domingo, 24 de dezembro de 2023

Que a graça maravilhosa do Natal de Jesus possa despertar a Igreja!

 


 

"Graça maravilhosa! (quão doce é o som)

   Isso salvou um desgraçado como eu!

Uma vez eu estava perdido, mas agora fui encontrado,

   Fui cego, mas agora eu vejo."

(Trecho traduzido da música Amazing Grace)


Estava refletindo um pouco sobre a história da Igreja, mais precisamente sobre os tempos relativamente recentes, entre o final do século XVIII e o início do XIX, quando então um interessante personagem chamou a minha atenção. Trata-se do pastor anglicano John Newton (24 de julho de 1725 — 21 de dezembro de 1807), compositor da belíssima canção religiosa canção Amazing Grace (do inglês: "Graça Maravilhosa").


Para quem não sabe, John Newton, antes de se converter a Jesus, foi capitão de um navio negreiro e traficou escravos. Porém, em certa ocasião, a sua embarcação foi atingida por uma poderosa tempestade que o fez se sentir frágil e desamparado, havendo buscado refúgio na graça divina. Após essa marcante experiência, ele decidiu mudar de vida vindo a se tornar uns dos mais influentes abolicionistas de seu tempo a ponto de haver influenciado os trabalhos do referenciado deputado inglês William Wilberforce (1759 — 1833) em relação a essa importante causa social.


Fato é que, nessa época, apesar de todas as suas contradições, houve no meio da Igreja um movimento genuíno de avivamento espiritual que levou homens e mulheres a lutarem contra o milenar cativeiro de seres humanos e exploração da mão-de-obra escrava. Foram os tempos  em que vários líderes, a exemplo de Anthony BenezetBenjamin FranklinGranville SharpThomas Clarkson e o próprio William Wilberforce, todos autênticos cristãos, abrilhantaram o mundo com a coragem como enfrentaram o forte sistema escravista até então vigente.


Embora naqueles anos sombrios o Brasil ainda se achasse tão distante do abolicionismo, movimento que apenas floresceu entre nós na segunda metade do século XIX, muitas pessoas da sociedade inglesa se engajaram, inclusive mulheres cujos nomes raras vezes a História chegou a registrar. E, segundo relata o jornalista Laurentino Gomes, no segundo volume de seu livro Escravidão, elas organizavam comitês regionais, promoviam reuniões, coletavam assinaturas para as petições públicas e cooperavam no boicote ao consumo do açúcar produzido nas colônias escravistas do Caribe, sendo que citou em sua obra a acertada análise do historiador português João Pedro Marques acerca desse período:


"O abolicionismo era mais do que uma filosofia (...) Era ativista, queria mudar o mundo e tinha um plano de ação política para o conseguir: visava à abolição imediata ou a curto prazo do tráfico de escravos e, a médio prazo, da própria escravidão" (Revoltas escravas: mistificações e mal entendidos, págs 34-35)


Todavia, por mais tenebrosos que tenham sido as décadas do século XVIII, com o tráfico de escravos ainda em alta, eis que uma luz resplandeceu na escuridão pois, de fato, aquele se tornou um momento em que cristãos fizeram diferença no mundo, alcançando resultados. Graças a eles, foi colocado um tijolo a mais na evolução da humanidade, fazendo com que os entes federados do norte dos EUA pusessem fim a essa hedionda importação de cativos nos seus respectivos territórios. Na Inglaterra, em março de 1807, ano do falecimento de John Newton, aprovou-se a abolição do tráfico de escravos a partir do dia 1º de janeiro do ano seguinte.


Refletindo a respeito, minha oração é que os cristãos de hoje sejam despertados para lutar incansavelmente por justiça social e uma boa gestão ambiental nesses tempos atuais. Torço para que as igrejas deixem de cultivar o discurso retrógrado do conservadorismo e passem a se organizar para que os seus membros se tornem pessoas ativas dentro das comunidades onde se encontram inseridos, cobrando mais eficiência das autoridades quanto à escola de seus filhos, a qualidade dos serviços de saúde, o planejamento quanto ao saneamento básico e a boa aplicação dos recursos financeiros pagos com o sacrifício do contribuinte.


