segunda-feira, 23 de março de 2020
O coronavírus: a auto-defesa da própria Terra
Por Leonardo Boff*
A pandemia do coronavírus nos revela que o modo como habitamos a Casa Comum é nocivo à sua natureza. A lição que nos transmite soa: é imperioso reformatar nossa forma de viver sobre ela, enquanto planeta vivo. Ela nos está alertando que assim como estamos nos comportando não podemos continuar. Caso contrário a própria Terra irá se livrar de nós, seres excessivamente agressivos e maléficos ao sistema-vida.
Nesse momento, face ao fato de estarmos no meio da primeira guerra global, é importante conscientizar nossa relação para com ela e a responsabilidade que temos pelo destino comum Terra viva-Humanidade.
Acompanhem-me neste raciocínio: o universo existe já há 13,7 bilhões de anos. A Terra há 4,4 bilhões. A vida há 3,8 bilhões. O ser humano há 7-8 milhões. Nós, o homo sapiens/demens atual há 100 mil anos. Todos somos formados com os mesmos elementos físico-químicos (cerca de 100) que se formaram, como numa fornalha, no interior das grandes estrelas vermelhas, por 2-3 bilhões de anos (portanto há 10-12 bilhões de anos): o universo, a Terra e nós mesmos.
A vida, provavelmente, irrompeu a partir de uma bactéria originária, mãe de todos os viventes. Acompanhou-a um número inimaginável de micro-organismos. Diz-nos Edward O.Wilson, talvez o maior biólogo vivo: só num grama de terra vivem cerca de 10 bilhões de bactérias de até 6 mil espécies diferentes (A criação: como salvar a vida na Terra, 2008, p. 26). Imaginemos a quantidade incontável desses micro-organismos, em toda a Terra, sendo que somente 5% da é visível e 95%, invisível: o reino das bactérias, fungos e vírus.
Acompanhem-me ainda: hoje é tido como um dado científico, depois de 2002, quando James Lovelock e sua equipe demonstraram perante uma comunidade científica de milhares de cientistas na Holanda, que a Terra não só possui vida sobre ela. Ela mesma é viva. Emerge como um Ente vivo, não no sentido de um organismo ou um animal, senão de um sistema que regula os elementos físico-químicos e ecológicos, como fazem os demais organismos vivos, de tal forma que se mantém vivo e continua a produzir uma miríade de formas de vida. Chamaram-na de Gaia.
Outro dado que muda nossa percepção da realidade. Na perspectiva dos astronautas seja da Lua seja das naves espaciais, assim testemunharam muitos deles, não vigora uma distinção entre Terra e Humanidade. Ambos formam uma única e complexa entidade. Conseguiu-se fazer uma foto da Terra, antes de ela penetrar no espaço sideral, fora do sistema solar: aí ela aparece, no dizer do cosmólogo Carl Sagan, apenas como ”um pálido ponto azul”. Pois, nós estamos dentro deste pálido ponto azul, como aquela porção dela, que num momento de alta complexidade, começou a sentir, a pensar, a amar e a perceber-se parte de um Todo maior. Portanto, nós, homens e mulheres, somos Terra, somos húmus (terra fértil), o Adam bíblico (terra arável) inteligente e amante.
Ocorre que nós, esquecendo que somos uma porção da própria Terra, começamos a saquear suas riquezas no solo, no subsolo, no ar, no mar e em todas as partes. Buscava-se realizar um projeto ousado de acumular o mais possível bens materiais para o desfrute humano, na verdade, para a sub-porção poderosa e já rica da humanidade. Em função desse propósito se criou a ciência e a técnica. Atacando a Terra, atacamos a nós mesmos que somos Terra. Levou-se tão longe a cobiça deste grupo pequeno de gente, que ela atualmente se sente exaurida a ponto de terem sido tocados seus limites intransponíveis. É o que chamamos tecnicamente de a Sobrecarga da Terra (the Earth overshoot). Tiramos dela mais do que pode dar. Ela não consegue repor o que lhe subtraímos. Então dá sinais de que adoeceu, perdeu seu equilíbrio dinâmico, aquecendo-se de forma crescente, formando tufões e tsunamis, nevascas nunca dantes vistas, estiagens prolongadas e inundações aterradoras. Mais ainda: liberou micro-organismos como o sars, o ebola, o dengue, a chikungunya e agora o coronavírus. São formas das mais primitivas de vida, quase no nível de nanopartículas, só detectáveis sob potentes microscópios eletrônicos. E podem dizimar o ser mais complexo que ela produziu e que é parte de si mesma, o ser humano, homem e mulher, pouco importa seu nível social.
