segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Uma revolução que ainda não foi feita no Brasil

Estava hoje lendo um artigo publicado em 03/07/1994, de autoria do poderoso Antonio Ermírio de Moraes (1928 — 2014), ex-presidente do Grupo Votorantim, o qual chegou a ser um dos homens mais ricos do Brasil. Seu texto, que coincidiu com a época do início do bem sucedido Plano Real, teria sido profético também sobre o que veio a ocorrer durante o período de crescimento da economia brasileira na era petista, tendo em vista que os investimentos do governo na área da educação ficaram aquém do que o país precisava.

Fato é que, apesar do Programa "Toda Criança na Escola", iniciado no governo FHC, e que teve prosseguimento com Lula e Dilma, mesmo universalizando o ensino, não se proporcionou ao nosso jovem a necessária qualificação para o enfrentamento do mercado de trabalho. Tanto é que, antes da atual crise, quando o Brasil ia bem, chegamos a importar mão-de-obra para algumas atividades.

Sendo assim, o nosso crescimento acabou sendo mesmo "efêmero", como o lúcido empresário muito bem pontuou. E, apesar de não concordar com todo o conteúdo da sua crítica, estou de acordo quanto à proposta de melhor qualificação dos professores por ele defendida.

Vinte e quatro anos depois desse artigo, tendo o cidadão brasileiro optado por eleger um presidente de direita, temo que o novo governo, ao invés de buscar qualificar os professores, resolva persegui-los promovendo um desnecessário patrulhamento ideológico nas instituições de ensino. Logo, ao invés de uma remunerações mais justa aos docentes junto com melhores condições de trabalho, corremos o risco de ter menos profissionais em sala de aula, com consequências gravíssimas para o futuro do país, caso a evasão escolar aumente ou a qualidade do ensino caia.

De qualquer modo, segue aí o artigo desse grande empreendedor que muito contribuiu para o desenvolvimento do Brasil no século passado, a ponto de haver se tornado um ícone da classe empresarial industrial.


A dificuldade faz o homem



Por Antonio Ermírio de Moraes

No dia em que Ben Gurion, primeiro ministro de Israel, soube que o presidente Jânio Quadros havia renunciado, exclamou: "Não entendi, pois o Brasil possui tanta água".

Além de água em abundância, o Brasil tem mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, muita terra fértil e um bom clima. Israel tem apenas 28 mil quilômetros quadrados, terra pobre, clima hostil e péssimas condições de água. Apesar disso, li no jornal desta semana que Israel acaba de alcançar uma renda per capita de US$ 13 mil enquanto que nós no Brasil, com uma fartura de dar inveja, não chegamos aos US$ 3.000.

Israel transporta água de regiões longínquas através de uma complexa rede de aquedutos e reservatórios e, ainda assim, consegue manter uma agricultura que se "dá ao luxo" de exportar algodão, amendoim, frutas, legumes e flores, enquanto que nós, no meio da referida abundância, estamos na iminência de importar trigo, feijão e arroz.

O que faz tanta diferença? Educação. Em Israel o ensino é obrigatório dos cinco aos 16 anos e gratuito até os 18 anos. Entre nós, cerca de 20% dos brasileiros com mais de 15 anos não sabem ler ou escrever e 75% dos trabalhadores têm menos de quatro anos de escola.

O Brasil começa amanhã mais uma tentativa de estabilizar sua moeda. É evidente que a redução drástica da inflação dará melhores estímulos para investir e criar empregos. Mas, na sociedade moderna, os empregos custam caro e demandam muita educação. Portanto, por mais êxito que tenha o Plano Real, o Brasil terá de fazer, urgentemente, uma verdadeira revolução no campo da educação se, de fato, queremos chegar ao desenvolvimento sustentado. Do contrário, tudo será efêmero.

O grande problema no campo educacional é o mau gerenciamento dos recursos. Estudos do Banco Mundial indicam que uma pequena parcela do dinheiro liberado em Brasília chega às salas de aula. O grosso é consumido por uma burocracia inchada, desvirtuada e gulosa –sem falar no desperdício que ocorre nas infindáveis reuniões de professores– um verdadeiro esporte para os que não gostam de dar aulas. Dados de São Paulo me levam a concluir que a qualidade do nosso ensino público poderia ser triplicada através de simples rearranjos nas escalas de trabalho e melhor qualificação dos professores.