Mais do que nunca, os milhões e milhões de cristãos ao redor do mundo precisam colaborar com o desenvolvimento de uma economia sustentável, solidária e inclusiva, socorrendo pessoas em situação de vulnerabilidade, a exemplo do Padre Júlio Lancellotti, em São Paulo, e ampliando a assistência entre os próprios membros para que vivam todos em moradias dignas, tenham acesso a serviços básicos, redes de água/esgoto, e até mesmo a instalação de painéis solares.


Enfim, há muito o que lutar para que os valores graciosos do Reino de Deus se tornem uma realidade na sociedade na qual nos encontramos e os cristãos precisam hoje compreender qual o papel transformador que devem desempenhar.


Um feliz Natal a tod@s!

domingo, 17 de dezembro de 2023

MENSAGEM DE NATAL PARA ATEUS (e crentes também)





JESUS É UM PERSONAGEM FORMIDÁVEL.

Não, não interessa se ele teve existência histórica (como eu acredito) ou se ele foi uma invenção dos romanos (tese também sem nenhuma comprovação).
JESUS É FORMIDÁVEL PELO O QUE ELE É NOS EVANGELHOS. Não, não interessa como foram escritos, quem escreveu, isso não interessa agora. O importante aqui é a mensagem e o impacto dela na história.
NÃO CARECE LEVANTAR POLÊMICAS se ele andou sobre as águas ou ressuscitou mortos (eu acredito que não) mas tais relatos apenas deixam o personagem mais interessante, mais "MÍTICO" no sentido positivo do termo: "ah, aquele cara foi tão grande, tão grande, que virou mito..."
COMO DIZ BOFF, numa construção teológica cheia de significados, "Jesus era tão humano, tão humano, que só podia ter sido Deus..."
JESUS É TÃO PODEROSO que mesmo que não tenha existido, dois mil anos depois da sua "não existência", pelo menos 2 bilhões de pessoas no mundo hoje acreditam nele e tantos outros bilhões creram nele no passado desde que a notícia da sua "ressurreição" (que eu não creio ser histórica, apenas teológica já que outros deuses antigos também "ressuscitaram") começou a correr pela Palestina e depois ganhou o mundo greco-romano.
O HOMEM QUE EMERGE DAS NARRATIVAS EVANGÉLICAS é um homem pobre, simples, talvez carpinteiro, que passou por todos os dramas de crescer e se tornar homem igual a todos os meninos do seu tempo mas que ainda muito cedo se viu com uma missão (impossível?): TRAZER O REINO DE DEUS À TERRA, esperança milenar de todo o seu povo que teria consequências universais.
TOMOU PARA SI A TRADIÇÃO PROFÉTICA MESSIÂNICA, somou isso ao seu espetacular caráter carismático e alguns dons de cura (e nisso eu acredito historicamente já que há outros exemplos desses curadores à época), INCORPOROU AO SEU DISCURSO POLÍTICO-RELIGIOSO o essencial da TORÁ, afirmou-a (não a negou) e estava certo que o povo judeu somente poderia confirmar seu DESTINO ao mundo ao se curvar ao essencial da TORÁ e não ficar "coando mosquitos" como faziam os fariseus, apesar destes também poderem entrar no REINO mas somente depois das prostitutas...

