Em branco/nulo/nenhum: 14%
Não sabe: 2%

Em todas essas simulações, teríamos um segundo turno polarizado entre os dois candidatos de tendências políticas opostas, já com intenções de votos se consolidando, sendo um de esquerda e o outro de direita. Porém, isto não traz uma total segurança para os setores moderados da sociedade e para os mercados. Mesmo com a recente filiação de Bolsonaro ao PSL do Luciano Bivar, a nota por eles assinada dia 05/01 não condiz com o histórico do pré-candidato.


É certo que, com o provável improvimento do recurso de Lula, teremos uma mudança radical do cenário eleitoral e que abriria oportunidades para outros candidatos mais próximos do centro, como Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes ou Álvaro Dias a fim de que possam seguir para uma disputa de segundo turno com Bolsonaro. Neste caso, qualquer um deles captaria o apoio da esquerda ou de uma parte significativa dela. Principalmente se o(a) concorrente for Marina Silva ou Ciro Gomes.

Entretanto, considero o que vem dizendo o ex-presidente Fernando Henrique ultimamente manifestando uma visão bem realista sobre as eleições. Segundo ele, caso apareça um candidato à Presidência capaz de unir o centro, os tucanos devem apoiá-lo, mesmo que não pertença ao PSDB. E, embora várias lideranças do partido não estejam ainda compreendendo esse posicionamento de FHC, justamente por não alcançarem o seu pensamento de estadista, entendo que o momento deve ser o de união das forças de centro na política brasileira tal como se viu em 2016 no segundo turno das eleições para a Prefeitura do Rio de Janeiro, a qual ficou entre o conservador Marcello Crivella (PRB) e o esquerdista Marcello Freixo (PSOL).

Certo é que, na hipótese de Lula se tornar inelegível, mesmo vindo a ser preso antes de outubro, ainda assim ele poderá influenciar nas eleições levando o candidato de sua preferência para um segundo com Jair Bolsonaro. Com isto, teríamos novamente uma eleição ideologicamente polarizada e, independentemente do resultado no segundo turno, a tendência de radicalização persistiria pelos próximos quatro anos, o que considero péssimo.

Como já havia exposto FHC no dia 03/01, "nada há mais distante de sua ação e de seu pensamento do que enfraquecer a candidatura presidencial do PSDB". Sua ideia é a de não descartar o apoio a outro nome para evitar a fragmentação do centro, o que significa, antes de mais nada, ser realista. Senão vejamos o que ele disse: 

"Se houver alguém com mais capacidade de juntar, que prove essa capacidade e que tenha princípios próximos aos nossos (do PSDB), tem que apoiar essa pessoa".

A meu ver, partidos como o PSDB, o Podemos, a Rede Sustentabilidade e até o PDT precisam desde já começar a estabelecer pontes entre si. E, neste sentido, vejo que uma composição entre Geraldo Alckmin e Marina Silva seja uma boa alternativa assim como podem os tucanos não ter um nome na disputa presidencial, passando a apoiar uma chapa Marina Silva com Álvaro Dias, por exemplo, ao mesmo tempo em que o partido lançaria alguns dos seus candidatos próprios para concorrerem à governança dos estados e ao Senado com o apoio das outras legendas aliadas.

Enfim, este é um momento de estratégia na política nacional, não de vaidades. É hora dos grupos moderados se unirem em prol do desenvolvimento da democracia e de uma política equilibrada que sirva de alternativa tanto para o PT de Lula quanto para o direitista Jair Bolsonaro, consolidando votos do eleitorado para um terceiro nome de centro.

Ótima semana a todos! 


OBS: Imagem acima extraída do Instituto FHC para divulgação.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

A percepção dos direitos em sociedades democráticas do século XXI



Por Yeda Crusius*

Avança o século XXI no tempo. Em breve, ingressaremos na terceira década dentre as dez que formam um século. A mudança radical acontecida nas democracias do nosso tempo é fruto da tecnologia da internet. Em cada celular está o acesso instantâneo e sem fronteiras ao mundo, e cada celular permite o compartilhamento instantâneo do que uma câmera alcança. Daí a necessária compreensão e adaptação inclusive legal ao mundo do hoje, da hora, do instante. As redes semeiam a liberdade de expressão, de opinião, mas lá do fundo emerge pelas redes o que é da própria natureza humana: do amor ao ódio, tudo é permitido. Só que não. Nem tudo pode ser permitido. Há limites necessários para que resulte para a convivência social em tempos de liberdade o seu padrão civilizatório, contrapondo-se à barbárie. No campo das leis, esses limites. Leis são feitas por maioria, e por vezes por consenso.

