sexta-feira, 17 de maio de 2019

Sob o império do grosseiro e do obsceno



Por Leonardo Boff*

Se há algo a lamentar profundamente hoje em dia nas redes sociais de nosso país é o império da grosseria e da obscenidade.

Essa metáfora já foi usada por outros: parece que as portas e as janelas do inferno se abriram de par em par. Daí saíram os demônios das ofensas pessoais, das injúrias, dos fake news, das mentiras, das calúnias e de toda sorte de palavras de baixíssimo calão. Nem precisaria Freud ter chamado a atenção ao fato de que há pessoas com fixação anal, usando palavras escatológicas e metáforas ligadas a perversões sexuais, pois as encontramos frequentemente nos twitters, nos facebooks, nos youtubes e em outros canais.

A grosseria demonstra a falta de educação, de civilidade, de cortesia e de polidez no trato para com as pessoas. A grosseria transforma a pessoa em vulgar. O linguajar vulgar usa expressões que ferem a sensibilidade dos outros ao seu redor. A vulgaridade contumaz deixa as pessoas inseguras, pois, nunca sabem quais gestos, palavrões ou metáforas de mau gosto podem sair de gente grosseira. O grosseiro casa o mau gosto com o desrespeito.

Especialmente, embora não exclusivamente, é o homem mais vulgar em sua linguagem. A mulher, não exclusivamente, pode ser vulgar no modo de se expor. Não se trata apenas no modo de se vestir, tornando-a explicitamente sensual e sedutora, mas no comportamento inadequado de se portar. Se a isso ainda se somam palavras obscenas e grosseiras faz-se mais vulgar e grotesca.

Especialmente grave é quando os portadores de poder como um presidente, um juiz da corte suprema, um ministro de Estado ou senador entre outros, esquecem o caráter simbólico de seu cargo e usam expressões vulgares e até obscenas. Espera-se que expressem privada e publicamente os valores que representam para todos. Quando falta esta coerência, a sociedade e os cidadãos se sentem traídos e até enganados. Aqueles que usam excessivamente expressões indignas de sua alta função são os menos indicadas para exercê-las.

Infelizmente é o que verificamos quase diariamente no linguajar daquele que ocupa o cargo mais alto da nação. Seu linguajar, não raro, é tosco, ofensivo, quando não escatológico e quase sempre burlesco.

Se é grave alguém ser grosseiro, mais grave ainda é o ser obsceno. Pois, este, o obsceno, rompe o limite natural daquilo que implica respeito e o sentido bom da vergonha. Já Aristóteles em sua Ética anotava que nos damos conta da falta de ética quando se perdeu o sentido da vergonha. Sem ela, tudo é possível, pois, não haverá nada que imponha algum limite. Até a Shoah, o extermínio em massa de judeus pelo nazismo, se tornou terrível realidade.

Nem tudo vale neste mundo. Houve Alguém que foi sentenciado à morte na cruz por testemunhar que nem tudo vale e que é digno entregar a própria vida por aquilo que deve ser incondicionalmente intocável e respeitável: a reverência ao Sagrado e a sacralidade do pobre e do que injustamente sofre.

Houve no Ocidente uma figura que se transformou em arquétipo da cortesia e da finura de espírito, daquilo que Pascal chamava de “esprit de finesse” contraposto ao “esprit de géométrie”; aquele, cheio de cuidado e de delicadeza e este outro, marcado pela frieza do cálculo e pela vontade de poder.

Um franciscano francês, Eloi Leclerc, sobrevivente do campo nazista de extermínio de Dachau e Birkenau, traduziu assim a cortesia de Francisco de Assis: “ter um coração leve” sem nenhum espírito de violência e de vingança, o reverso o de ter um coração pesado como o nosso, cheio de grosserias e de obscenidades. Aí ele faz o Poverello de Assis dizer:

“Ter um coração leve é escutar o pássaro cantando no jardim. Não o perturbes. Faze-te o mais silencioso possível. Escuta-o. Seu canto é o canto de seu Criador.”

“Rosas desabrocham no jardim. Deixa que possam florir. Não estendas a mão para colhê-las. Elas são o sorriso do Criador”.

“E se encontrares um miserável, alguém que está sofrendo desesperado, cala-te, escuta-o. Enche teus olhos com a presença dele, com a vida dele até que ele possa descobrir em teu olhar que tu és seu irmão. Então tu o fizeste existir.Tu foste Deus para teu irmão” (O Sol nasce em Assis, Vozes 2000 p.127).

Releva dizer: somos seres duplos, grosseiros e obscenos, mas também podemos e devemos ser gentis e corteses. Destes precisamos muitos, nos dias atuais, em nosso país. Para isso importa educar o coração (sim, dar valor à educação) para que seja leve e totalmente distante de toda a grosseria e de toda a obscenidade, tão vigentes entre nós.


(*) Leonardo Boff é teólogo, filósofo, ex-frade mas conservando o espírito franciscano de Assis.

