terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Análise do samba-enredo da Mangueira: "A Verdade Vos Fará Livre"



Conforme escrevi no Facebook, a Mangueira evangelizou na Avenida e o seu samba foi um verdadeiro louvo. Uma excelente leitura atualizada e sem preconceito do personagem Jesus dos evangelhos bíblicos.

A seguir, compartilho um trecho do artigo "Entenda a letra do samba-enredo de 2020 da Mangueira", de Renata Arruda, publicado em 21/02 no site Letras, que faz uma excelente análise do magnífico samba-enredo da escola que foi a terceira a desfilar na Avenida no domingo, dia 23.

Análise do samba-enredo da Mangueira: A Verdade Vos Fará Livre


Por Renata Arruda

Assim começa o texto de apresentação do samba-enredo da Mangueira em 2020, escrito por Leandro Vieira, que dá aos jurados e ao público uma ideia do que esperar do desfile da agremiação:

Nasceu pobre e sua pele nunca foi tão branca quanto sugere sua imagem mais popular. Sem posses e mais retinto do que lhe foi apresentado, andou ao lado daqueles que a sociedade virou as costas oferecendo-lhes sua face mais amorosa e desprovida de intolerância

Vamos agora dar uma olhada na letra do samba?

Mangueira
Samba teu samba é uma reza
Pela força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também

Como adiantamos, a Mangueira foi a campeã do carnaval carioca em 2019 com um desfile fortemente marcado pelas críticas sociais. Dentre as personalidades históricas homenageadas, a principal foi Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018.

Com a vitória, a agremiação foi alvo de críticas e acusações. Por isso, o início do samba-enredo pode ser visto como uma resposta da Mangueira, falando sobre o quanto a escola permanece firme, forte e unida, sem se deixar abalar pelas más línguas.

Além disso, a letra é narrada em primeira pessoa por Jesus Cristo. Portanto, isso também significa que a Mangueira tem a bênção de Cristo.

Eu sou da Estação Primeira de NazaréRosto negro, sangue índio, corpo de mulherMoleque pelintra no Buraco QuenteMeu nome é Jesus da Gente

A explicação para a estrofe acima é dada no texto de apresentação do samba-enredo.

Misturando a história bíblica com a versão imaginada por Leandro Vieira, a letra lembra que a imagem de Jesus Cristo preso na cruz representa todos nós. Logo, ele não pode ser retratado apenas como uma figura branca e masculina.

Já o verso moleque pelintra no Buraco Quente, traz uma ambiguidade: o moleque pelintra, tanto pode ser o menor de idade maltrapilho que anda pelo Buraco Quente, local onde a Mangueira foi fundada, quanto uma referência a Zé Pelintra, entidade da Umbanda.

De qualquer forma, o que a composição afirma é que Jesus Cristo é homem, é mulher, é negro, é indígena e pode ter qualquer religião. Na versão moderna, ele é Jesus da Gente, nascido na Mangueira.

Nasci de peito aberto, de punho cerradoMeu pai carpinteiro desempregadoMinha mãe é Maria das Dores BrasilEnxugo o suor de quem desce e sobe ladeiraMe encontro no amor que não encontra fronteiraProcura por mim nas fileiras contra a opressãoE no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão

A história de Jesus da Gente traz referências às lutas de minorias por direitos civis. O punho cerrado, por exemplo, é um símbolo de resistência muito empregado por movimentos sociais.


A composição nos lembra, ainda, as origens humildes do Jesus bíblico, compartilhadas por muitas pessoas nas favelas e periferias.

Dessa forma, a letra defende que caso Jesus voltasse à Terra nos dias de hoje, ele nasceria pobre dentro de uma comunidade, vivendo ao lado dos mais oprimidos e protegendo os seus semelhantes.

Eu tô que tô dependuradoEm cordéis e corcovadosMas será que todo povo entendeu o meu recado?Porque de novo cravejaram o meu corpoOs profetas da intolerânciaSem saber que a esperançaBrilha mais na escuridão


Em seu retorno, Jesus se espantaria em ver sua imagem sendo exibida em tantos lugares — desde cordéis até a estátua do Cristo Redentor, localizada no morro do Corcovado —, e questionaria se o povo havia entendido mesmo a sua palavra.

No final, se sobrevivesse às estatísticas destinadas aos pobres que nascem em comunidades, chegaria aos 33 anos para morrer da mesma forma, diz o texto do carnavalesco. Ou seja, se vivesse nos dias de hoje, Jesus Cristo seria perseguido por quem prega a violência e a intolerância. No lugar de uma cruz, seria morto por um fuzil.

No entanto, a letra traz uma mensagem de resiliência, afirmando que nos períodos mais sombrios é que a esperança de um mundo melhor se fortalece.