A comparação entre Israel e Brasil é impressionante. Os israelenses, desprovidos de tudo e constantemente ameaçados pela guerra, colocam-se no patamar das nações mais avançadas do mundo. O Japão, nas mesmas condições, atingiu um dos mais altos IDH –Índice de Desenvolvimento Humano da ONU. Nós, sem guerra e com tudo o que uma nação poderia almejar, temos um dos mais baixos IDH.

Todos sabem que a educação é prioritária. Os candidatos são os primeiros a trombetear isso no rádio e na TV mas nenhum deles se dispõe a dizer "como" vai promover a referida revolução educacional.

domingo, 25 de novembro de 2018

A nossa luta coletiva vencerá. Não deixemos nos abater em tempos sombrios!




Por Francisvaldo Mendes de Souza *

Vivemos mais de 20 anos de ditadura militar e, possivelmente, sentir o peso de todo aporte autoritário bate muito duro em todos nós. O pior que dessa vez o caminho foi a via democrática: a estrada do voto dando legitimidade por meio da escolha da maioria. Assim, a dor dessa realidade ganha maior profundidade. A democracia que existe não é para maioria, sabe-se bem disso, pois só os ricos desfrutam do bom e do melhor na sociedade, no entanto ela se apresenta para todas as pessoas, com a ideia ilusória de igualdade ou de merecimento entre todas. Contudo, é preciso compreender que o voto não é a única veia de realização democrática, apesar de ser relevante. A participação popular é de igual importância, diariamente, seja na fiscalização e nos questionamentos ao poder instituído.

No último dia 28, um domingo, vimos a maioria das pessoas escolher, por “via democrática” o retorno da política tradicional das oligarquias atrasadas e veremos, no dia a dia, em futuro próximo suas consequências. Trata-se mais do que política ultrapassada, é o aumento da concentração das decisões políticas em pequenos grupos com interesses puramente privados acima dos interesses públicos. São as já conhecidas ações com novos nomes, que poderão vir com a imposição do silêncio e do medo, tentando a legitimação para retirar ainda mais direitos das pessoas que trabalham. Poderá haver controle, perseguições e ameaças em todos os aspectos e sentidos. Aquilo que se conhece como neoliberalismo na sua máxima potência, para ampliar lucros e controlar a ferro e fogo as pessoas que atuam por liberdade, conquistas e direitos.

Claro que há responsáveis, sempre há. Nesse caso não há dúvidas que a oligarquia financeira fez um grande acordo com o setor político dominante no país. Os candidatos tradicionais com compromissos com tais setores, internacionais e nacionais, não emplacaram, e o aventureiro foi a solução encontrada pelos poderosos do sistema. Abre-se, assim, uma nova fase da ideologia dominante sobre o povo, quem viverá as mais duras consequências econômicas. Todas as pessoas que questionam o centro do poder, sejam indígenas, negras, nordestinas, militantes, sindicalistas, ativistas sociais e que possuem uma lente crítica sobre o mundo e atuam para que ele seja mais humano, mais democrático e com mais dignidade poderão viver o peso da violência institucional, mesmo que disfarçada por meio das milícias.

Nessa hora devemos clamar pelo coletivo que será capaz de produzir a solidariedade, na defesa para continuar a vida, para a sobrevivência da mente e dos corpos, para a saúde em busca de ações qualificadas em nome de uma verdadeira democracia, com mais liberdade e mais direitos. A ideologia dominante forçará o individualismo, o salve-se quem puder e apostará que o temor predomine individualmente tentando empurrar cada pessoa para os ventos do medo, das doenças, da angústia, da ansiedade e do desespero.

Vamos construir os ventos em outra direção. Ventos coletivos, de solidariedade, com mais organização, mais formação, ampliando para mobilizações conscientes e eficazes. Nessa direção que aqueles que querem ver o outro feliz devem seguir, e não estará só. Será na coletividade, com estudo, organização de base, companheirismo e fortalecimento das características pessoais que se dará a construção de alternativas. Faz-se necessário o cuidado um do outro para suportarmos a situação atual com sabedoria e acumular forças para superar esse momento histórico. Acredite!

Ninguém estará só e não é o individualismo, tão divulgado e propagandeado pelo liberalismo, que fará cada um de nós vencedor desse processo. Essa é a hora do coletivo e vamos ser capazes de enfrentar os desmandos que a ideologia vencedora momentaneamente nos impõe. Vamos apoiar cada camarada no enfrentamento a desesperança que predomina na sociedade; vamos nos apoiar defendendo o valor da democracia, da liberdade e dos nossos direitos. Vamos unificados, juntos, toda a militância e com cuidado mútuo para nossa ação na construção de uma sociedade fraterna, justa e com liberdade. Essa é a hora do coletivo bradar seu som mais alto e apontar para soluções que ampliem nossas vidas, com mais dignidade humana, altivez e a alegria do nosso povo.