Nesse sentido, por acordo entre todos os partidos, pude relatar e ver aprovado o projeto de lei da Deputada Luizianne Lins que estende à Polícia Federal o poder de investigação do crime cometido via internet de propagação do ódio a mulheres, o crime de misoginia. Já que pelas redes esse crime ultrapassa qualquer fronteira, até a “nuvem” (cloud), cabe incorporar a investigação que é feita pelas polícias estaduais até a Política Federal, que já cuida, por acordo entre países, de crimes como o financeiro e o contrabando de armas e drogas – além-fronteiras. São muitos os projetos de lei que tratam de assuntos deste século e é preciso selecioná-los para que avance a regulação do que é novo. Este é um dos objetivos da Frente Parlamentar de Prevenção à Violência que constituímos no Congresso Nacional este ano, e que já realizou 2 de suas 10 audiências públicas previstas, até que se tenha o Plano Nacional de Prevenção à Violência que ofereceremos ao Executivo Federal com força de lei.

Muito mais precisamos dedicar para compreendermos a sociedade da era da internet, e que tem invertido, por uma natureza de exclusão de uns em detrimento de outros, os avanços que foram conquistados após a II Grande Guerra: a grande batalha de buscar a inclusão de todos a um mundo de direitos. No dia 10 de dezembro se celebra o Dia Mundial dos Direitos Humanos, que tem ONU o seu maior observatório. Quando falamos em direitos humanos se colocam como que em guerra dois grupos: o que se considera monopolista de sua defesa, e o outro grupo que é pelo primeiro excluído da defesa desse bem comum. Quando a defesa é ideológica, a exclusão decorre, e o conflito se abre. Péssimo caminho.

Para entender melhor o que está acontecendo, busquem ler o que Fernando Schüler escreveu no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo do último domingo, dia 11, “O mal-estar da democracia. Identidade, conservadorismo, e os limites da política”. No jornal – como é de seu costume, a manchete “Obsessão com identidade e histeria conservadora desafia democracia” muda o título dado pelo autor, praticando aquilo para o que o artigo chama a atenção. Fico com o título original. Schüler foi meu Secretário de Justiça, inovando em projetos que respeitavam direitos humanos, e através das políticas públicas que criamos e aplicamos, os tornaram eficazes na prática, e não no discurso. Com seu Socioeducativo, para os jovens egressos da Fase, Schüler produziu o programa de melhores resultados no mundo. Quem o diz não somos nós, nosso governo, incompreendido à época, e sim especialistas de todos os matizes partidários. Que bom, já que se mostra que é possível ter déficit zero como instrumento que produza melhorias sociais. Bom manter esse padrão. O artigo mostra como.


(*) Presidente do PSDB-Mulher, Yeda Crusius é economista e deputada federal pelo PSDB-RS em seu quarto mandato. Já ocupou os cargos de Ministra do Planejamento e Governadora do Rio Grande do Sul.

OBS: Artigo extraído de http://www.psdb.org.br/acompanhe/artigos/percepcao-dos-direitos-em-sociedades-democraticas-seculo-xxi-por-yeda-crusius/

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O espírito de Natal do capitalismo




Por Sabrina Marcelino

Às vésperas desse Natal, fui a um shopping. Como sempre, cheguei antes das pessoas com quem tinha marcado. Impaciente, fui até o banheiro. Na porta do banheiro, uma senhorinha terceirizada da limpeza me olhava. Quando ficamos só eu e ela no banheiro ela veio na minha direção e me disse: “Você já está indo embora?“. Achando estranho, respondi que tinha acabado de chegar. Ela então falando muito baixo e rápido: “É que eu queria te pedir um favor“. E me pediu para trocar um panetone na promoção do shopping. Disse que me levava até o lugar, que era só juntar 400 reais em notas de compras e trocar por um panetone, mas ela não podia fazer isso porque trabalhava lá.

Arrancou um bolinho amassado de notinhas fiscais do uniforme e me levou até o elevador de serviço. Tentei puxar algum assunto e ela não respondia, apertava impaciente o botão do elevador e olhava para todos os lados como quem estava nervosa e com medo de ser vista. Apontou para o ponto de troca e quando eu ia comentar mais alguma coisa ela já tinha virado as costas e saído andando disfarçando.