SEU OLHAR ERA DE PURA COMPAIXÃO PELO QUE SOFRIA. Não era inflexível. SUA MISSÃO ERA PARA OS JUDEUS mas quando gentios atravessaram seu caminho lhe pedindo ajuda, ele não se furtou a ajudá-los. A mulher fenícia e o centurião romanos são bons exemplos.
RELATIVIZOU a soberba judaica de ser "povo escolhido, filhos de Abraão" dizendo que Deus poderia fazer filhos de Abraão até de pedras...
O EXEMPLO ÉTICO não foi o sacerdote, nem o levita, e sim, o samaritano (judeus miscigenados desprezados pelos "judeus puros").
O SEU SERMÃO DO MONTE, que não se pode dizer se todo original dele mas a partir dele se tornou mensagem universal, É A MAIS PODEROSA MENSAGEM DE CONVIVÊNCIA SOCIAL JÁ ESCRITA(se soubermos entendê-la de fato)
SE HOJE, o mundo todo passasse a seguir o SERMÃO DO MONTE, na mesma hora o mundo se transformaria. As guerras acabariam, as pessoas viveriam em paz uma com as outras e com Deus.
O SERMÃO DO MONTE é tão poderoso, tão "além do homem" que na prática é impossível praticá-lo sem que o homem se torne um NOVO HOMEM.
A ESSÊNCIA DESSE NOVO HOMEM SERIA O AMOR.
AMOR É O ÚNICO CRITÉRIO que Jesus estabeleceu para se viver no novo REINO DE DEUS, tudo o mais seria descartável e sem VALOR EXISTENCIAL.
NÃO, NÃO INTERESSA SE VOCÊ ACREDITA QUE ELE NÃO TENHA EXISTIDO, se você ler os EVANGELHOS sem PRÉ-CONCEITOS, SE APAIXONARÁ POR JESUS DE NAZARÉ.
SEU FIM TRÁGICO condiz com sua vida vivida autenticamente e tragicamente.
É O FIM TRÁGICO DE UM HERÓI TRÁGICO.
ELE NÃO VIU O REINO CHEGAR...desesperou-se na cruz pois viu tudo ruindo, sua missão chegando ao fim sem um fim desejado por ele.
NÃO, NAZARENO, o mundo continuaria o mesmo...você tocou milhares de pessoas mas não conseguiu mudar a essência do mundo. OS PODEROSOS CONTINUARIAM OPRIMINDO POBRES E FRACOS.
SIM, TEU PAI TE DESPREZOU...A história continuaria a ser trágica mas todo aquele que um dia foi tocado pela sua mensagem, pelos seus atos, pela tua solidariedade, pela tua dor, recebeu um impacto de vida. E PRA ISSO TAL QUAL NEM PRECISARÁ ACREDITAR QUE VOCÊ TENHA EXISTIDO...
COMO NENHUM OUTRO VOCÊ PÔS A RODA DA HISTÓRIA PARA GIRAR.
Mas como disse acertadamente um grande teólogo, VOCÊ COLOCOU A RODA DA HISTÓRIA PRA GIRAR MAS FOI ESMAGADA POR ELA.
FELIZ NATAL A TODOS.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Por mais homofóbica que seja a fala do bispo da IURD, a sua liberdade de expressão precisa ser respeitada



"Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo" (Evelyn Beatrice Hall, em Os amigos de Voltaire)


Recentemente, uma decisão de primeira instância da Juíza Dra. Ana Maria Wickert Theisen, da 10ª Vara Federal de Porto Alegre, nos autos do processo n.º 5067460-38.2022.4.04.7100, determinou a retirada de circulação, em 24 horas, de um vídeo veiculado num programa da Record TV por teor considerado homofóbico. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e entidades defensoras dos direitos LGBTQIAPN+ em face da emissora e do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, senhor Edir Macedo Bezerra.


O processo tem como pano de fundo um programa televisivo apresentado pelo próprio Edir Macedo, na véspera do Natal passado. Numa das falas registradas no vídeo, o apresentador afirmou que "ninguém nasce mau, ninguém nasce ladrão, ninguém homossexual ou lésbica". E, em seguida, destacou que "todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo".


