“Uma senhora e sua filha haviam combinado, quando a última era
bem pequena, que a vida desta seria sempre orientada pela vontade de Deus. E a ‘vontade
de Deus’, na opinião das duas seria revelada à filha através das preces da mãe.
A gente estremece ao pensar até que ponto isso exporia a jovem ao domínio
materno, em cada gesto ou pensamento! Sua capacidade de decisão não poderia
deixar de ficar abafada, foi o que ela penosamente descobriu quando perto dos
trinta anos, se viu diante de um insolúvel dilema: não conseguia autonomia para
casar-se. Este exemplo parecerá exagerado, uma vez que mãe e filha pertenciam a
uma seita evangélica conservadora, e a história não é recoberta de sofisticadas
racionalizações. Mas demonstra que, quando uma pessoa se considera porta-voz ou
associado de Deus, como fazia a mãe, não há limites para os direitos que se
arroga sobre os outros.[...]. [...] O problema da sujeição ao poder de outrem é
reforçado naturalmente por desejos infantis no sentido de que ’alguém cuide
dele’. Assim existem tendências para entregar-se a quem o domina”.
[
Rollo May (*) ― “O Homem à Procura de Si
Mesmo”
– pág.159 ― Editora Vozes]
O Instituto
da Psicanálise Lacaniana
presidido por Jorge Forbes, dedica-se “a psicanálise do século XXI, própria aos novos sintomas e impasses do
homem pós-moderno...”
Foi explorando os estudos contidos no
site desse instituto de cunho psicanalítico que me deparei com um importante
artigo ―”A
Bússola Em Deus?”.
A conclusão ou epílogo do referido
ensaio traz uma constatação muito dura, e eu diria avassaladoramente cortante,
para os integrantes de seitas: seus líderes, sob um grau de sutileza, usando e
abusando do jargão “vontade
de Deus”,
mantém os fieis submissos à forma arrogante ou neurótica empreendida em seus
domínios.
O artigo da IPLA, em seu final expõe,
a partir de Freud e Lacan, a razão da religião seduzir
sobremodo o indivíduo, em seu conflito existencial.
Segundo os autores do artigo, a
“religião” seduz por que:
●
Projeta o mal humano no que está fora, no demônio, no inferno, assim poupando o
homem de se haver com sua divisão.
●
Oferece os preceitos como proteção ao mal, como se dele pudesse escapar.
●
Oferece ao homem a possibilidade de não ter trabalho com seu próprio desejo,
basta entregá-lo a Deus. A religião tampona a angústia da decisão na medida em
que a única decisão a tomar é conformar a minha vontade a de “Deus”, que já
está escrita na Bíblia ou nos preceitos da igreja.
● Disfarça
e alimenta o narcisismo, vestindo-o de altruísmo.
●
Recobre o real que sempre se impõe, acompanhado de angústia. A religião “cura o
homem do que não funciona”, com a oferta de sentido.
●
Oferece um sentido a qualquer que seja, inclusive à própria vida, que deve se
pautar numa série de renúncias para merecer o prêmio da vida eterna.
●
Oferece figuras amalgamáticas e exemplares.
●
Oferece a cumplicidade dos pares que seguem a mesma bula.
(*)Para
ler mais sobre Rollo May, famoso psicólogo existencialista
americano, clique no link abaixo: