Por mais homofóbica que seja a fala do bispo da IURD, a sua liberdade de expressão precisa ser respeitada



"Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo" (Evelyn Beatrice Hall, em Os amigos de Voltaire)


Recentemente, uma decisão de primeira instância da Juíza Dra. Ana Maria Wickert Theisen, da 10ª Vara Federal de Porto Alegre, nos autos do processo n.º 5067460-38.2022.4.04.7100, determinou a retirada de circulação, em 24 horas, de um vídeo veiculado num programa da Record TV por teor considerado homofóbico. A ação foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e entidades defensoras dos direitos LGBTQIAPN+ em face da emissora e do bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, senhor Edir Macedo Bezerra.


O processo tem como pano de fundo um programa televisivo apresentado pelo próprio Edir Macedo, na véspera do Natal passado. Numa das falas registradas no vídeo, o apresentador afirmou que "ninguém nasce mau, ninguém nasce ladrão, ninguém homossexual ou lésbica". E, em seguida, destacou que "todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo".


Ao conceder a medida liminar, a Juíza considerou que esse tipo de associação feita por Edir Macedo, além de ser ofensiva, "incita a discriminação e a intolerância" contra a comunidade LGBTQIAPN+: "Trata-se de discurso de ódio, que desafia as garantias constitucionais e é repudiado por nosso sistema jurídico, devendo ser combatido por todos os meios". E, ao determinar a retirada da íntegra do programa de todos os meios de comunicação, a  Magistrada afastou a tese de censura e esclareceu que o autor da fala assumiu o risco de ver o conteúdo retirado em razão da ofensividade.


"Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada por Aliança Nacional LGBTI+ e Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas - ABRAFH em face da União, Rádio e Televisão Record S.A. e Edir Macedo Bezerra requerendo a condenação dos demandados ao pagamento de indenização por danos morais coletivos e a exclusão de suas redes socais e domínios da internet da íntegra de programa televisivo veiculado em 24 de dezembro de 2022, objeto da presente demanda.

Em aditamento (evento 3, INIC1), o Ministério Público Federal e Nuances - Grupo pela Livre Expressão Sexual requereram ingresso no polo ativo da demanda e pugnaram pela concessão de tutela de evidência para que "seja determinado à empresa ré que retire de imediato a integralidade do referido programa de seus sites, redes sociais, youtube, pod cast e qualquer forma de transmissão eletrônica ou de plataforma de streaming, como forma de limitar o dano perpetrado pelas falas discriminatórias e preconceituosas".

Foi deferida a inclusão dos peticionários no polo ativo e determinada a citação e intimação dos réus para manifestação prévia (evento 5, DESPADEC1).

A Rádio e TV Record apresentou manifestação prévia (evento 19, MANIF3) requerendo o indeferimento da tutela de evidência. Em contestação (evento 22, CONTES1), impugnou o valor da causa, alegou a incompetência do foro, a ilegitimidade passiva e a ilegitimidade ativa do MPF. No mérito, argumentou pela improcedência dos pedidos.

A União (evento 25, CONTES1) alegou, em contestação, sua ilegitimidade passiva, ressalvando que isso não afasta a competência da Justiça Federal. No mérito, sustentou a inexistência de omissão em fiscalizar a programação televisiva e de nexo causal em relação ao dano, requerendo a improcedência de todos os pedidos.

O réu Edir Macedo Bezerra contestou (evento 50, CONTES1) alegando a incompetência da Justiça Federal, a incompetência territorial e a inexistência de ilicitude. Insurge-se, enfim, quanto ao pedido de remoção do material das redes sociais e sites da internet.

(...)

Nos termos do art. 311 do CPC, "A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:"

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;

III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;

IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.

O Parágrafo único do referido artigo estabelece, ainda, que nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.

No caso, tenho que a tutela de evidência deve ser deferida, nos termos do inciso IV.

É incontroverso que a fala do réu Edir Macedo Bezerra proferida no programa veiculado pela ré Record, na véspera de Natal de 2022, incluiu os seguintes dizeres:

"Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém homossexual ou lésbica…ninguém nasce mau”.

