domingo, 29 de dezembro de 2019
HERÓI DO MAR E DO RIO
Por "Passeador Carioca"
(Do Facebook)
Nada menos que 109 anos depois, o cara da imagem – o da direita, evidentemente – recebeu um reconhecimento que lhe tem sido negado por tanto tempo. No último Dia da Consciência Negra, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro concedeu a João Cândido Felisberto o assentamento no Livro dos Heróis do Estado, onde estão os registros de quem contribuiu para a defesa, o progresso ou desenvolvimento do Rio, do Brasil ou da humanidade. João Cândido, também conhecido como Almirante Negro, liderou uma luta contra a discriminação racial, que no seu tempo tinha requintes de crueldade, com castigos físicos e tudo. Pois foi aqui mesmo, na região da Praça 15, onde fica sua estátua, que João liderou a Revolta da Chibata, movimento que colocou o Rio e o Brasil em polvorosa em novembro de 1910. É preciso, porém, contar como ele chegou até ali. Nascido negro e pobre no Rio Grande do Sul, com 14 anos João foi engajado como grumete na Marinha pelas mãos de ninguém menos que o almirante Alexandrino de Alencar. Seis anos depois, já como instrutor, é transferido para o Rio. As péssimas condições de trabalho dos marinheiros, o abismo entre os soldos dos praças e dos oficiais e as punições de faltas com chibatadas já fermentavam uma rebelião - o "corretivo", de 25 golpes, era aplicado, quase que exclusivamente, em militares negros. O notável espírito de liderança de João Cândido aflorou no período em que ele e vários companheiros foram enviados a Newcastle, na Inglaterra, a fim de aprender o funcionamento das belonaves encomendadas pela Marinha brasileira. Lá, o contato com os colegas britânicos, muito melhor tratados e mais bem pagos, foi o estímulo que faltava. Secretamente, Cândido e seus homens trocavam informações com os camaradas no Brasil, planejando o levante. De volta ao país a bordo dos novos navios, eles iniciaram o motim na noite de 22 de novembro, assumindo o comando do poderoso couraçado 'Minas Geraes' enquanto seu comandante jantava. Logo, a eles se juntaram as tripulações do 'São Paulo', do 'Bahia' e do ‘Deodoro’. Aproximadamente 2 mil dos 4 mil marinheiros da capital aderiram ao movimento armado, e vários oficiais e marujos foram mortos nos primeiros confrontos. “Não queremos o retorno da chibata. Isto é o que pedimos ao presidente da República e ao Ministro da Marinha. Queremos uma resposta imediata. Se não recebermos tal resposta, destruiremos a cidade e os navios que não são revoltantes”, dizia o ultimato de João Cândido. Fortalezas leais ao governo foram bombardeadas e a cidade chegou a ser atacada. Atingida por um obus, uma casa caiu no Morro do Castelo, matando duas crianças. A imprensa e diversos políticos tentaram intermediar um armistício, sem sucesso. Pressionado, o presidente Hermes da Fonseca propôs um acordo, com a promessa do fim das chibatadas e anistia aos revoltosos. O trato não foi cumprido – mais de 600 marinheiros, incluindo Cândido, foram presos na Ilha das Cobras e dezenas deles morreram sob condições análogas à tortura. Quanto ao líder, chegou a ser internado à força em um manicômio. Expulso da Marinha, sua vida, que nunca fora fácil, continuou dura. Com sua enorme experiência marítima, Cândido trabalhou em embarcações mercantes, mas o estigma de rebelde e a humilhação que impôs ao comando da Armada fez com que fosse perseguido por autoridades navais. Sem recursos, com a saúde abalada e atormentado por dramas familiares – a primeira mulher morreu de infecção intestinal e a segunda ateou fogo ao próprio corpo –, o inconformado João Cândido ainda se ligou a movimentos políticos, como a Ação Integralista Brasileira. A estátua, do artista plástico Walter Brito, foi inaugurada em 2008 e mostra Cândido com um leme e apontando para o mar, seu maior companheiro. Já velho, ele trabalhava descarregando pescado madrugada adentro para sobreviver. Todavia, a sonhada reintegração à Marinha nunca veio, embora o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha sancionado seu perdão oficial e anistia póstuma. O Almirante Negro desembarcou desta vida em 1969. Tinha 89 anos, morava em São João de Meriti e faleceu no Hospital Getúlio Vargas.
sábado, 14 de dezembro de 2019
Relembrando a História: O discurso de Fidel Castro durante a Eco-92
Há quase 28 anos atrás, durante a Eco-92, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento ocorrida no Rio de Janeiro, assim discursou o então presidente de Cuba, Fidel Castro, acerca dos problemas ecológicos da humanidade, o que até hoje se mantém atual:
"Sr. Presidente do Brasil, Fernando Collor de Mello; Sr. Secretário Geral das Nações Unidas, Butros Ghali;
Excelências:
Uma importante espécie biológica está em perigo de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida: o homem.
Agora estamos cientes deste problema, quando quase é tarde para impedi-lo.
É preciso salientar que as sociedades de consumo são as principais responsáveis pela atroz destruição do meio ambiente. Elas nasceram das antigas metrópoles coloniais e de políticas imperiais que, pela sua vez, engendraram o atraso e a pobreza que hoje açoitam a imensa maioria da humanidade. Com apenas 20 % da população mundial, elas consomem as duas terceiras partes dos metais e as três quartas partes da energia que é produzida no mundo. Envenenaram mares e rios, contaminaram o ar, enfraqueceram e perfuraram a camada de ozônio, saturaram a atmosfera de gases que alteram as condições climáticas com efeitos catastróficos que já começamos a padecer.
As florestas desaparecem, os desertos estendem-se, bilhões de toneladas de terra fértil vão parar ao mar cada ano. Numerosas espécies se extinguem. A pressão populacional e a pobreza conduzem a esforços desesperados para ainda sobreviver à custa da natureza. É impossível culpar disto os países do Terceiro Mundo, colônias ontem, nações exploradas e saqueadas hoje, por uma ordem econômica mundial injusta
A solução não pode ser impedir o desenvolvimento aos que mais o necessitam. O real é que todo o que contribua atualmente para o subdesenvolvimento e a pobreza constitui uma violação flagrante da ecologia. Dezenas de milhões de homens, mulheres e crianças morrem todos os anos no Terceiro Mundo a conseqüência disto, mais do que em cada uma das duas guerras mundiais. O intercâmbio desigual, o protecionismo e a dívida externa agridem a ecologia e propiciam a destruição do meio ambiente.
