Seria um bom tema para um conto macabro: Mulher leva tio idoso morto a uma agência bancária na tentativa de conseguir um empréstimo que o idoso queria fazer enquanto ainda vivia. Seria uma ótima ideia nas mãos de um bom escritor. Porém, isso aconteceu mesmo, não é literatura. Todo mundo ficou sabendo do caso macabro. A bem da verdade, a polícia ainda investiga se o idoso morreu antes de chegar ao banco ou se foi levado para lá já morto. Quero dar o benefício da dúvida à mulher e crer que a primeira hipótese seja a verdadeira.
Não, não vou escrever um conto sobre o caso mas quero refletir sucintamente sobre como a vida nos tornou banal. A filósofa judia Hanna Arendt , uma grande pensadora do século XX que teve que fugir da Alemanha por causa do nazismo, conseguiu a cidadania americana e se tornou professora universitária, escreveu um livro marcante sobre o tema: "A Origem do Totalitarismo" , onde buscou analisar as origens do nazismo e de governos autoritários.
Karl Adolf Eichmann foi um oficial nazista responsável pela deportação de milhares de judeus alemães. Eichmann foi um dos principais colaboradores de Hitler, responsável pela morte de inúmeros judeus e fugiu para a Argentina depois que a Alemanha perdeu a guerra. Enfim capturado, foi julgado e sentenciado à morte em Jerusalém. Arendt foi convidada a assistir ao julgamento e escreveu suas impressões sobre Eichmann.
Arendt chegou à conclusão que o mal que Eichamann praticava não era um "mal demoníaco", pelo contrário, era um mal constante, fazia parte do seu trabalho. Eichamann nunca se considerou culpado, defendeu-se dizendo que apenas cumpria ordens, seguindo a lei do Estado vigente à época. A ausência de uma reflexão ética do nazista de que apenas cumpria a lei sem se importar com o bem coletivo, Adrendt chamou de a "banalização do mal".
Voltando ao nosso caso do idoso morto na cadeira de rodas, o que se viu depois da divulgação das imagens foi uma total falta de ética por parte das redes sociais. Começaram a pipocar memes jocosos com a triste figura do idoso morto e da mulher querendo fazê-lo assinar um papel. Quem criou tais memes, e nós, que vimos e achamos graça, agimos apenas pelo impulso que as redes nos dá em compartilhar coisas, sejam elas éticas ou não.
Sou um defensor ferrenho da liberdade de expressão e opinião nas redes. Sou contra qualquer projeto que tente controlar o pensamento das pessoas; sou contra que se instale uma "comissão da verdade" que julgue o que cada um pode ou não postar, mesmo porque, qualquer crime que se cometa fora das redes, vale também para qualquer crime praticado nas redes. Dito isso, cabe a cada um de nós filtrar o que é relevante ou não, o que é ético ou não. Cabe a cada um de nós não nos rendermos à banalidade do mal.
Comentários
Infelizmente, o ser humano tem o seu "humor negro", sendo o brasileiro um povo hábil em fazer graça com situações trágicas ou desagradáveis. Talvez seja a maneira como muitos de nós aprendemos a lidar com os nossos frequentes infortúnios, aos quais acabamos nos habituando, ainda mais com tantas notícias ruins que a mídia bombardeia as mentes dos telespectadores e dos internautas a todo instante. Inclusive, ver tanta matéria sobre assassinatos, guerras e violações de direitos humanos faz com que acabemos nos desumanizando diante de uma banalização da tragédia e aí o humor negro surge como um escape.
Lembro quando certa vez, ainda estagiário no curso de Direito em Nova Friburgo, choquei quando assisti o juiz e o defensor público tentando descontrair ao conversarem entre si sobre um processo envolvendo um assalto a mão armada, cujo réu preso acabara de dar depoimento e ambos esperavam a convocação da próxima audiência. A promotora, todavia, ficou muda. No final de semana, comentei o episódio com minha namorada, hoje esposa, e Núbia me convenceu de que aquele comportamento dos dois operadores do Direito seria justamente um escape diante das tragédias da vida e que ela, tendo contado sobre situações parecidas vivenciadas por médicos e outros profissionais de saúde quando ela trabalhou como técnica de enfermagem num hospital em Niterói. Sem brincar, tudo ficaria insuportável.
Ela foi exposta? Foi, mas imagina se realmente ela levou o tio sabendo que ele estava morto ao banco? Isso é bizarro demais.
O que é que os golpes dos bancos tem a ver com a postagem? Um erro justifica o outro?
Como eu disse no texto, sou absolutamente contra a censura nas redes como o Moraes e alguns políticos de esquerda querem fazer.
Não sou contra memes, humor negro, piada de mau gosto...desde que cada um tenha consciência do que diz.
Não repostei nenhum meme dessa situação porque achei que ela extrapolou PARA MIM todo sentido de humanidade. Levar um tio morto para assinar um empréstimo não cabe no humor, não vou censurar quem fez, mas deixei minha opinião.
valeu, Rodrigo!