Ao conceder a medida liminar, a Juíza considerou que esse tipo de associação feita por Edir Macedo, além de ser ofensiva, "incita a discriminação e a intolerância" contra a comunidade LGBTQIAPN+: "Trata-se de discurso de ódio, que desafia as garantias constitucionais e é repudiado por nosso sistema jurídico, devendo ser combatido por todos os meios". E, ao determinar a retirada da íntegra do programa de todos os meios de comunicação, a  Magistrada afastou a tese de censura e esclareceu que o autor da fala assumiu o risco de ver o conteúdo retirado em razão da ofensividade.


"Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada por Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas - ABRAFH em face da União, Rádio e Televisão Record S.A. e Edir Macedo Bezerra requerendo a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e a exclusão de suas redes socais e domínios da internet da íntegra de programa televisivo veiculado em 24 de dezembro de 2022, objeto da presente demanda.

Em aditamento (evento 3, INIC1), o Ministério Público Federal e Nuances - Grupo pela Livre Expressão Sexual requereram ingresso no polo ativo da demanda e pugnaram pela concessão de tutela de evidência para que "seja determinado à empresa ré que retire de imediato a integralidade do referido programa de seus sites, redes sociais, youtube, pod cast e qualquer forma de transmissão eletrônica ou de plataforma de streaming, como forma de limitar o dano perpetrado pelas falas discriminatórias e preconceituosas".

Foi deferida a inclusão dos peticionários no polo ativo e determinada a citação e intimação dos réus para manifestação prévia (evento 5, DESPADEC1).

A Rádio e TV Record apresentou manifestação prévia (evento 19, MANIF3) requerendo o indeferimento da tutela de evidência. Em contestação (evento 22, CONTES1), impugnou o valor da causa, alegou a incompetência do foro, a ilegitimidade passiva e a ilegitimidade ativa do MPF. No mérito, argumentou pela improcedência dos pedidos.

A União (evento 25, CONTES1) alegou, em contestação, sua ilegitimidade passiva, ressalvando que isso não afasta a competência da Justiça Federal. No mérito, sustentou a inexistência de omissão em fiscalizar a programação televisiva e de nexo causal em relação ao dano, requerendo a improcedência de todos os pedidos.

O réu Edir Macedo Bezerra contestou (evento 50, CONTES1) alegando a incompetência da Justiça Federal, a incompetência territorial e a inexistência de ilicitude. Insurge-se, enfim, quanto ao pedido de remoção do material das redes sociais e sites da internet.

(...)

Nos termos do art. 311 do CPC, "A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:"

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

O Parágrafo único do referido artigo estabelece, ainda, que nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

No caso, tenho que a tutela de evidência deve ser deferida, nos termos do inciso IV.

É incontroverso que a fala do réu Edir Macedo Bezerra proferida no programa veiculado pela ré Record, na véspera de Natal de 2022, incluiu os seguintes dizeres:

"Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém homossexual ou lésbica…ninguém nasce mau”.

“Ninguém nasce mau, todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém, o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo".

O discurso possui conteúdo evidentemente homofóbico, pois relaciona "ser homossexual ou lésbica" a "ser mau", da mesma forma que "ser ladrão" ou "ser bandido". Em última instância, o orador equipara homossexuais a criminosos. Esse tipo de associação, muito além de ser ofensivo, incita a discriminação e a intolerância contra a comunidade LGBTQIA+. Trata-se de discurso de ódio, que desafia as garantias constitucionais e é repudiado por nosso sistema jurídico, devendo ser combatido por todos os meios.

A exclusão da íntegra do programa televisivo que contém a fala preconceituosa das mídias digitais não se confunde com censura. A censura constitui controle prévio da manifestação do pensamento, o que nem pode mais ocorrer, pois o discurso foi, de fato, veiculado. Trata-se, isso sim, de coibir o abuso de direito, que "nada mais é que o exercício anormal de um direito subjetivo, contrariando sua destinação econômica ou social a boa-fé ou os bons costumes. O ato praticado com abuso de direito é formalmente legal, mas o titular do direito se desvia da finalidade da norma, transformando-o em ato substancialmente ilícito" (TRF4, AC 2006.71.10.001807-0, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, D.E. 16/10/2013). 