Se quisermos salvar a humanidade dessa autodestruição, teremos que fazer uma melhor distribuição das riquezas e das tecnologias disponíveis no planeta. Menos luxo e menos esbanjamento nuns poucos países para que haja menos pobreza e menos fome em grande parte da Terra. Não mais transferências ao Terceiro Mundo de estilos de vida e de hábitos de consumo que arruínam o meio ambiente. Faça-se mais racional a vida humana. Aplique-se uma ordem econômica internacional justa. Utilize-se toda a ciência necessária para um desenvolvimento sustentável sem contaminação. Pague-se a dívida ecológica e não a dívida externa. Desapareça a fome e não o homem.
Quando as supostas ameaças do comunismo têm desaparecido e já não há pretextos para guerras frias, corridas armamentistas e gastos militares, o que é o que impede dedicar de imediato esses recursos na promoção do desenvolvimento do Terceiro Mundo e combater a ameaça de destruição ecológica do planeta?
Cessem os egoísmos, cessem as hegemonias, cessem a insensibilidade, a irresponsabilidade e o engano. Amanhã será tarde de mais para fazer aquilo que devimos ter feito há muito tempo.
Obrigado."
Certo que, quando o PT esteve no poder, não se praticou exatamente o que o ilustre visitante colocou, visto que importamos os estilos de vida e os hábitos de consumo dos países ricos.
OBS: Foto da Agência O Globo. Extraída de https://extra.globo.com/noticias/mundo/ex-presidente-de-cuba-fidel-castro-morre-aos-90-anos-20546144.html?fbclid=IwAR043BKbgq8Q_Bp0pSRs1Tdqgmn2FgfuyW7P-fdq4sQKsSXiFtSQgtCdAEQ
quinta-feira, 31 de outubro de 2019
HOJE É DIA DE RELEMBRAR DRUMMOND
Hoje é dia de Drummond de Andrade (31 de outubro de 1902 ― 17 de agosto de 1987).
Como homenagem justa, nada melhor que trazer à tona uma das maravilhosas poesias desse fenomenal poeta de Itabira - MG que tanto encantou e ainda encanta o Brasil: “Necrológio dos Desiludidos do Amor”
NECROLÓGIO DOS
DESILUDIDOS DO AMOR
Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.
Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada.
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Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.
Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Visceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia…
Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).
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Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro
e cobertos de terra perderão o brilho
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba.
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Guarabira, 31 de outubro de 2012
Site da Imagem: erudicao.wordpress.co
sábado, 28 de setembro de 2019
Da fogueira pré-histórica ao "iSolamento virtual"
Desde os tempos dos antigos hominídeos, há centenas de milhares de anos, famílias pré-históricas reuniam-se em torno de fogueiras com a finalidade de preparar o alimento e, consequentemente, conviver. Iluminando a escuridão noturna, nossos ancestrais puderam conversar entre si, contar suas experiências, trocar ideias, rememorar eventos do passado, fazer brincadeiras, celebrar seus mitos e experiências religiosas de maneira que o fogo se tornava fator de aproximação e de união entre as pessoas.
Muitas dessas suposições são, obviamente, baseadas em tribos estudadas por pesquisadores, as quais muitas das vezes viviam da caça e coleta de vegetais em diferentes regiões do planeta. Segundo um artigo da antropóloga Polly Wiessner, da Universidade de Utah, nos EUA, publicado numa das edições de setembro de 2014 do periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), assim seriam as experiências dos grupos primitivos que habitam o Deserto do Kalahari, região semiárida do sul da África entre Namíbia e Botsuana, fazendo lembrar em muito as experiências do cotidiano dos nossos índios cá na América do Sul:
"Há algo no fogo no meio da escuridão que une, alivia e também excita as pessoas. É algo íntimo. O período noturno em volta da fogueira é um tempo universal de união, de repassar informações sociais, se divertir e dividir emoções. À noite, falamos sobre as características de pessoas que não estão presentes e fazem parte de nossas redes sociais maiores, de pensamentos sobre o mundo espiritual e como ele influencia o humano. E temos ainda cantos e danças, que também ajudam a unir o grupo." (Extraído da matéria "Domínio do fogo possibilitou início da 'boemia' na pré-história, diz estudo antropológico", publicada na internet do jornal O GLOBO, em 23/09/2014)
É certo que, com a vida sedentária nas localidades rurais e, depois ampliada com o advento da civilização, tais reuniões em torno da fogueira foram migrando para a mesa de refeições. Quer fosse bebendo um chá de hortelã sobre o tapete de uma aconchegante tenda árabe, ou comendo um churrasquinho com os amigos regado a uma cervejinha no quintal da casa, ou mesmo tomando aquele cafezinho fresco com as pessoas da família, a convivência presencial permaneceu por um longo período em grupos maiores ou menores.
Tudo ia relativamente bem até que inventaram a televisão, depois o microcomputador doméstico e, finalmente, o smartphone que, por sua vez, poderá ser substituído por outros aparelhos mais sofisticados na próxima década para os consumidores se encherem de longas prestações no cartão de crédito. Diante do fogo eletrônico da TV, famílias da segunda metade do século passado assistiam mudas e caladas as programações dos telejornais, novelas, filmes, minisséries bem como as competições esportivas. Não demorou muito para que psicólogos e religiosos começassem a chamar a atenção da sociedade para esse fator de desagregação, considerando a redução no diálogo verbal entre pais e filhos menores.
Indiscutível é que essa perda de convivência teve uma certa dose de responsabilidade dos pais que, sob certo aspecto, perceberam uma imediata vantagem nisso. Não é por menos que, por exemplo, muitas mães ligam a televisão para que as crianças se entretenham com os desenhos infantis, enquanto ela se ocupa de outras tarefas da casa sem precisar dividir as atenções com os filhos. Porém, não se pode esquecer que, até nos momentos em que os adultos se divertem entre si, os menores são estimulados a ficar horas diante da telinha para não perturbar o papo dos genitores com os amigos que visitam a casa.
Todavia, os tempos de internet fazem com que tenhamos até saudades da época em que ficávamos todos emudecidos diante da TV. Isto porque, durante os comerciais, as pessoas ainda trocavam ideias a respeito da própria programação assistida ou sobre qualquer outro assunto pertinente. Já outros dividiam-se entre as animações da emissora e a pessoa ao lado, focando mais naquilo que lhe interessasse no momento. Isto quando não mudavam habitualmente de canal através do controle remoto em mãos, o que poderia ser um reflexo da própria ansiedade.
Fato é que, na atualidade, em que cada membro da casa possui em mãos o seu telefone celular com acesso rápido à internet, por meio de aplicativos que permitem a troca de mensagens instantâneas, já não há mais o intervalo entre as programações para as pessoas da família papearem e nem subsiste a necessidade de permanecer todos no mesmo cômodo. Enquanto houver conexão Wi-Fi (ou da operadora de telefonia), a audiência do mundo virtual será contínua e qualquer interrupção no meio presencial acabará se tornando um incômodo transtorno.
E quais serão as consequências causadas por esse isolamento tecnológico?