(*) Francisvaldo Mendes de Souza é presidente da Fundação Lauro Campos

OBS: Texto originalmente extraído de http://www.laurocampos.org.br/2018/10/29/a-nossa-luta-coletiva-vencera-nao-deixemos-nos-abater-em-tempos-sombrios/ 

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A legitimação da cultura da violência pela pregação de Bolsonaro



Por Leonardo Boff*

A campanha eleitoral de Jair Bolsonaro para a presidência de República se caracterizou pela pregação de muito ódio, exaltação da violência a ponto de ter como herói um dos mais perversos torturadores, Brilhante Ustra e admirar a figura de Hitler. Fez ameaças aos opositores que não teriam outra alternativa senão a prisão ou o exílio. Pregou ódio a homoafetivos, aos negros e negras e aos indígenas. O Movimento dos Sem Terra e dos Sem Teto seriam considerados terroristas e como tal tratados. Os quilombolas nem serviriam para reprodução. Foram ofensas sobre ofensas a vários grupos de pessoas e minorias políticas. Talvez a maior desumanidade mostrou quando disse às mães chorosas que procuravam corpos e ossos de seus entes queridos desaparecidos pela repressão por parte dos órgãos de controle e repressão da ditadura militar: “quem procura ossos são os cães”, Bolsonaro disse.

Este foi o discurso da campanha. Outro está sendo o discurso como presidente eleito, dentro de um certo rito oficial. Mesmo assim continua com as distorções e com uma linguagem tosca fora da civilidade democrática. Tudo culminou com a saída de 8.500 médicos cubanos que atendiam as populações mais afastadas de nosso país. Era um protesto do governo cubano face às acusações de Bolsonaro à Cuba, pois é um obsessivo anti-comunista.
A atmosfera tóxica criada pela campanha eleitoral acabou por gestar uma cultura da violência nos seus seguidores, exaltando-o como “mito”. Vários do LGBT especialmente os homoafetivos, negros e indígenas sofreram já violência. Houve até mortes gratuitas aos gritos de “Viva Bolsonaro”.

Que quer sinalisar este fenômeno de violência? Bolsonaro mediante metáforas ponderosas como contra a corrução, o anti-Petismo, o comunismo, o tema da segurança pública e o da família e o lema fundamental “Brasil acima de tudo”(tomado do nazismo “Deutschland über alles”) e Deus acima de todos”, conseguiu desentranhar a dimensão perversa presente na “cordialidade do brasileiro”

Esta expressão “cordialidade do brasileiro”criada pelo escritor Ribeiro Couto e consagrada por Sérgio Buarque de Holanda (cf.V.capítulo de Raizes do Brasil de 1936) é bem explicada por ele e pode significar, por um lado, bondade e polidez e, por outro, também rancor e ódio. Ambas as dimensões provém do mesmo coração donde se deviva “cordialidade”. Sérgio Buarque exemplifica: “a inimizade bem pode ser cordial como a amizade, visto que uma e outra nascem do coração”(p.107). Bolsonaro e seus mais próximos seguidores habilmente souberam tirar à tona este outro lado sombrio de nossa cordialidade. Recalcou o lado luminoso e deixou que o lado maligno inundasse a consciência de milhares de pessoas.

Esse lado nefasto estava escondido e reprimido na alma do brasileiro. Sempre houve ódio e maldade face aos antigos escravos negros cujos descententes são 55,4% de nossa população atual. Isso o mostrou brilhantemente Jessé Souza no seu livro já famoso “A elite do atraso: da escravidão ao Lava-Jato”(2018). Mas era de parte dos representantes antigos e atuais da Casa Grande. A maioria da imprensa empresarial e conservadora e particularmente as mídias sociais da internet universalizaram essa compreensão negativa.

Aconselho ao leitor/a que volte a reler meu artigo de 5/11/18:”A dimensão perversa da ‘cordialidade’ brasileira”. Ai, com mais recursos teóricos, procuro fazer entender esse lado sombrio de nossa tradição cultural.

Qual é o dado específico da atual hostilidade, o lado negativo de nossa cordialidade? É o fato de que ele, que sempre existia, agora se sente legitimado pela mais alta instância política do país, por Jair Bolsonaro. Ele despertou esse lado dia-bólico e reprimiu o lado sim-bólico em muitos de nosso povo que lhe deram a vitória eleitoral.

