segunda-feira, 22 de abril de 2024

Mergulhando nas nossas "aguas profundas"

 



"Os propósitos do coração do homem são águas profundas, mas quem tem discernimento os traz à tona." (Pv 20:5; NVI)


Estava na manhã de ontem lendo o capítulo 20 do livro de Provérbios e me deparei com o intrigante verso 5 citado acima da Nova Versão Internacional. Confesso que achei esse pensamento do escritor bíblico um tanto psicanalítico, tornando-se um excelente convite para uma reflexão mais aprofundada para além dos limites da Teologia.


No texto em análise, o autor sagrado compara metaforicamente os propósitos do "coração" humano às "águas profundas", os quais precisam ser descobertos com muita atenção já que à medida que nos distanciamos da superfície vai faltando luminosidade. E aí, nesse mar de comparações, me veio logo a ideia do quanto é extenso e ao mesmo tempo obscuro o nosso inconsciente.


Não tenho dúvidas que o velho rei Salomão estaria chamando o seu leitor a um autoconhecimento, aplicável, no caso, ao que realmente queremos para as nossas vidas incertas. Em outras palavras, a indagação a ser feita seria qual o nosso propósito pessoal a ser buscado considerando o momento e o planejamento que não podemos deixar de fazer para os anos futuros.


Por mais que esteja limitado às condições do seu ambiente físico, social, político, financeiro, familiar e cultural, o homem (e a mulher também) é dotado de vontades próprias, algo que lhe permite tomar decisões quanto às inúmeras possibilidades de escolha que a vida nos oferece. E, nesses momentos, surge aquela velha pergunta sobre o que realmente queremos ou qual a autêntica realização existencial para cada um de nós.


A psicanálise ensina que vivemos mais no plano do inconsciente do que conscientemente. Muitas das nossas emoções, sentimentos e reações involuntárias brotam daquela parte de nós que desconhecemos, mas que, ainda assim, interage com cada momento do cotidiano. Lá poderão estar escondidos os verdadeiros desejos até hoje desapercebidos, inclusive relacionados aos campos afetivo, profissional e artístico.


Lembro que, há três décadas atrás, quando tinha meus 17 anos e com o avô paterno Sylvio na cidade mineira de Juiz de Fora, fiz um teste vocacional juntamente com os colegas de turma do Instituto Granbery da Igreja Metodista que cursavam comigo o ensino médio, na época ainda chamado de segundo grau. Porém, o resultado do meu exame foi bem incerto de modo que a equipe de psicólogos responsável pelo serviço prestado à escola recomendou que eu fizesse uma terapia, coisa que não fui capaz de aproveitar porque, na época, ainda não estava disposto a mergulhar nas minhas águas profundas.


Lamentavelmente, muitos de nós preferimos mesmo é permanecer na superfície da vida o que facilmente se explica porque, num primeiro momento, nos parece ser mais cômodo, confortável ou conveniente. Contudo, ao agirmos assim, estamos desperdiçando a oportunidade de crescer pessoalmente, de nos conhecermos melhor, fazermos escolhas mais acertadas e, consequentemente, nos tornarmos mais felizes juntamente com os outros ao nosso lado.


Por fim, o escritor de Provérbios fala sobre o uso da inteligência ou do discernimento para descobrirmos os propósitos do coração, qual sabemos ser enganoso como já diagnosticava o sensível profeta Jeremias, podendo o ser humano se equivocar acerca de si mesmo. Daí o tempo que dedicamos temporariamente a uma reflexão sobre o nosso querer (algo hoje roubado pelas distrações das redes sociais) torna-se uma ferramenta poderosa e indispensável nessa busca interminável que todos de alguma maneira fazem, em que podemos avançar, estagnar ou retroceder.


Que na nossa contínua caminhada sejamos capazes de extrair as verdades ocultas no nosso interior e trazê-las para a superfície dos pensamentos cotidianos, transformando tais propósitos em ações eficazes.


Ótima segunda-feira, pessoal!

sexta-feira, 19 de abril de 2024

O Homem Morto Na Cadeira de Rodas (ou A Banalidade da Vida Nas Redes Sociais)

 



Seria um bom tema para um conto macabro: Mulher leva tio idoso morto a uma agência bancária na tentativa de conseguir um empréstimo que  o idoso queria fazer enquanto ainda vivia. Seria uma ótima ideia nas mãos de um bom escritor. Porém,  isso aconteceu mesmo, não é literatura. Todo mundo ficou sabendo do caso macabro. A bem da verdade, a polícia ainda investiga se o idoso morreu antes de chegar ao banco ou se foi levado para lá já morto. Quero dar o benefício da dúvida à mulher e crer que a primeira hipótese seja a verdadeira. 

Não, não vou escrever um conto sobre o caso mas quero refletir sucintamente sobre como a vida nos tornou banal. A filósofa judia Hanna Arendt , uma grande pensadora do século XX que teve que fugir da Alemanha por causa do nazismo, conseguiu a cidadania americana e  se tornou professora universitária,  escreveu um livro marcante sobre o tema:  "A Origem do Totalitarismo" , onde buscou analisar as origens do nazismo e de governos autoritários. 