“Ninguém nasce mau, todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém, o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo".

O discurso possui conteúdo evidentemente homofóbico, pois relaciona "ser homossexual ou lésbica" a "ser mau", da mesma forma que "ser ladrão" ou "ser bandido". Em última instância, o orador equipara homossexuais a criminosos. Esse tipo de associação, muito além de ser ofensivo, incita a discriminação e a intolerância contra a comunidade LGBTQIA+. Trata-se de discurso de ódio, que desafia as garantias constitucionais e é repudiado por nosso sistema jurídico, devendo ser combatido por todos os meios.

A exclusão da íntegra do programa televisivo que contém a fala preconceituosa das mídias digitais não se confunde com censura. A censura constitui controle prévio da manifestação do pensamento, o que nem pode mais ocorrer, pois o discurso foi, de fato, veiculado. Trata-se, isso sim, de coibir o abuso de direito, que "nada mais é que o exercício anormal de um direito subjetivo, contrariando sua destinação econômica ou social a boa-fé ou os bons costumes. O ato praticado com abuso de direito é formalmente legal, mas o titular do direito se desvia da finalidade da norma, transformando-o em ato substancialmente ilícito" (TRF4, AC 2006.71.10.001807-0, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, D.E. 16/10/2013). 

Tampouco se alegue indevida interferência em matéria religiosa ou desrespeito à liberdade de culto. A Record mencionou, em sua contestação, pronunciamento feito pelo líder da Igreja Católica, afirmando ser, a homossexualidade, um pecado. O pecado é a violação de um preceito religioso, de acordo com a ordem moral professada por determinada religião. Neste assunto, não cabe ao Estado se imiscuir. O réu Edir Macedo, porém, em sua fala exacerbou os limites da condenação religiosa das pessoas "homossexuais ou  lésbicas", sugerindo haver, por elas, o cometimento de um crime - e a tipificação penal é monopólio do Estado.

Considerando que os réus não opuseram prova capaz de gerar dúvida razoável quanto aos fatos constitutivos do direito dos autores, deve ser deferida a tutela de evidência.

Ainda, o fato de o trecho ofensivo constituir uma pequena parte do vídeo em questão não é irrazoável e não impede sua retirada das mídias digitais. O autor da fala, ao proferi-la, assumiu o risco de ver o conteúdo retirado em razão da ofensividade. Nada impede que os réus gravem e veiculem outro vídeo, sem o conteúdo discutido nos autos.

Ante o exposto, DEFIRO o pedido de tutela de urgência para determinar à Rádio e Televisão Record S.A. que proceda à imediata retirada da  integralidade do referido programa de seus sites, redes sociais, youtube, pod cast e qualquer forma de transmissão eletrônica ou de plataforma de streaming.

Prazo para cumprimento: 24 (vinte e quatro) horas, a contar da intimação desta decisão.

Intime-se parte autora para se manifestar, no prazo de 15 dias, inclusive para indicar eventuais novas provas e para falar sobre matérias de ordem pública, tais como legitimidade, interesse, prescrição e decadência.

Intimem-se. Oportunamente, venham os autos conclusos para sentença."


Apesar de não ser nem um pouco fã do referido "pastor" e muito menos frequentador da IURD, entendo que a fala nada edificante (e preconceituosa) do apresentador, infelizmente, deve ser mantida.


Antes de mais nada, precisamos compreender que, para a moral cristã tradicional, principalmente de linha fundamentalista, cuja interpretação da Bíblia se dá quase literalmente, os atos homossexuais são vistos como "pecado", ainda que muitos teólogos liberais entendam de modo diferente e inclusivo, a exemplo do digníssimo pastor e deputado federal Henrique Vieira (PSOL-RJ). Porém, cada grupo religioso, seja evangélico ou não, tem o seu direito assegurado de considerar o que para eles seja visto como certo ou errado, bem como casar numa cerimônia religiosa quem acham que pode contrair matrimônio perante as regras estatutárias da instituição.