A respeito dessa mudança de comportamento, o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador dos núcleos de Terapias Virtuais e de Psicoterapia Cognitiva de São Paulo, assim escreveu em seu blogue no UOL:
"Através de toda essa possibilidade, interagimos de uma maneira muito diferente do que fazíamos há anos com o conteúdo digital. Atualmente, baixamos apenas as músicas que nos atraem, buscamos notícias que nos interessam e, finalmente, visitamos sites que reproduzem ampla e irrestritamente a grande maioria de nossos interesses pessoais. Alguns, como Eli Pariser, por exemplo, acreditam que estamos de tal forma imersos em conteúdos que nos seduzem que, apesar de estarmos profundamente conectados, estamos igualmente vivendo uma nova forma de isolamento, o iSolamento virtual. Nesse sentido, é bem fácil perceber que as informações que fogem desse modelo individual, naturalmente são filtradas ou bloqueadas por uma bolha (ou filtro) invisível Dificilmente o indivíduo será perturbado por coisas que não lhe agradam ou temas que não lhe importam. Isso, inevitavelmente, acaba criando uma fragmentação das experiências pessoais ao reduzir os horizontes experienciais desses internautas (...) Outro ponto que merece destaque é que essa cultura da customização de conhecimentos, em parte, pode estar contribuindo para a criação de uma geração de narcisistas. Veja só: segundo o Instituto Nacional de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, a presença do transtorno narcisista da personalidade é hoje 3 vezes maior entre jovens com 20 anos de idade do que o das gerações que possuem 65 anos ou mais" (Extraído de https://cristianonabuco.blogosfera.uol.com.br/2014/04/30/tecnologia-e-novas-formas-de-isolamento/)
Mais do que nunca, o homem do século XXI precisa ser educado para conseguir fazer um melhor uso das novas tecnologias da área de comunicação. A internet que foi criada para nos proporcionar uma melhor qualidade de vida, por permitir a realização de tarefas com um gasto menor de tempo, não pode agora ocupar um espaço tão significativo nas nossas vidas a ponto de roubar o convívio com as pessoas próximas (familiares e amigos) e nem ser substituída pelas formas mais saudáveis e proveitosas de lazer.
Que possamos, com maior frequência, ser capazes de desligar os celulares!
OBS: Texto originalmente postado no blogue do autor em https://doutorrodrigoluz.blogspot.com/2019/09/da-fogueira-pre-historica-ao-isolamento.html
domingo, 2 de junho de 2019
Legado de Vargas
Por Ubiratan do Espírito Santo*
CLT- Consolidação das leis de trabalho
-Jornada diária de 8 horas
- Legalização da situação de trabalho da mulher e do menor
- férias
- Instituição da CTPS
- Criação do salário mínimo, etc.
Com o fim da república velha (1889-1930), Vargas deu o pontapé inicial para a industrialização do Brasil. Saímos de uma economia agrícola e semifeudal para o processo de instalação das indústrias de base. Aprofundamento e expansão da metalurgia, siderurgia...
Vargas costurou um acordo com os EUA e trouxe a CSN, companhia siderúrgica nacional, em troca de apoio aos americanos na II grande guerra - Uma das negociações que impulsionou nossa revolução industrial- , ainda que tardia.
Atuação de Bolsonaro e Guedes
Lamentavelmente, com a ascensão do atual governo cuja orientação é de extrema direita e, neoliberal na economia, estamos assistindo, perplexos, o desmonte do aparelho estatal e suas conquistas de décadas.
O presidente eleito em 2018 e sua equipe estão cumprindo uma agenda cruel contra a massa operária. Podemos destacar: supressão dos direitos trabalhistas; extinção do ministério do trabalho; proposta de reforma capitalização da previdência; o que significa entregar ao grande capital toda solidez da seguridade social construída com muita luta.
Tudo isso é muito lamentável e precisamos combater o desmanche do Estado e a supressão de direitos trabalhistas, conquistados pelo povo. Amparados na constituição e no projeto de um governo progressista e não entreguista, seguimos nossa jornada.
(*) Ubiratan do Espírito Santo é professor de História
sexta-feira, 17 de maio de 2019
Sob o império do grosseiro e do obsceno
Por Leonardo Boff*
Se há algo a lamentar profundamente hoje em dia nas redes sociais de nosso país é o império da grosseria e da obscenidade.
Essa metáfora já foi usada por outros: parece que as portas e as janelas do inferno se abriram de par em par. Daí saíram os demônios das ofensas pessoais, das injúrias, dos fake news, das mentiras, das calúnias e de toda sorte de palavras de baixíssimo calão. Nem precisaria Freud ter chamado a atenção ao fato de que há pessoas com fixação anal, usando palavras escatológicas e metáforas ligadas a perversões sexuais, pois as encontramos frequentemente nos twitters, nos facebooks, nos youtubes e em outros canais.
A grosseria demonstra a falta de educação, de civilidade, de cortesia e de polidez no trato para com as pessoas. A grosseria transforma a pessoa em vulgar. O linguajar vulgar usa expressões que ferem a sensibilidade dos outros ao seu redor. A vulgaridade contumaz deixa as pessoas inseguras, pois, nunca sabem quais gestos, palavrões ou metáforas de mau gosto podem sair de gente grosseira. O grosseiro casa o mau gosto com o desrespeito.
Especialmente, embora não exclusivamente, é o homem mais vulgar em sua linguagem. A mulher, não exclusivamente, pode ser vulgar no modo de se expor. Não se trata apenas no modo de se vestir, tornando-a explicitamente sensual e sedutora, mas no comportamento inadequado de se portar. Se a isso ainda se somam palavras obscenas e grosseiras faz-se mais vulgar e grotesca.
Especialmente grave é quando os portadores de poder como um presidente, um juiz da corte suprema, um ministro de Estado ou senador entre outros, esquecem o caráter simbólico de seu cargo e usam expressões vulgares e até obscenas. Espera-se que expressem privada e publicamente os valores que representam para todos. Quando falta esta coerência, a sociedade e os cidadãos se sentem traídos e até enganados. Aqueles que usam excessivamente expressões indignas de sua alta função são os menos indicadas para exercê-las.
Infelizmente é o que verificamos quase diariamente no linguajar daquele que ocupa o cargo mais alto da nação. Seu linguajar, não raro, é tosco, ofensivo, quando não escatológico e quase sempre burlesco.
Se é grave alguém ser grosseiro, mais grave ainda é o ser obsceno. Pois, este, o obsceno, rompe o limite natural daquilo que implica respeito e o sentido bom da vergonha. Já Aristóteles em sua Ética anotava que nos damos conta da falta de ética quando se perdeu o sentido da vergonha. Sem ela, tudo é possível, pois, não haverá nada que imponha algum limite. Até a Shoah, o extermínio em massa de judeus pelo nazismo, se tornou terrível realidade.