Não adianta o futuro presidente condenar os eventuais atos de violência, pois se desmoralizaria totalmente caso os tolerasse. Mas convenhamos: foi ele que criou as condições psico-sociais para que ela irrompesse. Ele está na origem e, historicamente, deve ser responsabilizado, por ter despertado esse ódio e violência. Ela prossegue nas midias sociais, nos twitters, blogs e facebooks.

Nenhuma sociedade se sustenta sobre essa dimensão desumana de nossa humanidade. Para conter esse impulso negativo que está em todos nós, existem a civilização, as religiões, os preceitos éticos, os contratos sociais, a constituição, as leis e o auto-controle. Existem também os órgãos que zelam pela ordem e pela contenção de formas criminosas de cordialidade.

Urgentemente precisamos de pessoas-sínteses, capazes de apaziguar os demônios e fazer prevalecer os anjos bons que nos protejam e nos apontem os caminhos da convivência pacífica. Não será Bolsonaro, a pessoa indicada. Mas as sombras existem porque há luz. E é esta que deve triunfar e fazer ditosa a nossa convivência nesse belo e imenso país.

(*) Leonardo Boff escreveu: O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade,26.ed. Vozes,2015.

OBS: Artigo extraído do blogue do autor em https://leonardoboff.wordpress.com/2018/11/18/a-legitimacao-da-cultura-da-violencia-pela-pregacao-de-bolsonaro/

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Que a nossa República possa reencontrar-se



Hoje, dia 15/11/2018, feriado nacional em homenagem à Proclamação da República, é mais uma data que serve para a nossa reflexão.

O Brasil acabou de passar por uma eleição e esse evento não completou nem um mês, sendo que muita gente ainda está no embalo da escolha do capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro para presidir essa República relativamente jovem de seus 129 anos. E, apesar de estar chegando o Natal, pode-se dizer que a grande maioria dos brasileiros continua ligada na política sem aderir ao clima de festa.

Bolsonaro não foi o meu candidato, porém agora é o presidente eleito de todos nós. Sua vitória nas urnas foi incontestável e reflete o anseio do brasileiro por uma mudança radical na política. Tanto é que vários deputados, senadores e governadores foram eleitos por influência dessa decisão coletiva.

Assim, vive-se no momento, um aguardo das escolhas do novo presidente quanto aos futuros nomes de seu governo dando sinais do rumo ideológico traçado, sem que venhamos a ter grandes mudanças quanto à política econômica. Aliás, o nosso próximo chanceler, o embaixador Ernesto Araújo, possivelmente fará com que o Brasil venha a ter um alinhamento maior com os Estados Unidos.

Entretanto, antes mesmo do presidente eleito assumir, vários fatos estão ocorrendo em função dos futuros acontecimentos. Um deles foi a recente saída de Cuba do programa "Mais Médicos" iniciado na era PT para ampliar o atendimento dos profissionais de Medicina no Brasil importando mão-de-obra. Ontem, o governo do país caribenho disse que tomou tal decisão devido às "declarações ameaçadoras e depreciativas" de Jair Bolsonaro, o que veio a ser rebatido por ele no Twitter e numa entrevista concedida em Brasília:

"Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou"

Além disso, há uma preocupação sobre como Bolsonaro pretende lidar com as universidades, com a defesa do meio ambiente e a proteção das relações trabalhistas. E, nestes dois casos, felizmente ele resolveu não extinguir as duas respectivas pastas que seriam o MMA e o MTE. Só que de qualquer modo, a política deverá mudar muito assim quando a nova gestão se iniciar.

Seja como for, trata-se de um governo de direita legitimado pela participação popular que se expressou tanto pelo voto quanto pelas manifestações de apoio nas ruas/redes sociais. Posso não concordar com as ideias de Bolsonaro, mas reconheço que estamos vivendo agora a expectativa de uma mudança na vida republicana do país com possíveis reformas conservadoras que jamais poderão sair do campo democrático graças à Constituição de 1988, além da composição dos Poderes Legislativo e Judiciário.

Daqui um ano, quando estivermos completando 130 anos de República, espero que as coisas estejam caminhando para melhor nesse país E que sempre possa prevalecer um equilibrado bom senso nas decisões tomadas pelo futuro governo visto ser é algo indispensável para a paz social. 