Entretanto, voltando ao caso, pelo que conheço das Escrituras Sagradas, não me parece que o bispo da Universal tenha chamado os homossexuais de bandidos ou algo parecido. O trecho do seu discurso me fez lembrar o que o apóstolo Paulo, por algumas vezes, teria escrito em suas cartas do Novo Testamento.


Na sua primeira epístola a Timóteo, pasmem, Paulo cita os homossexuais juntamente com os assassinos, inclusive mencionando os patricidas e matricidas, além dos sequentradores:


"Sabemos que a lei é boa, se alguém a usa de maneira adequada. Também sabemos que ela não é feita para os justos, mas para os transgressores e insubordinados, para os ímpios e pecadores, para os profanos e irreverentes, para os que matam pai e mãe, para os homicidas, para os que praticam imoralidade sexual e os homossexuais, para os seqüestradores, para os mentirosos e os que juram falsamente; e para todo aquele que se opõe à sã doutrina." (1 Timóteo 1:8-10; NVI)


Igualmente, o mesmo autor sagrado, em sua primeira missiva à Igreja em Corinto, também conforme o texto da Nova Versão Internacional, numa referência à lei mosaica, excluiu da herança do Reino de Deus tanto ladrões quanto homossexuais:


"Vocês não sabem que os perversos não herdarão o Reino de Deus? Não se deixem enganar: nem imorais, nem idólatras, nem adúlteros, nem homossexuais passivos ou ativos, nem ladrões, nem avarentos, nem alcoólatras, nem caluniadores, nem trapaceiros herdarão o Reino de Deus. Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus. (1 Coríntios 6:9-11)


Ora, ainda mais polêmico seria o capítulo 1 da Carta aos Romanos de Paulo, quando o apóstolo parece atribuir a prática da idolatria como causa da homossexualidade, dando a entender que o desejo por pessoas do mesmo sexo fosse um castigo divino aos homens por não terem adorado a divindade que ele considerava a verdadeira:


"porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos e trocaram a glória do Deus imortal por imagens feitas segundo a semelhança do homem mortal, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis. Por isso Deus os entregou à impureza sexual, segundo os desejos pecaminosos dos seus corações, para a degradação dos seus corpos entre si. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados, em lugar do Criador, que é bendito para sempre. Amém. Por causa disso Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza. Da mesma forma, os homens também abandonaram as relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes, homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido pela sua perversão. Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que não deviam. Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalidades, engano e malícia. São bisbilhoteiros, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de praticar o mal; desobedecem a seus pais; são insensatos, desleais, sem amor pela família, implacáveis. Embora conheçam o justo decreto de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte, não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles que as praticam." (Romanos 1:21-32; NVI)


Ocorre que, nos capítulos seguintes, esta mesma epístola do Novo Testamento, ao mesmo tempo, nos dá a chave da compreensão para entendermos o que o bispo Macedo certamente pretendeu dizer. Pois, se lermos atentamente Romanos, Paulo demonstrará que todos os homens estariam debaixo do pecado e sujeitos ao juízo divino, tornando-se carecedores da graça manifesta em Jesus para terem a salvação. Ou seja, não haveria como qualquer ser humano justificar-se diante do Tribunal de Deus por meio de suas ações já que todos somos imperfeitos e transgressores da lei divina. Senão vejamos este trecho do terceiro capítulo:


"Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado. Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da lei, da qual testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo Jesus." (Rm 3:20-24; NVI)


Apesar de ter minhas críticas a Paulo e também divergir de muitas interpretações acerca das suas cartas, entendo que esses textos do Novo Testamento, por mais homofóbicos que pareçam, precisam ser respeitados como uma livre expressão religiosa. Ainda mais se tratando de obras pretéritas, redigidas num outro contexto moral e legal.


Por sua vez, não podemos proibir ninguém de pregar em cima dessas passagens da Bíblia, exceto se o pregador estiver incitando abertamente o preconceito. Isto é, se na mensagem religiosa houvesse uma espécie de direcionamento a uma pessoa, uma minoria ou grupo da sociedade.