Nem tudo vale neste mundo. Houve Alguém que foi sentenciado à morte na cruz por testemunhar que nem tudo vale e que é digno entregar a própria vida por aquilo que deve ser incondicionalmente intocável e respeitável: a reverência ao Sagrado e a sacralidade do pobre e do que injustamente sofre.
Houve no Ocidente uma figura que se transformou em arquétipo da cortesia e da finura de espírito, daquilo que Pascal chamava de “esprit de finesse” contraposto ao “esprit de géométrie”; aquele, cheio de cuidado e de delicadeza e este outro, marcado pela frieza do cálculo e pela vontade de poder.
Um franciscano francês, Eloi Leclerc, sobrevivente do campo nazista de extermínio de Dachau e Birkenau, traduziu assim a cortesia de Francisco de Assis: “ter um coração leve” sem nenhum espírito de violência e de vingança, o reverso o de ter um coração pesado como o nosso, cheio de grosserias e de obscenidades. Aí ele faz o Poverello de Assis dizer:
“Ter um coração leve é escutar o pássaro cantando no jardim. Não o perturbes. Faze-te o mais silencioso possível. Escuta-o. Seu canto é o canto de seu Criador.”
“Rosas desabrocham no jardim. Deixa que possam florir. Não estendas a mão para colhê-las. Elas são o sorriso do Criador”.
“E se encontrares um miserável, alguém que está sofrendo desesperado, cala-te, escuta-o. Enche teus olhos com a presença dele, com a vida dele até que ele possa descobrir em teu olhar que tu és seu irmão. Então tu o fizeste existir.Tu foste Deus para teu irmão” (O Sol nasce em Assis, Vozes 2000 p.127).
Releva dizer: somos seres duplos, grosseiros e obscenos, mas também podemos e devemos ser gentis e corteses. Destes precisamos muitos, nos dias atuais, em nosso país. Para isso importa educar o coração (sim, dar valor à educação) para que seja leve e totalmente distante de toda a grosseria e de toda a obscenidade, tão vigentes entre nós.
(*) Leonardo Boff é teólogo, filósofo, ex-frade mas conservando o espírito franciscano de Assis.
OBS: Artigo e imagem extraídos do blogue pessoal do autor, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2019/05/16/sob-o-imperio-do-grosseiro-e-do-obsceno/
domingo, 5 de maio de 2019
A FILOSOFIA NO BANCO DOS RÉUS
Por Dib Cury*
Não tenho dúvidas de que a Vida que as pessoas vivem é o espelho de suas mentes. Os indivíduos só transitam pela Vida que são capazes de visualizar mentalmente e são atraídos pelos horizontes que valorizam em suas ideias. É uma questão daquilo que compreendemos e daquilo que nos tornamos capazes de ver. São as chamadas crenças pessoais que nos determinam.
Historicamente, é sabido que, para controlar as pessoas, é preciso determinar suas crenças e limitar suas ideias, pois mentes amplas abrem perspectivas maiores do que determina a rotina comezinha, prosaica e interesseira dos mercados e governos.
A Filosofia sempre teve a vocação primeira de expansão das mentalidades, de dissolução de crenças limitantes e de denúncia das tolices massificantes. Para controlar as pessoas, é preciso banir a Filosofia. Sempre foi assim. Filósofos como Sócrates e Giordano Bruno foram mortos por discordarem do pensamento vigente. A filósofa Hipácia foi esquartejada em praça pública como castigo às mulheres que ousaram se meter com a Sabedoria. Outro filósofo, Espinosa, foi excomungado e toda comunidade proibida de conversar com ele. Outras dezenas de pensadores foram perseguidos e caluniados.
Para os poderes se constituírem e se fortalecerem é preciso anular a discordância, restringir as possibilidades da mente e calar a Filosofia. A diversidade não importa para quem deseja a uniformidade do pensamento e a submissão à uma realidade ou ideologia imposta. Rebanhos são mais fáceis de direcionar. A Filosofia sempre foi a grande resistência contra a tolice.
O fato é que no início de abril de 2019, o governo brasileiro anunciou um profundo corte nos recursos do CAPES para a pesquisa científica. Como um país pode se desenvolver sem investimento em Ciência? E agora - mais recentemente - ouvimos também sobre a poda da Filosofia na Educação.
Seguramente, a Filosofia é a que mais incomoda. Pois trata-se de uma manifestação cultural legítima da humanidade, uma anciã que já conta com 2.600 anos de idade e mais de uma centenas de sábios, homens e mulheres brilhantes, que ainda tem muito a nos dizer sobre a Vida, mesmo mortos. Junto com a Arte e a Ciência, são as três pérolas sublimes da cultura humana.
No caso da Filosofia, trata-se do exercício da Razão de uma maneira rica, criativa e multi-diversa. A Filosofia é o Amor à Sabedoria através da Razão. Os antigos gregos chamavam a Razão de Logos, a capacidade humana de jogar luz sobre as coisas, iluminando-as e discernindo melhor sobre elas. O Logos originou a Lógica.
No correr das Eras, foi a Filosofia quem apontou a Razão por traz dos fenômenos do Universo. Foi a Filosofia que nos libertou dos aspectos noturnos do período Medieval; foi a Filosofia que consolidou o Renascimento cultural e artístico no Séc XV; foi a Filosofia que nos libertou do autoritarismo dos reis nas grandes revoluções da História; foi a Filosofia que instaurou a Era das Luzes nos séculos XVII e XVIII; foi a Filosofia que criou e aprofundou os conceitos de Democracia e de República, conceitos que ainda compreendemos tão mal. Finalmente, entre tantas outras contribuições históricas, foi a Filosofia que deu a luz às Ciências e as alimentou como filhas.
Pois a Filosofia, junto com sua irmã - a Arte - e sua filha - a Ciência - continuam sendo a garantia de renovação da humanidade para além das crenças limitantes e dos poderes que querem reduzir e alienar a mente humana no autoritarismo, na tolice, no preconceito e na subserviência. Por que será que o governo atual, que cortou as verbas para a pesquisa científica, quer podar a Filosofia e, ao mesmo tempo, tem visões e sensibilidade tão tacanhas para a Arte e a Cultura?
A Filosofia é uma das nossas melhores consciências. É a convicção de que somos muito mais do que apenas formigas atarefadas , à serviço dos poderes mundanos, nos túneis escuros da realidade. Por isto se mantém atual, universal e eterno o mito da Caverna de Platão. Dentro da caverna, estamos presos pelos poderes do mundo querendo nos iludir com suas sombras fakes da verdade. Fora da caverna, está o mundo da Luz e da Liberdade, atualmente, o mundo das dezenas de grandes filósofos mortos, muitos deles sacrificados pela estupidez e que - ao seu tempo - lutaram para libertar-nos da servidão, da tolice e da ignorância. Para aqueles que desejam sacrificar sua própria liberdade, os filósofos serão sempre fantasmas em suas consciências. Para os outros, são anjos de sabedoria, nos apontando os possíveis caminhos da Liberdade. Quem poderá ser contra eles?