Favela, pega a visãoNão tem futuro sem partilhaNem Messias de arma na mãoFavela, pega a visãoEu faço Fé na minha genteQue é semente do seu chão

Aqui há uma referência à passagem bíblica em que Jesus fala sobre a maneira espiritual como vemos a vida:

São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo será luminoso; se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que em ti há sejam trevas, que grandes trevas serão! (Mateus 6:22-23)

No contexto da letra, pega a visão seria um alerta de Jesus da Gente para o povo, pedindo para que desistam de esperar que a solução venha de um Messias armado, às custas da morte das pessoas, e percebam que só há futuro possível através da partilha, da tolerância e do amor.

Do céu deu pra ouvirO desabafo sincopado da cidadeQuarei tambor, da cruz fiz esplendorE Ressurgi no cordão da liberdade

Após a morte, Jesus da Gente ressuscitaria na Mangueira, durante o carnaval.


Ao longo dos três dias de festa, o Filho de Deus iria confraternizar com seu rebanho: quarando tambor, se livrando do fardo da cruz e brincando em total harmonia, na liberdade que só a verdade proporciona.

OBS: Créditos da imagem acima atribuídos a Ronaldo Nina e Gabriel Nascimento / Riotur, sendo o trecho do artigo extraído do site "Letras", conforme consta em https://www.letras.mus.br/blog/samba-enredo-mangueira/ 

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Ética e Espiritualidade face aos desastres ecológicos atuais



Por Leonardo Boff*

As grandes chuvas com inundações desastrosas que afetaram muitas cidades do Brasil e paralelamente os incêndios fenomenais na Austrália, seguidos imediatamente de inesperadas inundações, constituem sinais inequívocos da Terra de que nela algumas mudanças importantes estão ocorrendo. É praticamente consenso de que estas mudanças para pior se devem à ação irresponsável dos seres humanos (a era do antropoceno) em sua relação para com a natureza e para com a totalidade do planeta Terra.

Os vários grupos de cientistas que sistematicamente acompanham o estado da Terra atestam que, de ano para ano, os principais itens que sustentam a vida (água, solos, ar puro, fertilidade, climas e outros) estão se deteriorando dia a dia. Quando isso vai parar? O dia da Sobrecarga da Terra (the Earth Overshoot Day) foi atingido no dia 29 de julho de 2019. Isto significa: até esta data foram consumidos todos os recursos naturais disponíveis. Agora a Terra entrou no vermelho e no cheque especial. Chegaremos até dezembro? Se teimarmos em manter o consumo atual, temos que aplicar violência contra a Terra forçando-a a dar o que já não tem ou não pode repor. Sua reação a esta violência se expressa pelo aquecimento global, pelas enchentes, pelas grandes nevascas, pela perda da biodiversidade, pela desertificação, pelo aumento do dióxido de carbono e do metano e pelo crescimento da violência social já que Terra e Humanidade constituem uma única entidade relacional.

Ou mudamos nossa relação para com a Terra viva e para com a natureza ou segundo S. Bauman, “engrossaremos o cortejo daqueles que rumam na direção de sua própria sepultura”.Desta vez não dispomos de uma Arca de Noé salvadora.

Não temos outra alternativa senão mudarmos.Quem acredita no messianismo salvador da ciência é um iludido: a ciência pode muito mas não tudo: ela detém os ventos, segura as chuvas, limita o aumento dos oceanos? Não basta diminuir a dose e continuar com o mesmo veneno ou apenas limar os dentes do lobo. A mudança demanda atender a alguns dos seguintes marcos fundamentais.

Primeiro: uma visão espiritual do mundo. Isso não tem a ver com a religiosidade, mas com uma nova sensibilidade e um novo espírito de renúncia à uma relação violenta e meramente utilitarista da natureza. Há que se reconhecer que ela tem um valor em si mesmo, somos parte dela e que há de ser cuidada e respeitada como algo sagrado. Nisso consiste a nova sensibilidade e espiritualidade.

Segundo: resgatar o coração, o afeto, a empatia e a compaixão. Esta dimensão foi descurada em nome da objetividade da tecno-ciência. Mas nela se aninha o amor, a sensibilidade para com os outros, a ética dos valores e a dimensão espiritual. Porque não se dá lugar ao afeto e ao coração não há porquê respeitar a natureza e escutar as mensagens que ela nos está enviando com as enchentes e o aquecimento global. A tecno-ciência operou uma espécie de lobotomia nos seres humanos que já não sentem seus clamores. Imaginam ser a Terra um simples baú de recursos infinitos a serviço de um projeto de um enriquecimento infinito. Temos que mudar de paradigma: de uma sociedade industrialista que exaure a natureza para uma sociedade de conservação e cuidado de toda a vida.

Terceiro: tomar a sério o princípio de cuidado e de precaução. Ou cuidamos do que restou da natureza e regeneramos o que temos devastado,como o MST que se propôs neste ano plantar um milhão de árvores nas áreas depredadas pelo agronegócio, ou então nosso tipo de sociedade terá dias contados. A precaução exige que não se coloquem atos nem se usem elementos cujas consequências não podemos controlar. Ademais, a filosofia antiga e moderna já viu que o cuidado é a pré-condição para que surja qualquer ser. É também o norteador antecipado de toda ação. Se a vida, também a nossa, não for cuidada, adoece e morre. A prevenção e o cuidado são decisivos no campo da nanotecnologia e da inteligência artificial autônoma. Esta, sem sabermos, pode tomar decisões e penetrar em arsenais nucleares e pôr fim à nossa civilização.