Tampouco se alegue indevida interferência em matéria religiosa ou desrespeito à liberdade de culto. A Record mencionou, em sua contestação, pronunciamento feito pelo líder da Igreja Católica, afirmando ser, a homossexualidade, um pecado. O pecado é a violação de um preceito religioso, de acordo com a ordem moral professada por determinada religião. Neste assunto, não cabe ao Estado se imiscuir. O réu Edir Macedo, porém, em sua fala exacerbou os limites da condenação religiosa das pessoas "homossexuais ou  lésbicas", sugerindo haver, por elas, o cometimento de um crime - e a tipificação penal é monopólio do Estado.

Considerando que os réus não opuseram prova capaz de gerar dúvida razoável quanto aos fatos constitutivos do direito dos autores, deve ser deferida a tutela de evidência.

Ainda, o fato de o trecho ofensivo constituir uma pequena parte do vídeo em questão não é irrazoável e não impede sua retirada das mídias digitais. O autor da fala, ao proferi-la, assumiu o risco de ver o conteúdo retirado em razão da ofensividade. Nada impede que os réus gravem e veiculem outro vídeo, sem o conteúdo discutido nos autos.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar à Rádio e Televisão Record S.A. que proceda à imediata retirada da  integralidade do referido programa de seus sites, redes sociais, youtube, pod cast e qualquer forma de transmissão eletrônica ou de plataforma de streaming.

Prazo para cumprimento: 24 (vinte e quatro) horas, a contar da intimação desta decisão.

Intime-se parte autora para se manifestar, no prazo de 15 dias, inclusive para indicar eventuais novas provas e para falar sobre matérias de ordem pública, tais como legitimidade, interesse, prescrição e decadência.

Intimem-se. Oportunamente, venham os autos conclusos para sentença."


Apesar de não ser nem um pouco fã do referido "pastor" e muito menos frequentador da IURD, entendo que a fala nada edificante (e preconceituosa) do apresentador, infelizmente, deve ser mantida.


Antes de mais nada, precisamos compreender que, para a moral cristã tradicional, principalmente de linha fundamentalista, cuja interpretação da Bíblia se dá quase literalmente, os atos homossexuais são vistos como "pecado", ainda que muitos teólogos liberais entendam de modo diferente e inclusivo, a exemplo do digníssimo pastor e deputado federal Henrique Vieira (PSOL-RJ). Porém, cada grupo religioso, seja evangélico ou não, tem o seu direito assegurado de considerar o que para eles seja visto como certo ou errado, bem como casar numa cerimônia religiosa quem acham que pode contrair matrimônio perante as regras estatutárias da instituição.


Entretanto, voltando ao caso, pelo que conheço das Escrituras Sagradas, não me parece que o bispo da Universal tenha chamado os homossexuais de bandidos ou algo parecido. O trecho do seu discurso me fez lembrar o que o apóstolo Paulo, por algumas vezes, teria escrito em suas cartas do Novo Testamento.


Na sua primeira epístola a Timóteo, pasmem, Paulo cita os homossexuais juntamente com os assassinos, inclusive mencionando os patricidas e matricidas, além dos sequentradores:


"Sabemos que a lei é boa, se alguém a usa de maneira adequada. Também sabemos que ela não é feita para os justos, mas para os transgressores e insubordinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreverentes, para os que matam pai e mãe, para os homicidas, para os que praticam imoralidade sexual e os homossexuais, para os seqüestradores, para os mentirosos e os que juram falsamente; e para todo aquele que se opõe à sã doutrina." (1 Timóteo 1:8-10; NVI)


Igualmente, o mesmo autor sagrado, em sua primeira missiva à Igreja em Corinto, também conforme o texto da Nova Versão Internacional, numa referência à lei mosaica, excluiu da herança do Reino de Deus tanto ladrões quanto homossexuais:


"Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus. (1 Coríntios 6:9-11)


Ora, ainda mais polêmico seria o capítulo 1 da Carta aos Romanos de Paulo, quando o apóstolo parece atribuir a prática da idolatria como causa da homossexualidade, dando a entender que o desejo por pessoas do mesmo sexo fosse um castigo divino aos homens por não terem adorado a divindade que ele considerava a verdadeira:


"porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis. Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos dos seus corações, para a degradação dos seus corpos entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão. Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam. Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam." (Romanos 1:21-32; NVI)


Ocorre que, nos capítulos seguintes, esta mesma epístola do Novo Testamento, ao mesmo tempo, nos dá a chave da compreensão para entendermos o que o bispo Macedo certamente pretendeu dizer. Pois, se lermos atentamente Romanos, Paulo demonstrará que todos os homens estariam debaixo do pecado e sujeitos ao juízo divino, tornando-se carecedores da graça manifesta em Jesus para terem a salvação. Ou seja, não haveria como qualquer ser humano justificar-se diante do Tribunal de Deus por meio de suas ações já que todos somos imperfeitos e transgressores da lei divina. Senão vejamos este trecho do terceiro capítulo:


"Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus." (Rm 3:20-24; NVI)


Apesar de ter minhas críticas a Paulo e também divergir de muitas interpretações acerca das suas cartas, entendo que esses textos do Novo Testamento, por mais homofóbicos que pareçam, precisam ser respeitados como uma livre expressão religiosa. Ainda mais se tratando de obras pretéritas, redigidas num outro contexto moral e legal.


Por sua vez, não podemos proibir ninguém de pregar em cima dessas passagens da Bíblia, exceto se o pregador estiver incitando abertamente o preconceito. Isto é, se na mensagem religiosa houvesse uma espécie de direcionamento a uma pessoa, uma minoria ou grupo da sociedade.


No caso em comento, data venia, confesso não vislumbrar um discurso de ódio contra um grupo social vulnerabilizado, muito embora o discurso fundamentalista religioso de interpretação quase literal das Escrituras Sagradas seja mesmo preconceituoso no sentido amplo.


De qualquer modo, para uma melhor análise, segue a transcrição do sermão polêmico da noite natalina de 24/12/2022, feita pela defesa do senhor Edir Macedo:


"Deus escolheu as coisas vis deste mundo e as desprezíveis e as que não são, para aniquilar as que são. Quem são essas pessoas que foram excluídas, que Deus tem tanta atenção? (...) E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. E, então, dirá o rei aos que estiverem à sua direita, que são as ovelhas: 'Vide benditos de meu pai' e 'possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo'. Aí me diz, porque ele mostra quem são essas ovelhas. Ele lista essas ovelhas, dizendo assim: 'Porque tive fome, e Me destes de comer'. Essa situação, porque de repente você não tem um pão para dividir com a sua família, com seus entes queridos agora. Porque a situação está crítica, mas uma coisa você tem que saber, que Ele citou os famintos como escolhidos. 'Porque tive fome, e Me deste de comer; tive sede, e Me destes de beber; Era estrangeiro, e Me hospedastes; estava nu, e Me vestistes; adoeci e Me visitastes; estive na prisão, e Me fostes ver'. Olha só, então todas essas pessoas são aquelas excluídas da sociedade, que ninguém quer, essa é a realidade. Ninguém quer. Ninguém. Mas, nós da Igreja Universal do Reino de Deus assumimos, digamos assim, a paternidade dessas pessoas excluídas, os famintos, os sedentos, os pobres, os mendigos, os sem-teto, os que estão presos, especialmente você que está preso. Você sabe de uma coisa?! Você sabia que você pode mudar a sua vida aí mesmo onde você está?! Você não precisa de ninguém. Você não precisa estar solto para poder vir na igreja. A igreja vai até você. Você não precisa estar solto para chegar no altar. O altar de Deus vai até você. Aí onde você está. Ele só precisa... você só precisa de uma coisa: falar com Deus. Você crê que Jesus está vivo? Você crê que Jesus vai voltar e vai fazer separação entre bodes e as ovelhas? Você crê que ele vai vir buscar a sua igreja? Você crê que estas palavras aqui são para você? 'Tive fome, e Me deste de comer; tive sede, e Me deste de beber'. Era estrangeira. Quer dizer... A pessoa que era faminta, sedenta, estrangeira, que estava sem apoio, estava nu, adoecida e estava na prisão. Essa gente, Jesus disse, 'quando vocês fizerem alguma coisa para esse pessoal, vocês estão fazendo para mim'. Quer dizer, Jesus está comungando com você aí neste momento, embora você esteja coberto de culpas. Você esteja talvez com a consciência pesada, tem uma tonelada na sua consciência pelo que você fez aqui fora. Mas Deus sabe porque que você fez. Ele sabe da sua situação. Ele conhece perfeitamente o porquê que você chegou aí. Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém nasce homossexual, lésbica. Ninguém nasce mau. Todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém, o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo. Mas, como eu estava falando, o senhor Jesus está com todos aqueles que estão nessa situação de exclusão."