(*) Dib Curi é filósofo e professor de Filosofia.
OBS: Texto extraído de uma publicação no perfil do autor no Facebook
quinta-feira, 18 de abril de 2019
Mais Uma Reprise de “Os Deuses de Casaca”
Por Levi B. Santos*
Parece que na vida de nosso país, apelidado de republiqueta das bananas, a comicidade e a falta de seriedade no trato da coisa pública nunca se revestiram de tão degradantes aspectos como os que acontecem nos dias atuais.
A comédia machadiana ―“Os Deuses de Casaca” ―, escrita em 1886 (há mais de 150 anos) cai como uma luva para retratar a bagunça que está o país nesses últimos dias, onde peças de péssima qualidade e óperas bufas são encenadas no grande teatro dos três poderes situado no planalto central, que deram o nome de Brasília ― fantasioso palco onde os mais variados idealistas de ocasião exibem suas maquiavélicas e caricatas incongruências, cada vez mais escalofobéticas.
Os afetos da natureza humana são ambíguos, como ambígua é também as almas dos que lá no panteão dos poderes exercitam seus neurônios. Entretanto, a turbulência de seus inflamados egos não permite que enxerguem o óbvio: a da necessidade de um mínimo de consenso diante de suas facções rendidas à intolerância e ao ódio. Será que os meliantes de nossas “sagradas casas”, não percebem que tudo se inicia no vácuo da falta de vigilância, uma vez que o estar sempre alerta no domínio de nossas feras interiores, afastaria o narcisismo doentio e infantil responsável pela insana autofagia ― processo esse que, ao fim e ao cabo, não deixará ninguém de pé?
Mas o que fazer quando se teima em proceder como o escorpião da fábula, que não resistiu ao instinto de injetar seu letal veneno no elefante que gentilmente o conduzia a salvo, de um lado do rio para o outro. “Desculpe, é a minha natureza” ― foi a alegação do egoísta animal peçonhento, antes de afundar no caudaloso rio, levando consigo o generoso animal que tinha resolvido salvá-lo.
Se o(a) leitor(a) tiver paciência de conferir o terceiro ato da peça ― “Os Deuses de Casaca” ― vai notar que tudo o que Machado escreveu, há mais de 150 anos, retrata, em fortes cores, os conflitos intermináveis em uma Babel de línguas estranhas, onde ninguém mais se entende.
Já estamos por demais cansados de, no horário considerado nobre pela sociedade, assistir a bate-bocas ou quebra paus que, a custa de nossos suados impostos, os Jornais da TV aberta e fechada, veiculam de forma sensacionalista. Com certeza, Machado de Assis, nosso maior escritor e dramaturgo, retirou muito material do lamacento e ignominioso mar dos “deuses de casaca” de seu tempo, para relatar, com seu humor inconfundível, os dramas e comédias da velha república que já nasceu viciada, na histórica Rio de Janeiro, hoje, infelizmente saqueada e falida.
Replicarei, abaixo, alguns trechos do diálogo entre Júpiter (o Grande Pai e Rei dos deuses menores de Roma), seu filho Marte (Deus da Guerra), e Apolo(Deus do Sol e da profecia) A similitude dos personagens da comédia machadiana, com os atores das comédias sem pé nem cabeça que estamos a assistir, ultimamente, chega até a nos surpreender, como se tivessem sido encomendados exatamente para retratar as cenas burlescas dos sombrios dias atuais , a partir do Olimpo de Brasília.
Irei me deter no terceiro ato dessa insuperável peça de Machado de Assis, pelo fato de estar eivada de termos, hoje, usados e abusados nas divinas comédias do horário nobre nos canais de TV, em nossas glebas. No diálogo republicano machadiano, as falas esdrúxulas usadas são as que ainda hoje estão sendo brandidas pelos poderosos comediantes da pós modernidade. Expressões como: “congresso geral”, “artifício da diplomacia”, “traidores”, reforma, “uma horrível Babel, onde a honra é de papel”.
Sem mais conversa, passemos aos trechos emblemáticos que aqui prometi replicá-los, do interessantíssimo diálogo entre os deuses ― Marte, Júpiter e Apolo
MARTE:
― Desgraçado daquele que assim foge às lutas e à conquista!
JÚPITER:
― Que tens feito?
MARTE:
― Oh! Por mim, ando na pista de um Congresso geral. Quero, como fogo e arte, mostrar que sou aquele antigo Marte – que as guerras inspirou de Aquiles e de Heitor. Mas por agora nada! É desanimador o estado desse mundo. A guerra, o meu ofício, é o último caso, antes vem o artifício. Diplomacia é o nome; a coisa é o mútuo engano. Matam-se, mas depois de um labutar insano. Discutem, gastam o tempo, cuidado e talento, O talento e o cuidado é ter astúcia e tento. […] A tolice no caso é falar claro e franco.
JÚPITER
―Tens razão, filho tens!
MARTE:
― Que acontece daqui? É que nesta Babel reina em todos e em tudo uma coisa – o papel. É esta a base o meio e o fim. O grande rei é o papel. Não há outra força, outra lei. A fortuna o que é? Papel ao portador.A honra é de papel; é de papel o amor. O valor já não é aquele ardor aceso, tem duas divisões – é de almaço ou de peso.Enfim, por completar esta horrível Babel, a moral de papel faz guerra de papel.
APOLO:
― Sinto que o nosso esforço é baldado e imagino que não bateu a hora do destino. Que dizes Marte?
MARTE:
― A Reforma há de vir quando o Olimpo, outra vez, em nossas mãos cair. Espera!
(*) Levi B. Santos é médico colposcopista e editor do blogue Ensaios & Prosas
OBS: Artigo publicado no blogue do autor em 30/03/2019, conforme consta em https://levibronze.blogspot.com/2019/03/mais-uma-reprise-de-os-deuses-de-casaca.html
terça-feira, 26 de março de 2019
Precisamos de uma educação do coração
Por Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama*
Quando o presidente dos Estados Unidos diz "Primeiro a América", ele está fazendo com que seus eleitores se sintam felizes. Sou capaz de entender isso. Mas, de uma perspectiva global, esta afirmação não é relevante. Hoje em dia, tudo está interconectado.
A nova realidade é que somos todos interdependentes uns com os outros. Os Estados Unidos são uma nação que lidera o mundo livre. Por essa razão, peço ao seu presidente que pense melhor sobre questões de âmbito global. Não há fronteiras nacionais quando se trata de proteção climática ou de economia global. Tampouco há fronteiras religiosas. Chegou a hora de entendermos que somos todos seres humanos iguais neste planeta. Quer desejemos ou não, precisamos coexistir.