Ótimo final de feriado a todos!

domingo, 4 de novembro de 2018

Obrigada, Bolsonaro



Por Maria Ribeiro 

Eu não sabia que a gente era tão forte. Você nos juntou, você nos levou pra rua
Eu já tinha tentado o tênis, a natação e a ginastica olímpica. Com 14 anos e praticamente conformada com o pingue-pongue mediano e a pequena moral adquirida nas aulas de redação e teatro, resolvi dar uma última chance ao judô. Era a derradeira oportunidade dada à minha existência em movimento. Naquela estrada de terra entre a infância e a idade adulta, entre aquele ser e não ser absolutamente solitário da cabeça e do corpo, em meio à inadequação ao balé clássico e à incapacidade de me relacionar com qualquer tipo de bola — e com aquele garoto bonito que vinha do São Bento —, me veio a possibilidade do tatame. Saber cair.
Por que não? Me atraíam o uniforme unissex, o convívio com o cromossomo y, a luta no chão de forma assumida (quase todas as lutas são no chão, mas poucos têm coragem de admitir), o contato físico, a selvageria organizada. Foram dois anos sem muita regularidade, e acho que fui até a faixa amarela, se tanto. Mas gostava do fato de a aula ser mista, e de haver um certo feminismo kill bill naquela atitude samurai.
Samurai. Foi assim que me senti nesses últimos dias. Virando voto, chorando, sendo xingada, dando e recebendo abraços de desconhecidos, sofrendo por aqueles que se manifestaram e por quem tinha um amor primitivo — como Regina Duarte — e, quer saber?, mais ainda pelos que não se manifestaram e se mantiveram no muro. Eu não tenho mais nada a perder. Estou no chão com a guarda aberta, e já sei que vou perder, mas como é bonito lutar até o fim.
Meu prefeito é o Crivella, meu governador é o Witzel, meu presidente é o Bolsonaro. Fora isso, eu gostei errado durante anos de um cara com jeito de bilhete premiado, tô com a depilação vencida, atrasei o IPVA e ainda não entreguei aquela sinopse prometida pra Netflix.
Mas sei cair. E caí com muita categoria. Gritei até o fim contra a naturalização de candidatura tão vil, provoquei amigos que temiam se manifestar, chorei com as melhores pessoas de toda a existência, bebi como nunca havia bebido, fiquei perto dos meus. Marcelo Rubens Paiva, Xico Sá, Maria Rita Kehl, Leandra Leal, Andreia Horta, Marcelo Freixo, Caetano Veloso, Flora Gil, Mário Bortolotto, Marcos Nobre, Antonia Pellegrino, Paula Lavigne, Paulo Betti, Fabio Assunção, Enrique Diaz, Mariana Lima, Laura Carvalho, Bruno Torturra, Maria Flor, Sérgio Vaz, Gilberto Gil e mais um monte de gente legal que não vou lembrar aqui.
Bolsonaro, brigada. Eu não sabia que a gente era tão forte. Eu não sabia que a gente se amava tanto. Você nos juntou, você nos levou pra rua, e a rua é o nosso lugar. Estamos há dias nos beijando e segurando a mão um do outro. Às vezes, a gente até dança. Sem Lei Rouanet, acredita? A gente dança de graça. Faz teatro pra cinco. Se ama por hábito. Cai bonito como no judô. Cai junto. E aproveita pra ficar deitado. Daqui, de onde estamos, temos visto cada estrela que você nem imagina. Quer saber? Eu entendo sua raiva da gente. Ver estrela é mesmo uma arte. Todo mundo que vê estrela é artista. Mas ó: se você quiser, deita aqui que a gente te ensina. Sem mágoas. Só dá um tempinho porque agora a gente tá em carne viva. Aliás, mais viva do que nunca.


Com este texto me despeço dessa Confraria, que um dia já foi Fora da Gaiola, e que hoje, é um triste retrato de gente engaiolada pelo fascismo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Grande frente de valores ético-sociais

Por Leonardo Boff*

Estamos vivendo tempos política e socialmente dramáticos. Nunca se viu em nossa história ódio e raiva tão difundidos, principalmente através das mídias sociais. Foi eleito para presidente uma figura amedrontadora que encarnou a dimensão de sombra e do recalcado de nossa história. Ele contaminou boa parte de seus eleitores. Essa figura conseguiu trazer à tona o dia-bólico (que separa e divide) que sempre acompanha o sim-bólico (o que une e congrega) de uma forma tão avassaladora que o dia-bólico inundou a consciência de muitos e enfraqueceu o sim-bólico a ponto de dividir famílias, romper com amigos e liberar a violência verbal e também física. Especialmente ela se dirige contra minorias políticas que, na verdade, são maiorias numéricas, como a população negra, além de indígenas, quilombolas e outros de condição sexual diferenciada.