Peguei a fila um pouco chocada – era só um panetone Bauducco, mesmo que fosse caro não parecia nada demais, desses que as pessoas ganham junto com cestas no final do ano. Mas já me bateu o ódio de saber que nada no capitalismo é psra todo mundo. O shopping distribui panetones simples pra pessoas que nem esperavam ganhar nada, só são avisadas em alguma loja cara que com os R$ 400  que gastaram podem ganhar um panetone. Eu mesma nunca gastaria R$ 400  num shopping acho, aliás, ainda é um mistério para minha cabeça como que tem gente que faz compras de verdade em shopping, se existem lugares bem mais baratos.

Chegou minha vez e entreguei o bolinho de papel para a atendente, que fez um cadastro meu (claro, como tudo no capitalismo, o negócio não é nem só uma promoção para aumentar as vendas – quem se sente estimulado a gastar R$ 400 só pra ganhar um panetone Bauduco? -, é para aumentar o banco de dados de contatos do shopping para futura publicidade). A moça contava as notinhas quando tirou uma e disse: “Senhora, essa nota não é daqui“. Foi aí que percebi que provavelmente a senhorinha só tinha juntado notinhas que achou limpando o shopping, quem sabe no lixo, observando as pessoas que saíam das lojas.

Ao final da contagem a atendente disse de novo: “Está faltando R$ 2 “. Não aguentei, repeti chocada: “Está faltando R$ 2 de R$ 400? Se eu pagasse o estacionamento desse shopping já ia dar esse valor, vou ter que pegar a fila toda de novo depois de comprar sei lá, uma casquinha?” E a atendente só deu de ombros porque realmente não podia fazer nada. O capitalismo é assim também, toda essa compartimentalização alienante do trabalho para tirar qualquer poder de decisão do trabalhador sobre seu próprio trabalho, enquanto o consumidor só poderia dirigir a raiva a alguém que não pode fazer nada. Já ia quase saindo quando um homem do meu lado tirou uma notinha do bolo dele e disse: “Ah, no meu está sobrando R$ 3, toma pra completar o seu“. Foi uma gentileza qualquer. Agradeci, entreguei a última e triunfante notinha e recebi o panetone depois de mais ou menos meia hora de história.

Tentei voltar pelo elevador de serviço, onde mais um terceirizado esperava. Perguntei se o elevador ia subir ou descer e ele me olhou espantado, como quem não entendeu porque eu estava ali ou quem não está acostumado a ser percebido, e não respondeu. Decidi descer de escada rolante até o banheiro onde tinha encontrado a senhora. No caminho, passei por ela e satisfeita estendi o panetone. Para minha surpresa, ela passou reto, fingindo que não me viu, e foi até o banheiro. No banheiro ela finalmente parou de me ignorar, pegou o panetone muito feliz e disse “Deus te abençoe!“. Virou e saiu andando antes que fosse vista falando comigo.

Terrível. Saber que certamente ela seria demitida se alguém percebesse qualquer parte daquela movimentação, mesmo uma simples conversa entre a “cliente” e a funcionária da limpeza. Um panetone, um simples panetone que muita gente ganha do serviço e que os clientes nem queriam muito. Quem sabe não vai fazer o Natal feliz na casa dela, quem sabe ela não deu de presente para alguém que gosta muito. Quem sabe ela já não devia estar aposentada. Mas o certo é que ela quis arriscar muito pelo panetone. Eu mesma nem teria coragem de pedir isso para alguém, só um panetone não ia me fazer falar com um estranho. Por mais que eu não fosse o público alvo da promoção, eu também não ligava para o panetone.

Tudo aquilo me embrulhou o estômago e me peguei pensando de novo no motivo pelo qual a gente luta. Por que é que as pessoas acham normal um mundo desses e loucura é falar de revolução? Teorizamos refeitórios públicos, lavanderias públicas, creches públicas, hospitais, escolas, uma economia planificada em oposição à anarquia do livre mercado, pleno emprego para ninguém mais passar por uma humilhação sequer. Tem gente que só quer um simples panetone e é bombardeada pelo Luciano Huck num sábado à tarde proclamando a beleza do Natal por ser essa época de caridade. Mas é o socialismo que é a tal da “utopia”. Se Huck um dia tivesse que usar o SUS e visse gente chegando esfaqueada e escoltada pela PM, quem sabe deixava de ser o playboy imbecil que largou a São Francisco porque ganhou um programa de TV na Globo, com os contatinhos certos.

São 100 anos desde a Revolução Russa. Os primeiros passos foram dados. Outubro criou creches, ampliou o número de escolas, deu o direito até à cultura aos trabalhadores, multiplicando teatros e óperas públicas. A miséria era maior que os planos bolcheviques previram, a guerra na Europa e as guerras contrarrevolucionárias foram duras. Mas nada é mais duro que o capitalismo, onde a miséria faz parte da roda da produção.