No caso em comento, data venia, confesso não vislumbrar um discurso de ódio contra um grupo social vulnerabilizado, muito embora o discurso fundamentalista religioso de interpretação quase literal das Escrituras Sagradas seja mesmo preconceituoso no sentido amplo.


De qualquer modo, para uma melhor análise, segue a transcrição do sermão polêmico da noite natalina de 24/12/2022, feita pela defesa do senhor Edir Macedo:


"Deus escolheu as coisas vis deste mundo e as desprezíveis e as que não são, para aniquilar as que são. Quem são essas pessoas que foram excluídas, que Deus tem tanta atenção? (...) E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda. E, então, dirá o rei aos que estiverem à sua direita, que são as ovelhas: 'Vide benditos de meu pai' e 'possuí por herança o Reino que vos está preparado desde a fundação do mundo'. Aí me diz, porque ele mostra quem são essas ovelhas. Ele lista essas ovelhas, dizendo assim: 'Porque tive fome, e Me destes de comer'. Essa situação, porque de repente você não tem um pão para dividir com a sua família, com seus entes queridos agora. Porque a situação está crítica, mas uma coisa você tem que saber, que Ele citou os famintos como escolhidos. 'Porque tive fome, e Me deste de comer; tive sede, e Me destes de beber; Era estrangeiro, e Me hospedastes; estava nu, e Me vestistes; adoeci e Me visitastes; estive na prisão, e Me fostes ver'. Olha só, então todas essas pessoas são aquelas excluídas da sociedade, que ninguém quer, essa é a realidade. Ninguém quer. Ninguém. Mas, nós da Igreja Universal do Reino de Deus assumimos, digamos assim, a paternidade dessas pessoas excluídas, os famintos, os sedentos, os pobres, os mendigos, os sem-teto, os que estão presos, especialmente você que está preso. Você sabe de uma coisa?! Você sabia que você pode mudar a sua vida aí mesmo onde você está?! Você não precisa de ninguém. Você não precisa estar solto para poder vir na igreja. A igreja vai até você. Você não precisa estar solto para chegar no altar. O altar de Deus vai até você. Aí onde você está. Ele só precisa... você só precisa de uma coisa: falar com Deus. Você crê que Jesus está vivo? Você crê que Jesus vai voltar e vai fazer separação entre bodes e as ovelhas? Você crê que ele vai vir buscar a sua igreja? Você crê que estas palavras aqui são para você? 'Tive fome, e Me deste de comer; tive sede, e Me deste de beber'. Era estrangeira. Quer dizer... A pessoa que era faminta, sedenta, estrangeira, que estava sem apoio, estava nu, adoecida e estava na prisão. Essa gente, Jesus disse, 'quando vocês fizerem alguma coisa para esse pessoal, vocês estão fazendo para mim'. Quer dizer, Jesus está comungando com você aí neste momento, embora você esteja coberto de culpas. Você esteja talvez com a consciência pesada, tem uma tonelada na sua consciência pelo que você fez aqui fora. Mas Deus sabe porque que você fez. Ele sabe da sua situação. Ele conhece perfeitamente o porquê que você chegou aí. Você não nasceu mau. Ninguém nasce mau. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce bandido, ninguém nasce homossexual, lésbica. Ninguém nasce mau. Todo mundo nasce perfeito com a sua inocência, porém, o mundo faz das pessoas aquilo que elas são quando elas aderem ao mundo. Mas, como eu estava falando, o senhor Jesus está com todos aqueles que estão nessa situação de exclusão."


Enfim, pondero que a pregação do bispo nem teve a temática específica da sexualidade, ou da homossexualidade, tal como vejo nas citações das cartas de Paulo aos Coríntios e Timóteo, quando o apóstolo relacionou vários tipos pecaminosos. Porém, como o réu se reportou às pessoas que ele considerou excluídas da sociedade, fazendo menção incidental aos gays e às lésbicas, não vislumbro uma ofensa direta à comunidade LGBTQIA+.