A história nos diz que quando as pessoas perseguem apenas seus próprios interesses nacionais, há conflitos e guerras. Essa visão é míope e estreita. É também não realista e desatualizada. Vivermos juntos como irmãos e irmãs é o único caminho para a paz, para compaixão, para a presença mental e para termos mais justiça.
Chegou a hora de entendermos que somos todos seres humanos iguais neste planeta. Quer desejemos ou não, precisamos coexistir.
A religião pode, até certo ponto, ajudar a superar a divisão. Mas só a religião não será suficiente. Neste momento, a ética secular global é mais importante do que as religiões clássicas. Precisamos de uma ética global que possa acolher os que creem em alguma religião e os que não creem em religião alguma, incluindo os ateus.
Meu desejo é que, um dia, a educação formal dê atenção à educação do coração, que ensine o amor, a compaixão, a justiça, o perdão, a presença mental, a tolerância e a paz. Essa educação é necessária, desde o jardim de infância até o ensino médio e as universidades. Refiro-me a aprendizagem social, emocional e ética. Precisamos de uma iniciativa mundial para educar o coração e a mente nesta era moderna.
Atualmente, nossos sistemas educacionais são orientados principalmente para valores materiais e para o treinamento do intelecto. Mas a realidade nos ensina que não chegamos à razão exclusivamente através do intelecto. Precisamos colocar mais ênfase nos valores internos.
A intolerância leva ao ódio e à divisão. Nossos filhos devem crescer com a ideia de que o diálogo, e não a violência, é a maneira melhor e mais prática de resolver conflitos. As gerações mais jovens têm uma grande responsabilidade em garantir que o mundo se torne um lugar mais pacífico para todos. Mas isso só poderá se tornar realidade se educarmos, não apenas o cérebro, mas também o coração. Os sistemas educacionais do futuro devem dar maior ênfase ao fortalecimento das habilidades humanas, como o afeto, o senso de unicidade, a humanidade e o amor.
Vejo ainda mais claramente que o nosso bem-estar espiritual não depende da religião, mas da nossa natureza humana inata – nossa afinidade natural pela bondade, pela compaixão e por cuidar dos outros. Independentemente de se pertencer a uma religião ou não, todos nós temos uma fonte fundamental e profundamente humana de ética dentro de nós mesmos. Precisamos nutrir essa base ética da qual nós todos compartilhamos.
A ética, ao contrário da religião, é fundamentada na natureza humana. Por meio da ética, podemos trabalhar na preservação da criação. A empatia é a base da coexistência humana. Creio que o desenvolvimento humano depende da cooperação e não da competição. A ciência nos confirma isso.
Precisamos aprender que a humanidade é uma grande família. Somos todos irmãos e irmãs: fisicamente, mentalmente e emocionalmente. Mas ainda nos concentramos demasiadamente em nossas diferenças em vez de nossas semelhanças. Mas ao final, cada um de nós nasceu da mesma maneira e morrerá da mesma maneira.
(*) O 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, é o líder espiritual do Tibete e Prêmio Nobel da Paz.
OBS: Artigo escrito em co-autoria com Franz Alt, jornalista de TV e autor de best-seller, sendo que o texto aqui postado é uma adaptação extraída do livro “Um apelo ao mundo: o caminho para a paz em tempos de divisão”, tratando-se de uma tradução livre de Jeanne Pilli. O original em inglês publicado por Los Angeles Times de onde foi extraída a imagem acima em que os créditos da imagem são atribuídos a Geert Vanden Wijngaert / Associated Press, conforme consta em http://www.latimes.com/opinion/op-ed/la-oe-dalai-lama-alt-we-need-an-education-of-the-heart-20171113-story.html
sexta-feira, 22 de março de 2019
Previdência, economia e Constituição
Por Luiz Fux
A Previdência Social é um sistema de seguro obrigatório em que o trabalhador participa por meio de contribuições mensais e recebe, em contrapartida, o benefício de uma renda no momento em que estiver inapto, seja pelo advento de aposentadoria seja pelo de riscos econômicos como a perda de rendimentos em razão de doença, invalidez, maternidade ou até mesmo a morte de cônjuge.
No contexto brasileiro, muito se discute a respeito da necessidade ou não de uma reforma. Nesse diapasão é que, em 20 de fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, entregaram uma proposta.
O equilíbrio das contas públicas depende da atuação conjunta dos três Poderes. O Executivo deve organizar a política previdenciária, imprimir maior eficiência à gestão e, eventualmente, propor alterações legislativas para reorganizar as finanças em face de projeções etárias, déficits orçamentários e etc.
Por sua vez, ao Poder Legislativo incumbe a tarefa de discutir com maturidade as propostas. Quanto ao Poder Judiciário, cabe a função de garantir os direitos constitucionalmente assegurados, sem olvidar do esforço das instituições político-representativas em imprimir equilíbrio econômico-financeiro.
As demandas judiciais implicam ao Judiciário a necessidade de realizar um cauteloso raciocínio. Por um lado, o juiz não pode se afastar das previsões legais e dos mandamentos constitucionais protetivos no referente aos direitos adquiridos no tocante à aposentadoria ou às garantias de proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário.
Por outro, como bem nos relembram Guido Calabresi (ex-desembargador federal nos EUA e professor de Yale) e Philip Bobbitt (professor da Universidade de Columbia), o Judiciário não pode esquecer que está inserido em um ambiente político-econômico de recursos limitados no qual, não raras vezes, o poder público necessita realizar verdadeiras “escolhas trágicas” na medida em que elege como alocar recursos.
Como já bem demonstrado por Cass Sunstein e Stephen Holmes, a proteção a qualquer direito, seja de cunho individual seja de social, representa custos ao Estado, prescindindo, consequentemente, de uma alocação dos recursos. Nesse diapasão, a discussão a respeito de direitos, especialmente os de cunho social, não está só adstrita a um debate principiológico. Para além do reconhecimento de direitos fundamentais, conquista histórica expressada na Carta de 1988, hoje, vivemos em um paradigma em que, cada vez mais, juristas precisam refletir, também, a respeito de como efetivá-los. As promessas constitucionais expressas não podem deixar de vir acompanhadas de consequências jurídicas e fáticas concretas, cogentes e eficazes, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel.
A imposição de previsão orçamentária prévia não deve, per si, refletir um obstáculo ao reconhecimento de um direito. O Poder Judiciário tampouco pode legitimar o descumprimento de deveres constitucionais por parte do poder público, sob a justificativa de falta de recursos.
O que se deve ter em mente é o fato de que decisões judiciais podem produzir consequências sistêmicas. Em vez de efetuar mero enfrentamento direto, com decisões judiciais simplórias, é preciso repensar modelos de interferência judicial em que se distribuem os custos de decisão, criando incentivos para soluções negociais, legislativas ou até mesmo para que atores com maior expertise técnica possam colaborar na solução.