Quarto: o respeito a todo ser. Cada ser tem valor intrínseco e tem seu lugar no conjunto dos seres.Mesmo o menor deles revela algo do mistério do mundo e do Criador. O respeito impõe limites à voracidade de nosso sistema depredador e consumista. Quem melhor formulou uma ética do respeito foi o médico e pensador Albert Schweitzer (+1965). Ensinava: ética é a responsabilidade e o respeito ilimitado por tudo o que existe e vive. Esse respeito pelo outro nos obriga à tolerância,urgente no mundo e entre nós, sob o governo de extrema-direita que nutre desprezo aos negros, índígenas, quilombolas, LGBT e às mulheres.

Quinto: atitude de solidariedade e de cooperação. Esta é a lei básica do universo e dos processos orgânicos. Todas as energias e todos os seres cooperam uns com os outros para que se mantenha o equilíbrio dinâmico, se garanta a diversidade e todos possam co-evoluir. O propósito da evolução não é conceder a vitória ao mais adaptável mas permitir que cada ser, mesmo o mais frágil, possa expressar virtualidades que emergem daquela Energia de Fundo que tudo sustenta, da qual tudo saiu e para qual tudo volta. Hoje, devido à degradação geral das relações humanas e naturais devemos, como projeto de vida, ser conscientemente solidários e cooperativos. Caso contrário, não salvaremos a vida nem garantiremos um futuro promissor para a Humanidade. O sistema econômico e o mercado não se fundam na cooperação mas na competição, a mais desenfreada. Por isso criam tantas desigualdade a ponto de 1% da humanidade possuir o equivalente aos 99% restantes.

Sexto: fundamental é a responsabilidade coletiva. Ser responsável é dar-se conta das consequências de nossos atos. Hoje. construimos o princípio da auto-destruição. O ditame categórico é então: aja de forma tão responsável que as consequências de tua ação não sejam destrutivas para a vida e seu futuro e não ativem a auto-destruição.

Sétimo: colocar todos os esforços na consecução de uma bio-civilização centrada na vida e na Terra. O tempo das nações já passou. Agora é o tempo da construção e da salvaguarda do destino comum Terra e Humanidade. Sua realização não se fará sem pormos em ação os marcos acima elencados.

(*) Leonardo Boff é eco-teólogo, filósofo e escreveu: Como cuidar da Casa Comum, Vozes 2019.

OBS: Texto e imagem extraídos do blogue do autor, conforme consta em https://leonardoboff.wordpress.com/2020/02/15/etica-e-espiritualidade-face-aos-desastres-ecologicos-atuais/

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

"Sou servidor público!"



Por Rodrigo Ferraz*
(Do Facebook)

Sou servidor público!
Minha estabilidade foi gerada pela natureza do trabalho que desenvolvo, sempre seguindo os critérios da legalidade e os princípios éticos.
Não devo ficar à mercê da esquerda ou da direita estarem no poder.
Não posso ter o cargo ameaçado porque atuei de forma contrária aos interesses de grupos empresariais ou de partidos políticos.
Pago 14% de contribuição previdenciária sobre o total do que ganho e não apenas sobre um teto.
Contribuição essa, importante destacar, que nunca se acaba, pois sou um contribuinte previdenciário VITALÍCIO!!! Portanto, minha aposentadoria sou eu mesmo que pago, não se trata de nenhum “peso” extra para os cofres públicos.
Não tenho e nunca tive FGTS. O meu patrão, a União (Estado ou Município) tem, portanto, esse refresco tributário de 8% sobre o total de sua folha de pagamento.
Não sonego impostos.
O imposto de renda já vem retido na fonte!
Não invento despesas.
Todos os anos faço minha declaração de renda, ao contrário de muitos empresários que burlam o sistema, além de receberem gordos incentivos e isenções fiscais.
É injusto e covarde ver campanhas desmoralizando o servidor público!
Não se deixe enganar: a quebra da previdência e das finanças públicas é resultado de renúncias fiscais (perdão de dívidas milionárias de empresas), de isenções bilionárias, de inadimplência dos grandes devedores, bancos principalmente, da contribuição patronal do INSS, além do uso indevido da verba e da má administração dos recursos públicos...
A crise econômica e política, a falta de acesso à saúde e demais serviços por parte da população, não é culpa do funcionalismo público concursado!

(*) Rodrigo Ferraz de Souza é fiscal de tributos da Prefeitura Municipal de Mangaratiba e presidente do Conselho Fiscal do SISPMUM - Sindicato dos Servidores Públicos de Mangaratiba

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...