Ademais, também não me parece que o senhor Edir Macedo tenha feito referência aos homossexuais como sendo criminosos, tendo expressado opinião dentro daquilo que a sua moral religiosa (preconceituosa) condena como um pecado.


Ora, lembro bem das aulas iniciais que tive sobre as diferenças entre Moral e Direito na faculdade em que ambos dizem respeito ao comportamento humano em sociedade, em grupo no mundo. 


Pois bem. Enquanto a Moral, seja ela religiosa ou não, trata-se de um conjunto de regras costumeiras de determinados grupos sociais e/ou nações, eis que o Direito procura impor condutas de comportamento humano, geralmente sob pena de alguma sanção.


Em outras palavras, poderá haver pontos de contato entre uma visão moralista e a ordem jurídica, mas não necessariamente tudo aquilo que for tido como imoral para uns será antijurídico para o Estado e vice-versa. E, no caso da homossexualidade, a maioria das igrejas cristãs consideram o ato homossexual pecado da mesma maneira como costumam enxergar uma relação sexual ocorrida fora do casamento, muito embora sabemos que hoje o Direito brasileiro protege amplamente a liberdade de cada um querer fazer sexo com outra pessoa, desde que haja consentimento mútuo, a exceção das crianças.


Concluo que, mesmo sem concordar com o conteúdo da pregação do bispo e fundador da Igreja Universal, até mesmo por entender que a cristandade precisa evoluir em seu pensamento e não interpretar a Bíblia de maneira fechada ou literal, defendo a sua liberdade de expressão. E aí, conforme teria formulado o filósofo francês Voltaire (1694 - 1778), mais de um século antes de ser parafraseado pela escritora inglesa Evelyn Beatrice Hall, nascida em 1868, "detesto o que o senhor escreve, mas daria minha vida para lhe permitir continuar escrevendo".


Como, provavelmente, a TV, o bispo e a União Federal deverão ainda interpor seus respectivos recursos de agravo de instrumento, aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Comentários

Eduardo Medeiros disse…
Ótima apresentação do fato.
Tenho dúvidas que a expressão "homossexual" esteja nos escritos originais gregos com o mesmo significado que temos hoje. Lembrando que o termo "homossexual" não existia nos tempos de Paulo.

Considero a proteção absoluta que se dá aos LGB...excessiva. São praticamente "intocáveis", qualquer termo usado ainda que a intenção não fosse a ofensa, é visto como ofensa...
O cerceamento da liberdade de pensamento (ainda que for ofensivo a alguém) me preocupa.
Boa tarde, Eduardo.

Obrigado pela leitura e comentários.

Realmente a falta de conhecimento do idioma original do NT me impede de lhe dar os esclarecimentos. No entanto, o que colocou também põe em dúvida se as traduções que usamos hoje da Bíblia não teriam sido feitas de maneira tendenciosa. E aí realmente as editoras responsáveis por essas edições teriam que rever. Vale uma postagem a respeito por quem tenha conhecimento específico na área.

Quanto às interpretações de expressões desfavoráveis às minorias vulnerabilizadas, de fato podem ameaçar os direitos previstos nos arts. 220 e 5º, incisos IV, VI e IX da Constituição Federal, com a possibilidade de alguém querer imputar o ilícito a outrem mesmo de forma genérica e abstrata.
Em tempo! Recentemente houve algo ainda mais preocupante que foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal que admitiu a possibilidade de responsabilização de veículos de imprensa por falas de entrevistados. Na sessão da última quarta-feira (29/11), a Corte fixou tese segundo a qual empresas jornalísticas podem ser responsabilizadas civilmente por fala de entrevistado se, à época da publicação, havia indícios concretos da falsidade da imputação feita a terceiro e o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos.

A tese fixada foi a seguinte:

"1 — A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.
2 — Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios"

Não haveria aí uma ofensa ao art. 220 da nossa Carta Magna?! Infelizmente, temos visto a liberdade de expressão sendo limitada no país em vários aspectos...