OBS: Artigo e imagem extraídos do blogue pessoal do autor, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2019/05/16/sob-o-imperio-do-grosseiro-e-do-obsceno/

domingo, 5 de maio de 2019

A FILOSOFIA NO BANCO DOS RÉUS



Por Dib Cury*

Não tenho dúvidas de que a Vida que as pessoas vivem é o espelho de suas mentes. Os indivíduos só transitam pela Vida que são capazes de visualizar mentalmente e são atraídos pelos horizontes que valorizam em suas ideias. É uma questão daquilo que compreendemos e daquilo que nos tornamos capazes de ver. São as chamadas crenças pessoais que nos determinam.

Historicamente, é sabido que, para controlar as pessoas, é preciso determinar suas crenças e limitar suas ideias, pois mentes amplas abrem perspectivas maiores do que determina a rotina comezinha, prosaica e interesseira dos mercados e governos.

A Filosofia sempre teve a vocação primeira de expansão das mentalidades, de dissolução de crenças limitantes e de denúncia das tolices massificantes. Para controlar as pessoas, é preciso banir a Filosofia. Sempre foi assim. Filósofos como Sócrates e Giordano Bruno foram mortos por discordarem do pensamento vigente. A filósofa Hipácia foi esquartejada em praça pública como castigo às mulheres que ousaram se meter com a Sabedoria. Outro filósofo, Espinosa, foi excomungado e toda comunidade proibida de conversar com ele. Outras dezenas de pensadores foram perseguidos e caluniados.

Para os poderes se constituírem e se fortalecerem é preciso anular a discordância, restringir as possibilidades da mente e calar a Filosofia. A diversidade não importa para quem deseja a uniformidade do pensamento e a submissão à uma realidade ou ideologia imposta. Rebanhos são mais fáceis de direcionar. A Filosofia sempre foi a grande resistência contra a tolice.

O fato é que no início de abril de 2019, o governo brasileiro anunciou um profundo corte nos recursos do CAPES para a pesquisa científica. Como um país pode se desenvolver sem investimento em Ciência? E agora - mais recentemente - ouvimos também sobre a poda da Filosofia na Educação.

Seguramente, a Filosofia é a que mais incomoda. Pois trata-se de uma manifestação cultural legítima da humanidade, uma anciã que já conta com 2.600 anos de idade e mais de uma centenas de sábios, homens e mulheres brilhantes, que ainda tem muito a nos dizer sobre a Vida, mesmo mortos. Junto com a Arte e a Ciência, são as três pérolas sublimes da cultura humana.

No caso da Filosofia, trata-se do exercício da Razão de uma maneira rica, criativa e multi-diversa. A Filosofia é o Amor à Sabedoria através da Razão. Os antigos gregos chamavam a Razão de Logos, a capacidade humana de jogar luz sobre as coisas, iluminando-as e discernindo melhor sobre elas. O Logos originou a Lógica.

No correr das Eras, foi a Filosofia quem apontou a Razão por traz dos fenômenos do Universo. Foi a Filosofia que nos libertou dos aspectos noturnos do período Medieval; foi a Filosofia que consolidou o Renascimento cultural e artístico no Séc XV; foi a Filosofia que nos libertou do autoritarismo dos reis nas grandes revoluções da História; foi a Filosofia que instaurou a Era das Luzes nos séculos XVII e XVIII; foi a Filosofia que criou e aprofundou os conceitos de Democracia e de República, conceitos que ainda compreendemos tão mal. Finalmente, entre tantas outras contribuições históricas, foi a Filosofia que deu a luz às Ciências e as alimentou como filhas.

Pois a Filosofia, junto com sua irmã - a Arte - e sua filha - a Ciência - continuam sendo a garantia de renovação da humanidade para além das crenças limitantes e dos poderes que querem reduzir e alienar a mente humana no autoritarismo, na tolice, no preconceito e na subserviência. Por que será que o governo atual, que cortou as verbas para a pesquisa científica, quer podar a Filosofia e, ao mesmo tempo, tem visões e sensibilidade tão tacanhas para a Arte e a Cultura?

A Filosofia é uma das nossas melhores consciências. É a convicção de que somos muito mais do que apenas formigas atarefadas , à serviço dos poderes mundanos, nos túneis escuros da realidade. Por isto se mantém atual, universal e eterno o mito da Caverna de Platão. Dentro da caverna, estamos presos pelos poderes do mundo querendo nos iludir com suas sombras fakes da verdade. Fora da caverna, está o mundo da Luz e da Liberdade, atualmente, o mundo das dezenas de grandes filósofos mortos, muitos deles sacrificados pela estupidez e que - ao seu tempo - lutaram para libertar-nos da servidão, da tolice e da ignorância. Para aqueles que desejam sacrificar sua própria liberdade, os filósofos serão sempre fantasmas em suas consciências. Para os outros, são anjos de sabedoria, nos apontando os possíveis caminhos da Liberdade. Quem poderá ser contra eles?

(*) Dib Curi é filósofo e professor de Filosofia.

OBS: Texto extraído de uma publicação no perfil do autor no Facebook

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...