A atividade jurisdicional deve ultrapassar a visão “credor (cidadão) X devedor (Estado)” que vem orientando as intervenções judiciais. É dizer: eventual intervenção judicial precisa partir de uma óptica funcional, mensurando-se o grau de utilidade, os impactos sociais que ela promoverá e os incentivos e os desincentivos gerados por ela aos demais atores políticos envolvidos, a fim de se chegar a uma resolução dialógica para o problema, em prol dos cidadãos impactados.
O intuito, portanto, é o de promover decisões judiciais responsivas aos problemas presentes na realidade social sem, no entanto, “drenar recursos escassos e criar privilégios não universalizáveis”.
(*) Luiz Fux é jurista e ministro do Supremo Tribunal Federal
OBS: Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, conforme extraído juntamente com a foto do portal da CSB em http://csb.org.br/opiniao/previdencia-economia-constituicao
quinta-feira, 21 de março de 2019
Um futuro com "panem et liber"
Outro dia, no Facebook, um internauta apresentou-me uma questão através da área de comentários numa das postagens recentes do meu perfil pessoal. Em sua fala, ele colocou o seguinte que passo a citar com correções:
"(...) entenda que esse planeta assim como outros que foram habitados também vão sumir, acabar. Acho que o senhor já se deu conta do quanto a tecnologia está acabando com os empregos. De um lado, ela leva prazer a quem a utiliza e, por outro, ela vem para dissipar milhões de emprego. E quem não se atualizar vai ficar no sub-emprego. Eu lhes pergunto, Dr. Pessoas estão a cada dia mais perdendo seus empregos. Empresários fechando as portas, os pequenos e médios então nem se falam. O que fazer, doutor, ainda mais em cidades em que a tecnologia demora mais a chegar, mas chega e, quando chega, as pessoas não estão preparadas para ela. Aí vem quem se preparou e leva o pouco que tem?"
Confesso que, há mais de duas décadas, penso a respeito disso e defendo algo que pode parecer escandaloso para uns e desnecessário para outros. Porém, sou amplamente favorável a que todos os desempregados do mundo sejam sustentados através de um programa de renda mínima que lhes permita viver dignamente. Trata-se de promover uma nova política do "pão e circo" parecido como fizeram os romanos na Antiguidade, mas com algumas modificações para os dias atuais e dentro de um novo propósito.
Como se sabe, os imperadores de Roma conseguiram conter várias revoltas sociais distribuindo comida e promovendo eventos para distrair o povo. Segundo um texto extraído do portal InfoEscola,
"(...) nos tempos de crise, em especial no tempo do Império, as autoridades acalmavam o povo com a a construção de enormes arenas, nas quais realizavam-se sangrentos espetáculos envolvendo gladiadores, animais ferozes, corridas de bigas, quadrigas, acrobacias, bandas, espetáculos com palhaços, artistas de teatro e corridas de cavalo. Outro costume dos imperadores era a distribuição de cereais mensalmente no Pórtico de Minucius. Basicamente, estes "presentes" ao povo romano garantia que a plebe não morresse de fome e tampouco de aborrecimento. A vantagem de tal prática era que, ao mesmo tempo em que a população ficava contente e apaziguada, a popularidade do imperador entre os mais humildes ficava consolidada (...)" - Extraído de https://www.infoescola.com/historia/politica-do-pao-e-circo/
Todavia, sabemos que havia críticos dessa política. O próprio texto original desta citação faz menção do poeta Décimo Júnio Juvenal, o qual viveu em Roma entre os séculos I e II da era comum, sendo ele o autor das famosas Sátiras. Para o escritor, os romanos, que antes eram tão poderosos, tornaram-se escravos de prazeres corruptores e só precisam de "pão e circo" (panem et circenses 10.81; i.e. comida e diversão).
Fato é que a política assistencial do Império Romano não pode ser vista apenas sob esses prismas sendo que, desde o século XIX, novas visões a respeito daquela época vêm sendo construídas. Pois a ajuda do governo, além de ser insuficiente para o sustento de uma família, no sentido de cobrir gastos com aluguéis, roupas e outros bens de consumo, não eliminava o descontentamento dos pobres, mas apenas diminuíam, de modo que a plebe continuava a reivindicar melhorias na área social.
Em minha visão, sou a favor da assistência estatal para quem não tem renda para o próprio sustento, porém penso ser um desperdício não incentivar o uso do tempo livre do ser humano para fins produtivos através do estudo. E aí a mudança que eu faria na adoção dessa política seria substituir o Coliseu, o Circo Máximo, os teatros, as terminas romanas, e outros espaços de sociabilidade de uso dos antigos pelas escolas do saber. Ou seja, o desempregado, no mundo da tecnologia, iria aplicar parte das horas de seu dia estudando aquilo que lhe desse prazer.
Essa ideia de um futuro com pão e livro viria de encontro ao que propôs o sociólogo italiano Domenico de Masi, autor da conhecida obra O ócio criativo (2000). Em sua monografia, ele defendeu que, com o avanço da tecnologia, o homem poderia dispor de mais tempo para atividades como o lazer, a convivência familiar, os cuidados com a saúde e investir na própria formação profissional. Logo, ao invés de laborar as oito horas diárias, o trabalhador futuro realizaria a mesma produção em três ou quatro horas.
De qualquer modo, assim como é importante a redução das horas de trabalho para o profissional estudar e cuidar mais de si, deve a assistência permitir que qualquer interessado tenha acesso à educação de maneira ilimitada, contínua e formarmos um ambiente social propício ao estudo. Pois acredito que, sem o medo de passar fome, tendo as suas necessidades básicas satisfeitas, as pessoas terão mais vontade de aprender vindo a se tornar úteis para o mundo de tecnologias no qual já estamos vivendo e que requer mão-de-obra qualificada para atuar no mercado profissional.
Quem sabe um dia os nossos políticos não se abrem para esse entendimento?!
Ótima noite a todos!
OBS: Texto originalmente postado em meu blogue pessoal sendo que a imagem acima eu a extraí de https://pt.dreamstime.com/imagem-de-stock-p%C3%A3o-e-livros-velhos-image21252981
sábado, 16 de março de 2019
O conservador e o reacionário
Por Gabriel Zani*
Quando eu entrei na Faculdade de História, achava que o curso seria relativamente fácil. Acreditava que seria algo como "decorar datas" e memorizar "nomes importantes" do passado. Contudo, não foi bem assim.
Primeira aula de Metodologia da História e veio o choque.
Conceitos e mais conceitos. Via a boca do professor se mexendo e não entendia absolutamente nada. Suando frio e olhando para o teto da sala de aula, percebi o quão errado eu estava sobre o que era, de fato, a História.