Enfim, pondero que a pregação do bispo nem teve a temática específica da sexualidade, ou da homossexualidade, tal como vejo nas citações das cartas de Paulo aos Coríntios e Timóteo, quando o apóstolo relacionou vários tipos pecaminosos. Porém, como o réu se reportou às pessoas que ele considerou excluídas da sociedade, fazendo menção incidental aos gays e às lésbicas, não vislumbro uma ofensa direta à comunidade LGBTQIA+.


Ademais, também não me parece que o senhor Edir Macedo tenha feito referência aos homossexuais como sendo criminosos, tendo expressado opinião dentro daquilo que a sua moral religiosa (preconceituosa) condena como um pecado.


Ora, lembro bem das aulas iniciais que tive sobre as diferenças entre Moral e Direito na faculdade em que ambos dizem respeito ao comportamento humano em sociedade, em grupo no mundo. 


Pois bem. Enquanto a Moral, seja ela religiosa ou não, trata-se de um conjunto de regras costumeiras de determinados grupos sociais e/ou nações, eis que o Direito procura impor condutas de comportamento humano, geralmente sob pena de alguma sanção.


Em outras palavras, poderá haver pontos de contato entre uma visão moralista e a ordem jurídica, mas não necessariamente tudo aquilo que for tido como imoral para uns será antijurídico para o Estado e vice-versa. E, no caso da homossexualidade, a maioria das igrejas cristãs consideram o ato homossexual pecado da mesma maneira como costumam enxergar uma relação sexual ocorrida fora do casamento, muito embora sabemos que hoje o Direito brasileiro protege amplamente a liberdade de cada um querer fazer sexo com outra pessoa, desde que haja consentimento mútuo, a exceção das crianças.


Concluo que, mesmo sem concordar com o conteúdo da pregação do bispo e fundador da Igreja Universal, até mesmo por entender que a cristandade precisa evoluir em seu pensamento e não interpretar a Bíblia de maneira fechada ou literal, defendo a sua liberdade de expressão. E aí, conforme teria formulado o filósofo francês Voltaire (1694 - 1778), mais de um século antes de ser parafraseado pela escritora inglesa Evelyn Beatrice Hall, nascida em 1868, "detesto o que o senhor escreve, mas daria minha vida para lhe permitir continuar escrevendo".


Como, provavelmente, a TV, o bispo e a União Federal deverão ainda interpor seus respectivos recursos de agravo de instrumento, aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Viva São Cosme e São Damião!

Aí um texto publicado no Facebook pelo historiador e deputado Chico Alencar que confere um bom sentido às crenças religiosas e aos costume...