Precisamos de uma liderança ou um colegiado de líderes, com o carisma capaz de pacificar,de trazer paz e harmonia social: uma pessoa de síntese. Esta não será o presidente eleito, pois lhe faltam todas estas características. Ao contrario, reforça a dimensão de sombra, presente em todos nós, mas que pela civilidade, pela ética, pela moral e pela religião a controlamos sob a égide da dimensão de luz. Os antropólogos nos ensinam que todos nós somos sapiens e simultaneamente demens, ou na linguagem de Freud, somos perpassados pelo princípio de vida (eros) e pelo princípio de morte (thanatos)..

O desafio de cada pessoa e de qualquer sociedade é ver como se equilibram estas energias que não podem ser negadas, dando a hegemonia ao sapiens e ao princípio de vida Caso contrário nos devoraríamos uns aos outros.

Nos tempos atuais em nosso pais perdemos este ponto de equilíbrio. Se quisermos conviver e construir uma sociedade minimamente humana, devemos potenciar a força da positividade fazendo o contraponto à força da negatividade. É urgente desentranhar a luz, a tolerância, a solidariedade, o cuidado e o amor à verdade que estão enraizados em nossa essência humana. Como faze-lo?

Os sábios da humanidade, sem esquecer a sabedoria dos povos originários, nos testemunham que há um só caminho e não há outro. Ele foi bem formulado pelo poverello de Assis quando cantou: onde houver ódio que eu leve o amor, onde houver discórdia que eu leve a união, onde houver trevas que eu leve a luz e onde houver erro que eu leve a verdade.

Especialmente a verdade foi sequestrada pelo ex-capitão, dentro de um discurso de ameaças e de ódio, contrário ao espírito de Jesus, transformando a verdade numa amedrontadora falsidade e injúria. Aqui cabem os versos do grande poeta espanhol António Machado:

“Tua verdade, não: a Verdade. E vem comigo buscá-la. A tua, guarda-a contigo”. A verdade genuina nos deve unir e não separar, pois ninguém tem a posse exclusiva dela. Todos participamos dela, de um modo ou de outro sem espírito de posse.

Junto com uma frente política ampla em defesa da democracia e dos direitos sociais precisamos agregar uma outra frente ampla, de todas as tendências políticas, ideológicas e espirituais, ao redor de valores, capazes de nos tirar da presente crise.

Isso é importante: devemos usar aquelas ferramentas que eles jamais poderão usar: como o amor, a solidariedade, a fraternidade, o direito de cada um de possuir um pedacinho de Terra, da Casa Comum que Deus destinou a todos, de uma moradia decente, de cultivar a com-paixão para com os sofredores, o respeito, a compreensão, a renúncia a todo espírito de vingança, o direito de ser feliz e a verdade transparente. Valem os três “ts”do Papa Francisco: Terra, Teto e Trabalho, como direitos fundamentais.

Devemos atrair os fiéis das igrejas pentecostais através desses valores que são também evangélicos, em contra de seus pastores que são verdadeiros lobos. Ao se darem conta destes valores que os humanizam e os aproximam do Deus verdadeiro que está acima e dentro de todos mas cujo nome verdadeiro é amor e misericórdia, e não de ameaças de inferno, os fiéis se libertarão da servidão de um discurso que visa mais o bolso das pessoas do que o bem de suas almas.

O ódio não se vence com mais ódio, nem a violência com mais violência ainda. Só a mãos que se entrelaçam com outras mãos, só os ombros que se oferecem aos combalidos, só o amor incondicional nos permitirão gestar, nas palavras do injustamente odiado Paulo Freire, uma sociedade menos malfada onde não seja tão difícil o amor.

Aqui se encontra o segredo que faria do Brasil uma grande nação nos trópicos, que poderá ajudar n irrefreávell processo de mundialização a ganhar um rosto humano, jovial, alegre, hospitaleiro, tolerante terno e fraterno.

(*) Leonardo Boff é filosofo, teólogo e escritor, autor do livro A oração de São Francisco: uma mensagem de paz para o mundo atual, Vozes 2009.

OBS: Artigo publicado no blogue do autor em 01/11/2018, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2018/11/01/grande-frente-de-valores-etico-sociais/

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...