Não sei vocês, mas cada gesto de gentileza das pessoas, daqueles que quem faz não ganha nada, reforça a chama da esperança revolucionária. Não somos naturalmente ruins e egoístas, somos resultado de um emaranhado complicado de relações sociais. Só falta mesmo uma faísca de consciência, porque somos a esmagadora maioria e temos o controle do funcionamento do mundo em nossas mãos.

Que esse Natal seja muito vermelho, que anuncie um ano de muitas lutas e greves e que o coração de vocês também tenha certeza de que não há sentido algum senão em viver pela construção de outra realidade.


OBS: Artigo originalmente publicado dia 24/12/2017 em https://www.pstu.org.br/o-espirito-de-natal-do-capitalismo/

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

"O tempo que estava vivendo o meu sonho, nem vi passar"

                              



Elidia Rosa

Abrindo a obra teatral de Shakespeare, 'Sonho de uma noite de verão', peça clássica do bardo inglês, há uma fala, iniciando toda trama, que veio a calhar enquanto pensava o que aqui escrevo:

-  Mergulharão depressa quatro dias na negra noite; quatro noites, presto, farão escoar o tempo como em sonhos. (1)

Um sonho, é muitas vezes a mistura de eventos, passados e futuros, mediante o conteúdo dos pensamentos, manifestos de forma literal, com significado no conteúdo latente. Máscaras "protetivas" são muitas vezes vistas e rostos sem nome muitas vezes aparecem.

Freud chamou de "conteúdo manifesto" o que é lembrado de um sonho. Mas é do pensamento do sonho e não do conteúdo manifesto que depreendemos seu sentido. Os sonhos já eram objeto de estudo desde a antiguidade. A pesquisa psicanalítica inovou ao investigar as relações entre conteúdo manifesto e pensamentos oníricos latentes. Os pensamentos do sonho equivalem aos processos inconscientes. O método psicanalítico de interpretação dos sonhos requer, em primeiro lugar, as associações daquele que sonhou. Esse método investiga os processos pelos quais os pensamentos do sonho se transformaram em conteúdos manifestos do sonho. (2)

Nesse sentido, há obras como Cidadão Kane, o qual passa em torno de uma palavra dita em sonho pelo personagem {Rosebud}, que pelo seu peso de memórias, é simbolizado de forma mais simplificada, pelo sentido que carregava em seu significado.

Mas não desejo falar de teorias, apenas apresentar algumas considerações a respeito. Faltariam aqui ainda considerações no campo da neurociência, porém, é sobre a questão cronológica do sonho que queria deter-me um pouco.

Em um sonho, o tempo e o lugar é que menos interessa. As pessoas, do mundo dos vivos e dos mortos podem conviver normalmente, e do nada estarão navegando em um barco pirata, num mar cheio de ondas, depois de uma café em algum bistrô.

Há tempos, em que nossa existência, corre como no sonho, e se torna um borrão de vivências. Não gosto de dar exemplo pessoais, mas nesse caso, talvez um texto confessional, cabe. 

2017 foi um ano que "não vi passar", tamanhas experiências as quais me subjetivaram e deixaram marcas existenciais modificadoras de curso de vida, e confesso, assim como na peça shakesperiana, foi quase tudo uma questão de mudança de quatro luas.

Dias de pouco sono entremeados de longos períodos sonolentos. Freud explica? Não muito (risos). Talvez.

Acordava com o sentimento de que era uma mistura de eventos, e pessoas, e transitoriedades, e me procurava no "sonho vivo".

Perder-se de si em um sonho, é fácil, e as quedas são assustadoras. Quem nunca sentou depressa na cama, olhos arregalados, despencando de abismos oníricos?

Ainda talvez, estivesse rindo feliz, como naquele outro ano em que tudo era realização, e felicidade. Que espaço havia para ser triste? Nenhum!! Sonhar acordado era obrigação superficial, não força do pensamento.

É preciso dar espaço às dores, é preciso caminhar no frio para ter depois o prazer da caneca quente  sob as mãos. É preciso navegar mares "nunca dantes navegados", águas escuras e sombrias (pesadelo?) para então despertar.

Depois do Despertar, se volta a sonhar, agora de olhos fechados. 

E nesse sentido, não poderia deixar de evocar mais um grande mestre do "pensar o sonhar", que contrapõe Freud (risos):

Quem olha para fora sonha, quem olha para dentro, desperta.





(1) Shakespeare, W. - Sonho de uma Noite de verão, 1590 (aproximadamente) 

 (2)  Freud, S. (1900a/1990). A Interpretação dos Sonhos. Sigmund Freud. Obras Completas. 

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...