Karl Adolf Eichmann foi um oficial nazista responsável pela deportação de milhares de judeus alemães. Eichmann foi um dos principais colaboradores de Hitler, responsável pela morte de inúmeros judeus e fugiu para a Argentina depois que a Alemanha perdeu a guerra. Enfim capturado, foi julgado e sentenciado à morte em Jerusalém. Arendt foi convidada a assistir ao julgamento e escreveu suas impressões sobre Eichmann. 

Arendt chegou à conclusão que o mal que Eichamann praticava não era um "mal demoníaco", pelo contrário, era um mal constante, fazia parte do seu trabalho. Eichamann nunca se considerou culpado, defendeu-se dizendo que apenas cumpria ordens, seguindo a lei do Estado vigente à época. A ausência de uma reflexão ética do nazista de que apenas cumpria a lei sem se importar com o bem coletivo, Adrendt chamou de a "banalização do mal"

Voltando ao nosso caso do idoso morto na cadeira de rodas, o que se viu depois da divulgação das imagens foi uma total falta de ética por parte das redes sociais. Começaram a pipocar memes jocosos com a triste figura do idoso morto e da mulher querendo fazê-lo  assinar um papel. Quem criou tais memes, e nós, que vimos e achamos graça, agimos apenas pelo impulso que as redes nos dá em compartilhar coisas, sejam elas éticas ou não. 

Sou um defensor ferrenho da liberdade de expressão e opinião nas redes. Sou contra qualquer projeto que tente controlar o pensamento das pessoas; sou contra que se instale uma "comissão da verdade" que julgue o que cada um pode ou não postar, mesmo porque, qualquer crime que se cometa  fora das redes, vale também para qualquer crime praticado nas redes. Dito isso, cabe a cada um de nós filtrar o que é relevante ou não, o que é ético ou não. Cabe a cada um de nós não nos rendermos à banalidade do mal. 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

CENSURA PROMOVIDA POR MORAES TEM QUE ACABAR

 



OS RECENTES embates entre o ministro Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk foram um dos assuntos mais comentados nos últimos dias nas redes sociais. Há os que elogiem Musk por ter coragem de enfrentar o ministro que é "dono" do "eterno" processo das Fakes News. Há os que denunciem Musk como um intruso da extrema-direita que ataca o  judiciário brasileiro por motivos escusos. Ora, Elon é um empresário, evidentemente que têm seus interesses em vários negócios e no caso em questão, busca deixar seu "X" em evidência.  Contrariando Moraes, ele reativou várias contas de brasileiros que foram censurados pelo ministro. 

Não são poucas vozes que se levantam apontando os exageros da atuação do ministro Alexandre de Moraes, e neste fim de semana foi a vez do editorial da Folha de São Paulo de se manifestar. Eis o editorial do jornal:


Censura promovida por Moraes tem de acabar


Impedir alguém de se expressar nas redes sociais viola Constituição; puna-se o que for dito, após devido processo legal


Constituição, no nobilíssimo artigo dos direitos fundamentais, dispõe ser "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

Como se o comando fosse insuficiente, a Carta o reforça no capítulo em que trata da comunicação social, ao vedar qualquer tipo de restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O ordenamento, em suma, impede o Estado de calar um cidadão sob qualquer pretexto.

A ampla liberdade, no Brasil como no cânone democrático, caminha ao lado da responsabilidade individual. Uma pessoa pode dizer o que quiser sem ser amordaçada, mas estará sujeita a sanções penais caso o seu discurso configure crime, ou pecuniárias se conspurcar a imagem de alguém. 

Quaisquer intervenções repressivas do poder público, portanto, deveriam sobrevir somente após algo ser expresso, nunca antes.

Pois um ministro do Supremo Tribunal Federal, com decisões solitárias em inquéritos anômalos —conduzidos pelo magistrado e não pelo Ministério Público, o órgão competente—, reinstituiu a censura prévia no Brasil. Ordens secretas de Alexandre de Moraes proíbem cidadãos de se expressarem em redes sociais...

Nem sequer aos advogados dos banidos é facultado acesso aos éditos do Grande Censor. As contas se apagam sem o exercício do contraditório nem razão conhecida.

Urgências eleitorais poderiam eventualmente justificar medidas extremas como essas. O pleito de 2022 transcorreu sob o tacão de um movimento subversivo incentivado pelo presidente da República. Alguns de seus acólitos nas redes não pensariam duas vezes antes de exercitar o golpismo.

Mas a eleição acabou faz mais de 17 meses e seu resultado foi, como de hábito no Brasil, rigorosamente respeitado. O rufião que perdeu nas urnas está fora do governo e, como os vândalos que atacaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023, vai responder pela sua irresponsabilidade.

Escapa qual seja o motivo para sustentar os silenciamentos, que violam um direito fundamental. Alexandre de Moraes tem, no mínimo, o dever de publicar todas as decisões que o levaram a exercer esse poder extraordinário...

Melhor mesmo seria que suspendesse as proibições. É um direito inalienável dos imbecis do bolsonarismo propagar as suas asneiras. Expostas à luz do sol, elas tendem a desidratar-se. Silenciadas, apenas alimentam o vitimismo hipócrita dessa franja de lunáticos.

Puna-se o que houver de crime no que for dito, mas sem recorrer ao instrumento inconstitucional e autoritário da censura prévia.

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Eu concordo com a opinião da Folha. 

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Editorial da Folha

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...