Até agora o coronavírus não pôde ser destruído, apenas impedido de se propagar. Mas está ai produzindo uma desestabilização geral na sociedade, na economia, na política, na saúde, nos costumes, na escala de valores estabelecidos.
De repente, acordamos, assustados e perplexos: esta porção da Terra que somos nós pode desaparecer. Em outras palavras, a própria Terra se defende contra a parte rebelada e doentia dela mesma. Pode sentir-se obrigada a fazer uma ablação, como fazemos de uma perna necrosada. Só que desta vez, é toda esta porção tida por inteligente e amante, que a Terra não quer mais que lhe pertença e acabe eliminando-a.
E assim será o fim desta espécie de vida que, com sua singularidade, é uma entre milhões de outras existentes, também partes da Terra. Esta continuará girando ao redor do sol, empobrecida, até que ela faça surgir um outro ser que também é expressão dela, capaz de sensibilidade, de inteligência e de amor. Novamente se irá percorrer um longo caminho de moldagem da Casa Comum, com outras formas de convivência, esperamos, melhores que aquela que nós moldamos.
Seremos capazes de captar o sinal que o coronavírus nos está passando ou continuaremos com o mesmo propósito letal, ferindo a Terra e nos auto-ferindo para acumular irracionalmente bens materiais?
(*)Leonardo Boff é escritor e teólogo. Escreveu Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010.
OBS: Texto e imagem extraídos do blog do autor em https://leonardoboff.wordpress.com/2020/03/23/o-coronavirus-a-auto-defesa-da-propria-terra/
domingo, 8 de março de 2020
O SER HUMANO É UMA CONSTRUÇÃO
Essa afirmativa está correta. O ser humano é o animal-que-tem-consciência-de-si-e-que-transforma-o-mundo-e-a-si-mesmo. Ele é essencialmente mudança.
Você não é a mesma pessoa que era há dez anos. Há cinco anos. Quiçá, há uma semana! Seu corpo muda todo dia. Suas células nascem e morrem. Todos os dias. Você se (re)reconstroi todos os dias sem nem mesmo perceber. Isso estabelecido, fica a quesão: e a sexualidade humana, é também uma construção? e como não seria? Nenhuma área do âmbito humano foge ao "determinismo da mudança".
Existe uma padronização determinística biológica - esta é o sexo em que você nasce(desconsiderando as exceções que podem acontecer mas que são acidentais) - porque todo mundo nasce com um sexo, dentro do padrão do binômio macho e fêmea, XX/XY. Não dá pra nascer macho e depois querer trocar o saco escrotal e o pênis por útero, ovários, vagina, mamas desenvolvidas e cromossomos XX por XY - biologicamente falando. Porém, a Sexualidade, que é a exteriorização de sentimentos, desejos e afetos humanos, que não são padronizados, não fogem da força da mudança.
Como temos visto durante toda a história, machos que deveriam ter atração por fêmeas (e vice-versa) biologicamente falando, podem se vê (se construir) fora desse padrão biológico. Um macho sentir atração sexual por outro macho (ou uma fêmea por outra fêmea) ou ainda, uma bissexualidade, transsexualidade, etc, é algo totalmente "natural" - pois acontece em nossa natureza - e pode ser considerado uma "construção".
Apesar de antes o entendimento ter sido que homossexualidade, bissexualidade, etc, são fatores determinísticos - se nasce assim- o entendimento atual de construção não pode aceitar essa ideia. Ninguém nasce determinado a nada, vamos nos construindo e nos percebendo em mudanças durante toda a vida. Logo, não existe uma forma "certa" de ser macho ou fêmea, os padrões vão sendo construindos também pelas sociedades. Homem não chora, mulher é todo sentimento - isso é um padrão social baseado em características biológicas não determinísticas. Por isso a famosa frase de Beauvoir, "ninguém nasce mulher" - se nasce fêmea, mulher, não. Se nasce macho, homem, não.
A natureza é determinismo e transformação. Ambos valores coexistem em eterno entrelaçamento.
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