Ao longo do curso, com muito suor e algumas lágrimas (confesso), fui compreendendo o que é o fazer e o pensar histórico.
Algumas vezes, pensava comigo mesmo sobre como as coisas estavam do lado de fora da faculdade. Quantas pessoas acreditavam que a "História é só um monte de datas e livres interpretações", assim como eu entendia no início do curso?
No Brasil, de fato, há um considerável desconhecimento sobre o que é História. O ensino de história mais acelerado na Educação Básica, sem o esforço do educador ou mesmo o tempo para um maior aprofundamento, talvez sejam esses elementos as razões pelas quais existe uma maior ignorância acerca do pensamento histórico.
Tal ignorância se expressa, fortemente, na definição imprecisa dos conceitos.
Pra piorar, percebo que grande parte dos brasileiros não consegue fazer uma distinção clara entre o sujeito e o objeto, dentro de uma determinada realidade situacional.
Ao invés de definir um conceito pelo o que ele é, em sua grande maioria, o indivíduo define o conceito a partir de sua própria subjetividade, fazendo com que o sujeito esteja acima do objeto e não ao lado, respeitando a distância requerida.
A partir disso, vêm as distorções e os equívocos.
Um rapaz, da noite pro dia, passa a se ver como conservador.
O pouco do que ele sabe sobre o que é ser conservador, foi retirado de vídeos do YouTube ou de textos pequenos de grupos do Facebook.
Suas fontes de conhecimento não são livros ou anos de estudo em uma instituição de Ensino Superior, mas sim discursos verborrágicos de um homem que grita na frente de uma câmera, ou de teorias conspiratórias que vão do "uso de fetos na Pepsi" ao conhecido alarme de pânico: "os comunistas tomarão o poder!"
O tempo passa e esse rapaz se ajunta com outros garotos, que pensam de forma semelhante a ele. Todos se definem como conservadores, mesmo não entendendo o significado e o conteúdo do objeto.
Mas não é preciso, pois - segundo estes - basta se sentir como um conservador (novamente, o sujeito proeminente e o objeto esquecido).
Entretanto, o rapaz que se vê como conservador, na realidade, é só mais um reacionário.
Oxalá, alguém poderia pagar algumas viagens para esses jovens, a fim de que eles vissem de perto o que é ser um conservador. Passar alguns meses no Reino Unido, acompanhar o dia a dia de um político do Partido Conservador, tentar absorver - pelo menos - um pouco do conhecimento de uma senhora que, desde a sua infância, já passava horas estudando.
O verdadeiro conservador, além de evitar qualquer fonte informal de conhecimento (só de pensar, ele já têm ânsia de vômito e fortes náuseas), é uma pessoa que realmente estuda. Criado a partir de uma rigorosa disciplina, aos 10 anos já sabia grego e latim. Aos 15 anos, tinha lido mais livros que metade da população brasileira. Aos 17 anos, ingressava em Cambridge, no curso de Relações Internacionais. Aos 30 anos, já era Doutor e membro do Parlamento Inglês.
Só a partir de tudo o que ele estudou, com muito esforço e dedicação, ele enfim se tornou um conservador, não porque ele se sentia como um, nem porque um vídeo do YouTube mostrava um homem "mitando", mas porque a longa e difícil leitura dos pensadores clássicos, fizeram com que ele entendesse o objeto e estabelecesse uma relação íntima com ele.
Sabendo dessas coisas, olhando para aqueles que se dizem conservadores no Brasil, é possível afirmar que eles são o que falam?
Um senhor que foi ator da Globo, participou da "Casa dos Artistas" e se aposentou como ator pornô, da noite pro dia, tornou-se um conservador?
Um garoto de 22 anos, sem Ensino Superior completo, que solta uma rajada de palavras com dezenas de contradições?
Uma jornalista que propaga, diariamente, uma série de fake news, desinformando a população, e que agora desfila como deputada federal?
Não, não são e nunca foram conservadores. Das duas uma. Ou falta muita humildade ou um grau elevado de honestidade intelectual.
Além disso, o conservador utiliza o seu próprio conhecimento para solucionar os problemas ao seu redor. Ele retorna aos clássicos e ao saber dos antigos, trazendo a própria "Tradição" ao seu presente, apropriando-a como uma ferramenta política, a fim de implementar mudanças e aplicar as suas ideias.
Em contrapartida, diferente do conservador, o reacionário evita a absorção e a aplicação do conhecimento tradicional, uma vez que ele vê a leitura de um longo livro como algo "maçante e cansativo". É mais rápido e fácil ligar o computador e assistir a um vídeo de um cara barbudo gritando. Para cada palavra do "YouTuber", o reacionário diz "amém", não questionando uma vírgula, nem criticando qualquer palavra dirigida para ele.
Os vídeos e os textos que o reacionário prefere, geralmente, possuem um teor escatológico e "apocalíptico". O medo e o pânico de estar envolvido em uma "trama conspiratória", contraditoriamente, são os elementos que mais atraem o reacionário.
Ele conversa com seus amigos e familiares e, aos poucos, passa a falar igual ao Youtuber que ele acompanha todos os dias. Em seus discursos, o reacionário busca colocar as pessoas ao seu redor dentro de sua "realidade conspiratória", tentando trazer medo e pânico à mente de cada uma delas.
"Eles querem matar vocês!Temos que ter armas para nos defender!Imagina se ele entra na sua casa e estupra a sua filha!Eles querem transformar os seus filhos em rebeldes assassinos!"
Enquanto o conservador tem uma visão relativamente positiva e menos caótica em relação ao futuro, em que a esperança é maior do que qualquer sinal de pessimismo, o reacionário - por outro lado - tem a visão de futuro mais negativa possível.
Vivendo dentro de uma bolha, sempre com um atitude defensiva e com uma doentia necessidade de autoproteção, qualquer ação - por mais insana que seja - se torna legítima, desde que ela o proteja.
Tem que matar, para eu me proteger? Então mata!
Tem que impedir a entrada de imigrantes, para eu me proteger? Então manda eles de volta para a sua terra!
Tem que entrar metralhando essa favela, para eu me proteger? Então metralha tudo!
Do conhecimento, até as medidas planejadas e executadas, é possível notar a diferença abismal entre um conservador e um reacionário.
São raríssimos os indivíduos que são, de fato, conservadores no Brasil. O que há mais por aqui são reacionários, muito mais próximos ao pensamento do Datena do que às ideias de Edmund Burke ou Roger Scruton.
Ignorância, falta de humildade e profunda desonestidade intelectual são as marcas registradas de um reacionário.
Nunca imaginei que, um dia, um progressista como eu, estaria desejando que existissem mais conservadores no Brasil do que uma multidão de reacionários.
(*) Gabriel Zani é Historiador
OBS: Texto e imagem extraídos do blogue Saiba História, em 15/03/2019, embora originalmente postado na página Logados na História do Facebook.
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