terça-feira, 14 de outubro de 2025

📰 A EXISTÊNCIA DA FOME É UMA ESCOLHA POLÍTICA




Por Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República do Brasil


(Artigo do Presidente Lula publicado entre 13 e 14 de outubro de 2025 no Infobae 🇦🇷, Al Jazeera 🇶🇦, La Tercera 🇨🇱, El Espectador 🇨🇴, El País 🇪🇸, Libération 🇫🇷, La Repubblica 🇮🇹, La Jornada 🇲🇽, Jornal Notícias 🇲🇿, Público 🇵🇹, Daily Nation 🇰🇪 e The Independent 🇬🇧)


A fome não é uma condição natural da humanidade, nem é uma tragédia inevitável: ela é fruto de escolhas de governos e de sistemas econômicos que optaram por fechar os olhos para as desigualdades. Ou mesmo promovê-las.


A mesma ordem econômica que nega a 673 milhões de pessoas o acesso à alimentação adequada permite a um seleto grupo de 3 mil bilionários deterem 14,6% do PIB global.


Em 2024, as nações mais ricas ajudaram a impulsionar o maior aumento em gastos militares desde o fim da Guerra Fria, que chegaram a US$ 2,7 trilhões no ano. Mas não tiraram do papel o compromisso que elas mesmas assumiram: investir 0,7% do PIB em ações concretas para a promoção do desenvolvimento nos países mais pobres.


Vemos, hoje, situações semelhantes àquelas que existiam há oitenta anos, quando a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, foi criada. Diferente daquela época, contudo, não temos apenas as tragédias da guerra e da fome se retroalimentando, mas também a urgente crise climática. E a concertação entre as nações criada para resolver os desafios de 1945 não dão mais conta dos problemas atuais.


É necessário reformar os mecanismos globais de governança. Precisamos fortalecer o multilateralismo, criar fluxos de investimentos que promovam o desenvolvimento sustentável e garantir aos estados a capacidade de implementar políticas públicas consistentes de combate à fome e à pobreza.


É fundamental incluir os pobres no orçamento público e os mais ricos no imposto de renda. Isso passa pela justiça tributária e a taxação dos super-ricos, tema que conseguimos incluir – pela primeira vez – na declaração final da cúpula do G20 em novembro de 2024, realizada sob a presidência brasileira. Uma mudança simbólica, mas histórica.


Defendemos tal prática no mundo – e a adotamos no Brasil. Está em vias de ser aprovado no Congresso brasileiro uma mudança substancial nas regras tributárias: pela primeira vez no país, haverá uma taxação mínima sobre a renda das pessoas mais ricas do país, isentando do imposto milhões de pessoas com salários menores.


Também à frente do G20, o Brasil propôs a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. A iniciativa, embora recente, já conta com 200 membros — 103 países e 97 parceiros como fundações e organizações. Não se trata só de trocar experiências, mas de mobilizar recursos e cobrar compromissos.


Com a Aliança, queremos que os países tenham as capacidades necessárias para conduzir as políticas que efetivamente reduzam a desigualdade e garantam o direito à alimentação adequada. Políticas que têm resultados rápidos, como os registrados no Brasil após elevarmos o combate à fome à condição de prioridade de governo em 2023.


Dados oficiais divulgados há poucos dias mostram que libertamos da fome 26,5 milhões de brasileiros desde o início de 2023. Além disso, o Brasil saiu, pela segunda vez, do Mapa da Fome da FAO em seu relatório sobre a insegurança no mundo. Mapa ao qual não teria retornado se as políticas iniciadas ainda nos meus primeiros governos (2003-2010) e da presidenta Dilma Rousseff (2011-2016) não tivessem sido abandonadas.


Por trás desta conquista, estão ações coordenadas em diversas frentes. Qualificamos e ampliamos nosso principal mecanismo de transferência de renda, que passou a atender a 20 milhões de lares, com atenção a 8,5 milhões de crianças de até 6 anos.


Ampliamos os recursos destinados à alimentação gratuita nas escolas públicas, que beneficia 40 milhões de estudantes. Por meio de compras públicas de alimentos, garantimos renda a famílias de pequenos agricultores e distribuímos comida gratuita e de qualidade a quem realmente precisa. Além disso, aumentamos o fornecimento gratuito de gás de cozinha e eletricidade às pessoas de menor renda, abrindo espaço no orçamento familiar para fortalecer a segurança alimentar


Nenhuma dessas políticas, porém, se sustenta sem um ambiente econômico que as impulsione. Quando há empregos, quando há renda, a fome perde sua força. Por isso, adotamos uma política econômica que priorizou o aumento dos salários e nos levou ao menor índice de desemprego já registrado no Brasil. E também ao menor índice de desigualdade de renda familiar per capita.


O Brasil ainda tem muito a avançar até garantir a plena segurança alimentar a toda sua população, mas seus resultados confirmam que a ação do estado é capaz, sim, de vencer o flagelo da fome. Tais iniciativas, contudo, dependem de mudanças concretas nas prioridades mundiais: investir em desenvolvimento, e não em guerras; privilegiar o combate à desigualdade, e não as políticas econômicas restritivas que por décadas têm provocado enorme concentração de riqueza; e encarar o desafio da mudança do clima, tendo as pessoas no centro de nossas preocupações.


Ao sediar a COP30 na Amazônia, no mês que vem, o Brasil quer mostrar que o combate à mudança do clima e o combate à fome e à pobreza precisam andar juntos. Queremos adotar, em Belém, uma Declaração sobre Fome, Pobreza e Clima que reconheça os impactos profundamente desiguais das mudanças climáticas e seu papel no agravamento da fome em certas regiões do mundo.


Também levei estas mensagens ao Fórum Mundial da Alimentação e à reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global Contra a Fome, eventos dos quais tive a honra de participar no dia 13, em Roma. Mensagens que mostram que as mudanças são urgentes, mas são possíveis. Pois a humanidade, que criou o veneno da fome contra ela mesma, também é capaz de produzir o seu antídoto.



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